Opinião

O Judiciário que queremos: intercâmbio profissional não é pacote de viagem

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12 de janeiro de 2022, 18h09

As instituições alemãs de ensino superior são mundialmente reconhecidas pela elevada qualidade dos professores, do ensino e da pesquisa. Lá, um docente só é estimulado a se candidatar a um cargo mais elevado na carreira caso se remova para outra universidade. Regra que tem como objetivo sublime viabilizar a necessária circulação de ideias e de boas práticas na academia alemã. Um conhecimento científico e profissional que não circula morre por asfixia.

Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução 441, que proporciona o intercâmbio profissional no âmbito da Justiça brasileira. Uma novidade no Poder Judiciário, mas já conhecida pela iniciativa privada, que, de longa data, faz uso de secondments e intercâmbios profissionais. No serviço público, tais experiências também são realidade e se materializam das mais diversas formas. Nas polícias e no Ministério Público, são comuns treinamentos, investigações e operações conjuntas de longa duração, inclusive em parceria com instituições estrangeiras.

Em linhas gerais, a nova resolução permite que um tribunal autorize um magistrado a atuar profissionalmente em outro, do mesmo ramo e especialidade, por um período máximo de seis meses. Mas com qual objetivo? Aprimoramento, capacitação e troca de boas práticas entre os juízes com especialização, a fim de que os usuários da Justiça possam se beneficiar da experiência.

Se o juiz já era especializado em um tema no tribunal de origem, o que ele vai aprender no novo local? Por mais que a matéria seja a mesma, cada juiz desenvolve suas técnicas, sua metodologia e sua gestão. O intercâmbio criado tem, assim, o elevado objetivo de que todos saibam a melhor forma de se fazer aquilo que deve ser bem feito. O juiz que tenha sólidos conhecimentos em uma matéria poderá receber colegas de outras localidades para que aprendam, na prática (hands on experience), a maneira mais eficiente de atuar com aquele tema.

Mas as leis, como a Loman, proíbem essa prática? Não há previsão legal nem constitucional que proíba o Poder Judiciário de incentivar o aprimoramento profissional de seus magistrados por meio de intercâmbio profissional. Ao revés, o princípio constitucional da eficiência, que é um dos princípios basilares da Administração Pública brasileira, fundamenta a iniciativa. Demais disso, o CNJ já foi autorizado pelo Supremo Tribunal Federal a editar atos para a concretude do texto constitucional. Foi assim, por exemplo, com a proibição da contratação de parentes que, mesmo na ausência de lei, tornou-se proibida com amparo no princípio da juridicidade administrativa. Referido princípio, aliás, veio em boa hora para assumir o protagonismo da legalidade estrita dos anos 1990.

Em relação à autonomia dos tribunais, nada é arranhado, pois o intercâmbio dependerá exclusivamente da vontade dos tribunais envolvidos. Nada é forçado, nada é imposto. E a resolução ainda proíbe expressamente o pagamento de qualquer valor ao juiz em razão da adesão ao programa.

A novidade também não viola o princípio do juiz natural. É que a atuação do juiz no novo local será formalizada por um ato do tribunal que o receber e, partir de então, ele será inamovível do juízo e só poderá julgar processos novos. Não podemos confundir a pessoa do juiz com o juízo para o qual o processo é distribuído. Ninguém tem o direito de escolher o juiz do seu processo, mas apenas o de exigir a distribuição da ação para o juízo previsto, o que, aliás, é plenamente observado pelo programa instituído.

Para termos um Poder Judiciário que queremos, ele terá de ser eficiente e utilizar o que há de mais moderno em gestão de pessoal. Um Poder Judiciário que entrega resultados e adota boas práticas de gestão é o mínimo que a sociedade espera, que a Constituição da República exige e o que o Conselho Nacional de Justiça deve incentivar.

Autores

  • é juiz federal da 2ª Região, professor associado de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), doutor em Direito Público pela UERJ, KZS pela Universidade de Heidelberg-Alemanha, secretário-geral do CNJ.

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