Opinião

Execução de sentença estrangeira em território nacional: o 'caso Robinho'

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23 de janeiro de 2022, 7h13

Depois do anúncio da condenação criminal do jogador Robinho pelo Poder Judiciário da Itália, duas respeitáveis interpretações se apresentaram sobre a (im)possibilidade da execução da pena privativa de liberdade da sentença estrangeira em território nacional.

A primeira delas, admitindo a possibilidade da execução, foi defendida pelo professor Davi Tangerino [1], sob o argumento de haver previsão a respeito no artigo 100 da Lei 13.445, a chama Lei de Migração, em vigor desde 24 de novembro de 2017.

De acordo com o mencionado dispositivo legal, "nas hipóteses em que couber solicitação de extradição executória, a autoridade competente poderá solicitar ou autorizar a transferência de execução de pena, desde que observado o princípio do non bis in idem".

Por outro lado, inadmitindo essa possibilidade, o professor Valério Mazzuoli [2] argumentou que o artigo 5º, LI, da Constituição Federal, veda a extradição de brasileiro nato, ao preceituar que "nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado…".

De acordo com esta última interpretação, não sendo possível a extradição de brasileiro nato, não se pode falar na aplicabilidade do artigo 100 da Lei de Migração, que admite a execução da pena estipulada em sentença estrangeira em território nacional apenas "nas hipóteses em que couber solicitação de extradição executória".

De fato, ainda que o artigo 100, parágrafo único, I, da Lei de Migração admita a transferência da execução da pena estabelecida em sentença estrangeira, o que equivaleria à possibilidade de se executar a pena privativa de liberdade em território nacional, quando "o condenado em território estrangeiro for nacional", é certo que esse dispositivo deve ser lido de modo a se alcançar apenas o brasileiro naturalizado, não o brasileiro nato, que não pode ser extraditado e, por isso, está a salvo do alcance das disposições do artigo 100, caput, da mesma lei.

Mas, além desse relevante e intransponível óbice levantado pelo professor Valério Mazzuoli, outro argumento, a nosso ver, impede, igualmente, no "caso Robinho", a execução da pena privativa de liberdade da sentença estrangeira com base na Lei de Migração.

Com efeito, a Lei de Migração entrou em vigor após a prática do crime pelo qual o jogador foi condenado em solo italiano.

Tratando-se de lei que não beneficia o réu, inadmissível seria a sua retroatividade para alcançar fato anterior (artigo 5º, XL, da Constituição Federal).

O Supremo Tribunal Federal já decidiu enfaticamente a respeito, concluindo que "o princípio da retroatividade da 'Lex mitior', que alberga o princípio da irretroatividade de lei mais grave, aplica-se ao processo de execução penal…" (HC 68416, 2ª Turma, relator: ministro Paulo Brossard, DJ 30/10/1992).

Nesse sentido também, decidiu a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do AgRg no HC nº 631.410/SP (relator ministro Rogério Schietti Cruz, DJe 9/3/2021), que "nas disposições sobre a execução das sanções criminais" o julgador deve obedecer "ao princípio da legalidade e a retroatividade da lei penal mais benéfica".

Entretanto, a despeito da impossibilidade de se executar, pelas razões acima expostas, a pena privativa de liberdade no Brasil com base na Lei de Migração, o Código Penal admite a execução da sentença estrangeira para outros fins.

Alguns deles, expressamente elencados no artigo 9º, I, do Código Penal, segundo o qual a sentença estrangeira, quando a aplicação da lei brasileira produz na espécie as mesmas consequências, pode ser homologada no Brasil para obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e outros efeitos civis.

A homologação da sentença em casos tais depende de pedido da parte interessada (artigo 9º, parágrafo único, I, do CP), que deve ser dirigido ao Superior Tribunal de Justiça (artigo 105, I, da Constituição Federal) e observar o procedimento previsto na Resolução nº 9/2005 daquela corte, não cabendo pedido de auxílio direto (STF, 1ª Turma, HC 105.905, relator ministro Marco Aurélio, DJ 17/11/2011).

Cumpre dizer, por fim, que, apesar da impossibilidade de brasileiro nato cumprir, com base nas disposições da Lei de Migração, pena privativa de liberdade por crime praticado no exterior, o artigo 7º, II, "b", do Código Penal, estatui que os crimes praticados por brasileiro, embora cometidos no estrangeiro, ficam sujeitos à lei brasileira, de maneira que o Ministério Público brasileiro pode, se assim entender, oferecer denúncia contra o jogador, que terá direito à ampla defesa, nos termos da lei brasileira, independentemente do processo e da condenação já sofrida no exterior [3].

 


[1] Em sua página pessoal no Twitter.

[2] Também em sua página pessoal no Twitter.

[3] A competência em casos tais, nos termos do artigo 88 do Código de Processo Penal, é do juízo da capital do estado onde houver por último residido o acusado.

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