Opinião

As discussões sobrestadas sobre SAT/RAT não terminaram

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23 de janeiro de 2022, 12h17

No final de 2021, o Supremo Tribunal Federal finalizou a discussão sobre a constitucionalidade do Fator Acidentário de Prevenção (FAP) e sobre a possibilidade de fixação da alíquota do Seguro Acidente do Trabalho/Risco Acidente do Trabalho (SAT/RAT), com base no índice do FAP, ao julgar, em sede de repercussão geral, o Recurso Extraordinário nº 677.725, em conjunto com a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.397. O julgamento, finalizado no dia 10 de novembro, fixou a tese de que "o Fator Acidentário de Prevenção (FAP), previsto no artigo 10 da Lei nº 10.666/2003, nos moldes do regulamento promovido pelo Decreto 3.048/99 (RPS) atende ao princípio da legalidade tributária (artigo 150, I, CRFB/88)”.

O FAP foi instituído pelo artigo 10 da Lei nº 10.666/2003, visando a estimular a prevenção e melhoria das condições do ambiente de trabalho, e consiste num índice multiplicador do RAT, que varia entre 0,5 e 2. O cálculo do FAP foi regulamentado pelo Decreto nº 6.042/07, posteriormente alterado, que incluiu o artigo 202-A no Decerto nº 3.048/99 (Regulamento da Previdência Social), e se baseia nos registros de cada empresa, levando em conta a frequência e a gravidade dos acidentes de trabalho, além do custo dos benefícios por afastamento cobertos pelo INSS, entre outros parâmetros.

A ADI 4.397, proposta pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), questionava, sob a luz do princípio da legalidade, a impossibilidade da majoração da alíquota da contribuição ao RAT se dar por decreto, uma vez que a Lei nº 8.212/91 teria delegado à regulamentação (por meio de decretos) apenas a definição dos conceitos de "atividade preponderante" e "grau de risco".

O RE 677.725 (Tema 554 da repercussão geral), por sua vez, foi afetado para análise da fixação de alíquota da contribuição ao RAT a partir de parâmetros estabelecidos por regulamentação do Conselho Nacional de Previdência Social.

O STF decidiu pela constitucionalidade do FAP, de modo que o Plenário fixou entendimento de que não há ofensa ao princípio da legalidade a regulamentação se dar via decreto. O ministro Dias Toffoli, relator da ADI, conforme voto disponibilizado no site do STF durante o julgamento virtual, considerou que esse mecanismo funciona como estímulo para evitar acidentes, reforçando que o efeito prático dessa metodologia contribui para diminuição dos acidentes de trabalho o que atende ao princípio da prevenção. Dias Toffoli foi acompanhado integralmente pelos ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Roberto Barroso.

Nos termos dos votos disponibilizados no site durante o julgamento virtual, a flexibilização da legalidade tributária encontra respaldo na otimização da função extrafiscal da exação, que está ligada à delegação ao regulamento de matérias intimamente relacionadas com questões técnicas e fáticas.

O ministro Luiz Fux, relator do RE, também seguiu pelo mesmo sentindo, arguindo que "inexiste afronta aos princípios da transparência, da moralidade administrativa e da publicidade, pois o FAP utiliza índices que são de conhecimento de cada contribuinte, que estão à disposição junto à Previdência Social, sujeitos à impugnação administrativa com efeito suspensivo nas esferas próprias"¸ conforme consta no voto disponibilizado no site do STF. Fux foi acompanhado integralmente pelos ministros Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barros.

Embora o STF tenha "definido" a tese, a discussão sobre o RAT e o FAP está, a nosso ver, longe de terminar. Isso porque todos os processos judiciais que, de certa maneira, discutiam sobre o RAT foram sobrestados pelo Tema 554. No entanto, nem todas as discussões sobrestadas estão relacionadas à discussão sobre a constitucionalidade do índice FAP e a aplicação irrestrita dessa tese poderá prejudicar os contribuintes.

O julgamento mencionado não analisou, por exemplo, a majoração das alíquotas do RAT prevista no Anexo V do Decreto nº 3.048/99, pelo Decreto nº 6.042/2007 e, posteriormente, pelos Decretos nºs 6.957/09 e 10.410/20.

Tais decretos extrapolaram seu poder regulamentador ao alterar o Anexo V do Decreto nº 3.048/99, aumentando a alíquota de RAT para diversas atividades, sem cumprir os requisitos previstos na Lei nº 8.212/91. A legislação é clara ao prever que a alteração do enquadramento de empresas para fins de RAT somente poderia ocorrer com base nas estatísticas de acidentes do trabalho.

Deve ser destacado o fato de que a Lei nº 8.212/91 não delegou de forma plena a competência para o Poder Executivo, mas a condicionou ao cumprimento de determinados requisitos, como o de que o reenquadramento do grau de risco das atividades viesse acompanhado de estudos e estatísticas sobre acidentes do trabalho. Esse ponto não foi analisado pelo STF, mas tão somente a metodologia do cálculo do FAP.

Além da questão acima mencionada, os contribuintes também podem questionar individualmente seu enquadramento no RAT, desde que comprovem que a atividade exercida não corresponde ao grau de risco previsto na legislação.

A presunção de que há desacertos acerca do enquadramento do grau de risco das pessoas jurídicas não é singular entre os contribuintes e permanece vigente no Judiciário, de maneira que as empresas, exigindo revisão dos critérios adotados pela Administração Pública, buscam a restituição do tributo pago indevidamente nos últimos cinco anos.

Com relação ao FAP, os contribuintes podem contestar administrativamente e judicialmente a metodologia de cálculo do índice, uma vez que é comum encontrar falhas e incoerências no cálculo. Esse é o caso, por exemplo, das empresas que observam majoração do seu índice em virtude de acidentes de trajeto, que não deveriam ser contabilizados para fixação do fator, ou mesmo de benefícios previdenciários concedidos ao empregado, mas que não tem qualquer relação com o trabalho exercido.

Embora o STF tenha encerrado uma importante discussão definindo a constitucionalidade do índice FAP para definição da alíquota final do RAT, é preciso que os contribuintes e os tribunais se atentem para que a decisão não seja aplicada de forma incondicional aos casos que discutem a metodologia do cálculo do índice anual do FAP ou a inconstitucionalidade da majoração do grau de risco das atividades econômicas para fins de recolhimento do RAT. A figura do distinguishment deverá ser observada com muito critério e atenção pelos julgadores. Esperamos que decisões padronizadas não passem por cima das diferenças e sepultem injustamente discussões que ainda estão muito vivas!

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