Opinião

A questão de gênero no julgamento do Imposto de Renda sobre alimentos

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25 de fevereiro de 2022, 7h13

O STF formou maioria no julgamento da ADI nº 5.422 entendendo que é inconstitucional a incidência do Imposto de Renda sobre pensão alimentícia, mas o tema ainda não está totalmente definido pois houve pedido de destaque do ministro Gilmar Mendes.

A reflexão aqui proposta é levantada a partir do voto do ministro Roberto Barroso, que trouxe a perspectiva de gênero em relação à matéria.

Um dado importante a ser considerado na interpretação das normas é que a guarda do(s) filho(s), via de regra, é atribuída à mulher. A legislação questionada na ADI prevê a incidência do Imposto de Renda sobre valores recebidos a título de pensão alimentícia. Se na maioria dos casos a guarda é da mãe, será na sua declaração que constarão os valores da pensão e, sobre eles, somados aos seus próprios rendimentos ou salário, se houverem, incidirá a alíquota do Imposto de Renda de Pessoa Física, podendo causar impacto relevante, tendo em vista a progressividade do IRPF. Como se vê, na maioria dos casos, quem pagará o tributo em questão será a mulher.

A Constituição é o resultado das aspirações de um povo e traduz o modo peculiar que esse povo escolheu para viver em sociedade. No caso do Brasil, a Constituição Federal de 1988 assegura os direitos fundamentais, tanto em sua eficácia horizontal quanto vertical, e prevê, já no seu artigo 1º, a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado democrático de Direito. No preâmbulo, sinaliza a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade sem preconceitos e preconiza essa igualdade e a vedação à discriminação, como nos artigos 3º, 5º, 7º e 227.

O Supremo Tribunal Federal é o guardião da nossa Constituição. O ministro Roberto Barroso, em seu voto, nesse caso, no que diz respeito às questões de gênero, aplica o chamado constitucionalismo feminista.

Do que se trata? É um método que se propõe a interpretar a estrutura normativa investigando se há um viés de gênero presente na norma e, caso diagnosticada sua presença, então que essas questões de gênero sejam ponderadas na reflexão jurídica e na aplicação da norma. Esse é o método que o constitucionalismo feminista se propõe a aplicar não de forma isolada, mas em conjunto com os outros métodos disponíveis.

Através do método feminista, é possível descortinar verdades sociais diferentes, até então silenciadas. Ao aplicá-lo, o ministro Roberto Barroso mostra que o Supremo Tribunal Federal está aberto às novas inscrições que o feminismo vem realizando em prol da evolução do espírito social.

Na prática, a tributação do Imposto de Renda sobre esses valores é, além de inconstitucional, já que não há acréscimo patrimonial algum por parte do alimentante, também injusta, pois o genitor pode deduzir do imposto o montante pago para subsistência do(s) filho(s), mas a mulher, responsável pela criança ou adolescente, vai arcar com o ônus tributário. Os valores da pensão serão somados ao seu salário, impactando sua situação fiscal.

A discrepância no tratamento tributário é indiscutível. O pai deduz (na maioria dos casos é ele o devedor dos alimentos) e a mãe é onerada. É… A vida das mulheres não é nada fácil! Trabalham (ótimo!), mas ganham menos em comparação aos homens, cuidam muito mais da casa e, na maioria dos casos dos divórcios, os filhos ficam sob sua guarda. Ainda por cima recebem essa desigualdade de gênero na tributação referente à pensão alimentícia cujos valores sequer seriam para mulher, mas, sim, para atender às necessidades básicas da criança ou do adolescente.

Na construção de uma sociedade igualitária, como preconiza a Constituição, é preciso introduzir a perspectiva da mulher na interpretação das normas.

Aguardamos o desfecho final pelo Supremo Tribunal Federal, torcendo para que ele não amorteça a questão modulando os efeitos da sua decisão, pois nessa hipótese o enriquecimento injustificado da União Federal permaneceria em relação aos fatos pretéritos e a mulher não receberia o que pagou indevidamente.

Autores

  • é advogada em Brasília do escritório Marcelo Leal Advogados Associados, doutoranda em Direito no UNICEUB, mestra em direito pela UFRGS, especialista em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas em Porto Alegre e em Direito Empresarial pela UFRGS.

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