Opinião

A necessidade de validação da colaboração premiada face a incompetência do juízo

Autor

  • Fernanda Pereira da Silva Machado

    é advogada professora universitária mestranda em Direito Econômico e Desenvolvimento pelo IDP pós-graduada em Inteligência Aplicada e Investigação Criminal e em Direito Penal Econômico e Criminalidade Complexa membro da Comissão de Investigação Defensiva e da Comissão de Enfrentamento contra a Violência a Advogados da OAB-RJ e do Instituto de Prerrogativas e Garantias Individuais (IPGI).

6 de janeiro de 2022, 6h03

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento sobre os limites da competência da 13ª Vara Federal de Curitiba em dois casos emblemáticos: o HC 193.726 (Lula), julgado pelo Plenário em 23/6/2021, e a Reclamatória 36.542 (Guido Mantega), julgada pela 2ª Turma em 20/4/2021; em ambas reconhecendo o abuso na atração da competência dos casos da "lava jato" para a 13ª Vara Federal de Curitiba.

No mesmo sentido, o STF decidiu pela incompetência da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro na "lava jato" carioca, no HC 203.261, determinando a livre distribuição na Justiça federal em relação às ações penais relativas às operações "fatura exposta", "ressonância" e "operação S.O.S", em que o juiz competente, nos termos do artigo 567 do CPP, deverá decidir sobre a convalidação, ou não, dos atos decisórios.

O TRF-2, após as decisões do STF, já decidiu em três casos pela incompetência do juízo da 7ª Vara Criminal Federal, cuja conexão se firmava pela colaboração decorrente de operações conexas à "lava lato", mas que nada possuem de conexão, como o caso das ações penais decorrente das operações "favorito", "unfair play" e "mascate".

Segundo o artigo 567, CPP, a incompetência do juízo anula somente os atos decisórios, e nessa linha é importante destacar que inúmeras colaborações premiadas foram celebradas em decorrência dessas ações penais, e com cláusula expressa de que "está sendo processado pelo cometimento de crimes de pertencimento à organização criminosa, evasão de divisa e lavagem de dinheiro, dentre outros ( da ação penal referida e conexa), e poderá ser investigado por outros fatos citados nos anexos que instruem o presente acordo".

Nesse sentido, o reconhecimento da incompetência do Juízo da 7ª Vara Criminal do Rio de Janeiro para as ações citadas e a anulação dos atos decisórios do mesmo também anulam as homologações das colaborações celebradas até a data em que foi reconhecida a incompetência do juiz.

Dessa forma, necessário se faz encaminhar todas as colaborações conexas a essas ações penais à livre distribuição, para que o juiz competente possa homologá-las, de acordo com a Lei 12.850/2013 e suas alterações com o "pacote anticrime".

A participação do juiz no acordo de colaboração tão somente se dá no ato decisório da homologação do acordo, e justamente para que se mantenha a imparcialidade na homologação, sendo necessário que o magistrado verifique a regularidade, a legalidade e a voluntariedade do colaborador, e para isso é necessário ouvi-lo na presença do seu defensor, antes da homologação do acordo.

A nova redação do §7º do artigo 4º da Lei 12.850/2013 estabelece que os autos serão enviados ao juiz para, antes de homologar o acordo de colaboração, analisar o respectivo termo, as declarações do colaborador e cópia da investigação, devendo ouvir sigilosamente o colaborador, acompanhado de seu defensor, oportunidade em que analisará a regularidade e legalidade, adequação dos benefícios e penalidades, a voluntariedade, especialmente nos casos em que o colaborador esteve ou está sob efeitos de medidas cautelares.

Muitos juízes entendem que antes da Lei nº 13.964, de 2019, que tornou obrigatória a audiência sigilosa do juiz com o colaborador, prevista no §7º do artigo 4º, a audiência preliminar era facultativa, o que dava ao juiz a larga interpretação de legalidade, regularidade e voluntariedade do acordo tão somente pela leitura do acordo.

Todavia, com a entrada em vigor da Lei 13.964/2019, e declarada a incompetência do juízo da 7ª Vara Federal, é necessário que também haja novo ato decisório de homologação, e, mais que isso, especialmente nos casos em que o colaborador esteve sob efeitos de medidas cautelares, seja ouvido pelo juiz competente, oportunidade em que o magistrado analisará a regularidade e legalidade, adequação dos benefícios e penalidades, a voluntariedade.

O juiz não pode extrair de sua convicção que a voluntariedade do réu em colaborar se extrai da sua assinatura e do seu patrono, a vontade e a voluntariedade devem ser ditas expressamente pelo colaborador ao juiz.

A audiência para ouvir sigilosamente o colaborador possui a finalidade de evitar indevidas pressões e coações ao delator, possibilitando o controle efetivo da regularidade do acordo e de seus termos, e o pretenso colaborador ser questionado novamente acerca de sua conformidade expressa com o acordo.

O ato de dizer a vontade e a voluntariedade é um direito personalíssimo do colaborador!

O direito personalíssimo, amparado pelo Código Civil, possui como característica a intransmissibilidade, a irrenunciabilidade e a indisponibilidade, sendo perfeitamente cabível novo ato decisório de homologação, vez que quando foram celebrados certos acordos de colaboração os colaboradores tiveram tolhidos seu direito personalíssimo.

Por fim, conclui-se que o artigo 567 do CPP também abrange os atos conexos às ações penais, em que a incompetência do juízo da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro, ou seja, a homologação dos acordos de colaboração celebrados em decorrência das mesmas e distribuídos ao juízo por conexão, cabendo ao novo juiz competente cumprir a regra do §7º do artigo 4º da Lei 12.850/2013.

Autores

  • é advogada, professora universitária, mestranda em Direito Econômico e Desenvolvimento pelo IDP e pós-graduada em Inteligência Aplicada e Investigação Criminal pela Femperj-MP e em Criminalidade Complexa e Direito Penal Econômico pelo IBMEC.

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