Opinião

OAB-CE promove retrocesso no processo de escolha do quinto constitucional

Autor

  • Luiz Sávio Aguiar Lima

    é sócio-proprietário do escritório Costa & Aguiar Advogados Associados pós-graduado em Direito e Gestão Tributária mestre em Direito Constitucional ex-presidente da Caixa de Assistência dos Advogados do Ceará (Caace) professor do Centro Universitário Christus (Unichristus) professor de pós-graduação na Escola de Direito da Unifor e auditor do Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol no estado do Ceará.

18 de janeiro de 2022, 9h12

O processo de escolha do quinto constitucional na advocacia cearense era feito, até a última quinta-feira (13/1), da forma mais democrática possível: tendo como primeira etapa a escolha de 12 nomes em forma de consulta à classe, entre os candidatos, para submetê-los ao conselho estadual, fixando este uma lista sêxtupla para, então, encaminhar ao Tribunal de Justiça. A corte estadual reduz a três candidatos e, em forma de lista tríplice, encaminha para a escolha pelo governador.

Como dito, isso até a última quinta-feira, quando a advocacia do estado do Ceará foi surpreendida com um ato de grande retrocesso promovido pela OAB-CE. Em sessão extraordinária, os diretores, as conselheiras e conselheiros seccionais em seu primeiro ato de gestão, por aclamação, retiraram o direito já consagrado da advocacia cearense de votar nas listas de escolhas para preenchimento das vagas para desembargador pelo quinto constitucional.

Seria possível, justamente na casa da democracia, a OAB-CE, instituir esse grande retrocesso no processo democrático de escolha do quinto constitucional? Poderia a advocacia ter seus direitos cerceados, excluídos, de forma tão abrupta, inclusive sem consulta ou participação dos mais de 46 mil advogados inscritos nos quadros da Ordem cearense?

Ancorado em Paulo Bonavides e suas novas dimensões dos direitos fundamentais, ligados aos ideais de paz e pluralismo [1], o sufrágio universal é um desses direitos de quarta dimensão, sendo o exercício do voto a expressão — ou concretização — máxima desse direito. Para Rawls (2008, p. 376), "cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema total de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema similar de liberdades para todos" [2].

Nesse ponto, a retirada do direito ao voto do advogado cearense caracteriza um retrocesso no processo democrático interno da instituição. A Constituição, a seu turno, veda o retrocesso em matérias de direitos fundamentais.

O STF teve oportunidade de se debruçar sobre o tema — especificamente sobre o princípio da proibição de retrocesso no âmbito eleitoral — e entendeu "inconstitucional a redução arbitrária do grau de concretização legislativa de um direito fundamental".

No caso concreto, a decisão da OAB-CE vai de encontro ao que fora defendido em campanha eleitoral pelos advogados que hoje fazem parte dos quadros diretivos, cuja promessa para a classe era a de realização de consulta a toda a base da advocacia para preenchimento das listas de quinto constitucional.

Os princípios democráticos — e de integridade eleitoral e de gestão — não comungam com a decisão tomada pelo Conselho Estadual da OAB-CE, configurando retrocesso nos direitos fundamentais da advocacia cearense, que não pode, nem deve, permitir que se espanque um direito seu, incorporado ao plexo subjetivo e consagrado nos últimos anos, qual seja, o de ser ouvida na escolha daqueles ou daquelas que ocuparão as vagas de desembargador oriundos do quinto constitucional.

Nunca é demais lembrar que o quinto constitucional representa outra faceta da democracia: aquela realizada no âmbito dos tribunais. São o olhar e as ideias de profissionais que viveram as experiências da advocacia, que carregam consigo o ouvir, sentir e ver os gargalos do Poder Judiciário a partir da perspectiva do advogado, que, como já asseverado pela CF/88, é indispensável ao bom funcionamento da Justiça. O quinto constitucional representa um arejamento de ideias, com novas práticas e traços dos que por muito tempo estiveram "do lado de cá do balcão".

A medida ora tomada pelo conselho seccional, além de abrupta, foi violentadora de expectativas, atentou contra uma classe que teve seu direito de ser ouvida alijado, de forma totalmente unilateral foi cerceado o direito de votar em quem, no entender dos advogados e advogadas, é o melhor ou a melhor representante da advocacia para as vagas do quinto constitucional.

Assim, a boa prática democrática impõe que a advocacia cearense inste a OAB-CE a trazer a temática para uma ampla discussão, amplificando o debate por meio de consulta à classe, por exemplo, a fim de saber se as alterações no processo de escolha do quinto constitucional é medida que atende aos seus anseios.

Em tempos tão estranhos, de ameaças à democracia e às instituições nacionais, a OAB-CE é — ou deveria ser — o porto e o farol não só da advocacia, mas também da sociedade, e a medida ora tomada, além de enfraquecer o processo, também acaba fragilizando e põe em cheque a própria instituição, esvaziando a força de seu discurso perante a nação, pois apresenta incoerência entre o atuar "da porta pra fora" e o agir "da porta pra dentro".

 


[1] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 514-528.

[2] RAWLS, John. Uma teoria da justiça. 3ª ed. Tradução Jussara Simões. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

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  • é sócio-proprietário do escritório Costa & Aguiar Advogados Associados, pós-graduado em Direito e Gestão Tributária, mestre em Direito Constitucional, ex-presidente da Caixa de Assistência dos Advogados do Ceará (Caace), professor do Centro Universitário Christus (Unichristus), professor de pós-graduação na Escola de Direito da Unifor e auditor do Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol no estado do Ceará.

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