Opinião

Os efeitos da crise da Covid-19 no índice de reajuste do valor locatício

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3 de janeiro de 2022, 13h41

Transcorridos quase dois anos do início da pandemia da Covid-19, uma importante questão ainda permeia diariamente o Poder Judiciário: a possibilidade ou não da alteração do índice do reajuste do valor pago a título de aluguel.

Por praxe, o mercado imobiliário brasileiro adota, em contratos de locação, o reajuste pelo Índice Geral de Preços-Mercado, divulgado pela Fundação Getúlio Vargas (o IGP-M).

Ocorre que referido índice, embora sempre tenha sido considerado um hábil balizador para a inflação brasileira, sofreu um grande aumento, em especial em virtude da sua suscetibilidade ao cenário internacional e da desvalorização da moeda brasileira.

A critério exemplificativo, o IGP-M acumulado nos 11 primeiros meses de 2021 foi de 16,77%, ao passo que outro índice comumente utilizado para calcular a inflação, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (o IPCA), indicou a variação de 9,26% no mesmo período.

No mês de maio do ano passado, o percentual acumulado do IGP-M em 12 meses chegou a 37,04%, contra 8,06% do IPCA no mesmo período.

Soma-se a isso o fato de a economia interna estar seriamente abalada, também por conta dos efeitos da pandemia.

Nesse cenário, inúmeros foram os locatários que ingressaram com ações requerendo a substituição do IGP-M pelo IPCA. Inúmeros também foram os posicionamentos do Poder Judiciário sobre a questão, que variaram da posição inflexível, de cumprimento à risca do contrato firmado, ao outro extremo, de permitir a substituição do índice, mesmo em casos em que o locatário não tenha sido de sobremaneira afetado pela pandemia.

Não obstante os posicionamentos antagônicos, para os casos típicos (em que ambas as partes sofreram prejuízos na pandemia) a jurisprudência vem se consolidado no sentido de respeitar o contrato e a vontade das partes quando firmaram o contrato de locação.

Esse entendimento jurisprudencial ampara-se, essencialmente, nos seguintes argumentos: 1) o Direito brasileiro consagra a liberdade das partes na elaboração e cumprimento dos contratos, o que foi, inclusive, ratificado pela Lei Federal nº 13.874/2019, a Lei da Liberdade Econômica, pelo que decorre da inclusão do parágrafo único ao artigo 421 e do artigo 421-A ao Código Civil; 2) meras alegações de queda do faturamento não são justificativa para substituição do índice de reajuste previsto no contrato; 3) os contratantes assumem o risco da variação futura do índice do IGP-M, que pode se mostrar mais benéfica ou desvantajosa para uma das partes; e 4) não cabe ao Poder Judiciário intervenção nos contratos privados para modificar cláusulas pactuadas livremente pelos contratantes.

O que se observa na jurisprudência do TJ-SP, à luz do princípio do pacta sunt servanda e pela ótica do Direito Civil brasileiro, é a força obrigatória do estipulado pelo contrato, sobretudo quando as partes, livremente, à época da contratação, escolhem o índice de correção monetária a ser utilizado no contrato, concordando com o risco da variação, frisa-se, natural.

Em tribunais de outros estados, o entendimento que se firma é o mesmo. A 5ª Turma Cível do TJ-DF concluiu pela intervenção mínima do Poder Judiciário em atividades econômicas, considerando que as partes assumiram os riscos ao estipularem a utilização do IGP-M. No Tribunal do Rio Grande do Sul também há decisões indeferindo a substituição do IGP-M pelo IPCA, em contrato de locação comercial.

Em sentido contrário, a substituição do índice foi concedida provisoriamente em alguns casos, com o fundamento de que o IPCA se tornou mais condizente com a realidade econômica  limitando-se, contudo, ao período da pandemia.

Objetivando criar um precedente em controle concentrado de constitucionalidade, o Partido Social Democrata (PSD), em conjunto com um grupo de lojistas, ajuizou uma ação no STF, a ADPF 869, a fim de que os contratos, sejam residenciais, sejam não residenciais, utilizem o IPCA em substituição ao IGP-M, mesmo que seja este índice previsto no contrato, de modo que as decisões que determinaram a aplicação do IGP-M sejam consideradas ilegítimas. A arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) ainda está pendente de julgamento, que deve ocorrer em 2022, contando, porém, com pareceres desfavoráveis da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral da República.

Embora o entendimento não seja ainda pacificado, a maioria das recentes decisões indeferiu os pedidos de substituição do IGP-M por outro como o IPCA. Nesse sentido, meras alegações de baixo faturamento pelos locatários, principalmente após o período de pandemia em 2020, não são consideradas justificativas para a concessão de substituição do índice previsto no contrato, de modo que prevalece a utilização do índice livremente escolhido entre as partes.

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