Opinião

Não vacinar os seus filhos é crime?

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19 de fevereiro de 2022, 6h03

A vacinação contra a epidemia da Covid-19 tem sido, ao longo dos últimos dois anos, tema de muitos debates sobre liberdades fundamentais e a possível prevalência do direito da coletividade à saúde sobre interesses individuais, sejam relacionados à própria escolha pela adoção ou não do esquema vacinal, sejam relacionados ao pleno exercício do direito de propriedade e da liberdade de locomoção. Nesse sentido, há desde discussões isoladas sobre a exigência de comprovação da vacinação em condomínios residenciais até medidas judiciais que buscam evitar a obrigatoriedade da imunização como requisito para a entrada em colégios e universidades ou para o exercício de profissões.

A 26ª Vara Federal do Rio de Janeiro, por exemplo, negou Habeas Corpus impetrado por mãe que buscava garantir o acesso de sua filha menor ao colégio sem a submissão à vacinação. Na decisão, publicada no último dia 3, a magistrada adotou posicionamento do Supremo Tribunal Federal (ADIs 6.586 e 6.587) que, não obstante excluísse expressamente qualquer hipótese de vacinação forçada, entendeu pela constitucionalidade da previsão de vacinação compulsória da Lei nº 13.979/2020 e pela legitimidade de medidas indiretas de coerção, tais como a "restrição de acesso a lugar e estabelecimentos, inclusive educacionais". Poucos dias depois, no dia 8, vários meios de comunicação noticiaram que a Justiça do Paraná indeferiu pedido semelhante formulado por estudante de Direito da Universidade Estadual de Maringá, concluindo pela legalidade da exigência de passaporte vacinal para a frequência de alunos e de funcionários ao campus.

Com o início da campanha de vacinação de crianças brasileiras, no início deste ano, os debates sobre a obrigatoriedade da imunização foram alçados ao âmbito criminal. Até este mês de fevereiro, vários estados brasileiros já vacinavam crianças de cinco ou mais anos com as doses específicas para cada idade, seguindo as recomendações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e da Organização Mundial de Saúde (OMS). Contudo, por diversos motivos, seja em razão de nova onda pandêmica da denominada variante ômicron  que não seria integralmente afetada pelas vacinas difundidas até então , seja pela adesão a correntes ideológicas que desestimulam a vacinação em geral ou pelo medo de efeitos colaterais e sequelas, acabou se tornando uma realidade que algumas famílias optassem por não vacinar menores de idade.

Independentemente do mérito da questão, o artigo 14, §1º, da Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) estabelece como "obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias". O referido dispositivo encontra respaldo na Constituição Federal, que afasta a autonomia absoluta da família em decisões dessa natureza ao estabelecer, no artigo 227, que é "dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito (…) à saúde".

Com isso, permite-se o seguinte questionamento: se ao Estado cabe o dever de zelar pela saúde de crianças, adolescentes e jovens, e se hoje é obrigatória por lei a vacinação, os pais que não vacinarem seus filhos contra a atual pandemia podem incorrer em crime?

Segundo o Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça, sim. Na Nota Técnica Conjunta nº 02/2022, de 26/1/2022, a instituição concluiu, amparada nos mencionados precedentes do STF, pela possível configuração do artigo 268 do Código Penal (infração de medida sanitária preventiva), desde que "esgotada a atuação no âmbito administrativo e civil, como última medida a compelir os pais e os (as) responsáveis a cumprir a determinação de vacinação de seus (suas) filhos (as)". Segundo o documento, portanto, seria aplicável, antes da imputação de um crime, a aplicação da multa do artigo 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente, cabível quando do descumprimento de deveres inerentes ao poder familiar.

Além do delito mencionado na nota técnica e nos acórdãos do STF, não se pode ignorar a possibilidade de os pais também responderem por possíveis danos causados em contaminação que pudesse ser evitada ou minorada pelo "imunizante". Nesse caso, também não poderia ser absolutamente descartada a acusação, em tese, pelos crimes de lesão corporal ou homicídio, aplicáveis com a demonstração de dolo ou culpa e da efetiva relação de causalidade entre a negativa dos pais em submeter seus filhos à vacinação e a lesão sofrida pela criança.

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