Opinião

ADI nº 4.980/DF: um teste à jurisprudência penal-tributária do STF

Autores

  • Robson Maia Lins

    é advogado consultor e parecerista na área tributária conselheiro da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação (CNE) membro do Conselho Superior de Direito da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP) membro do conselho consultivo do Instituto Potiguar de Direito Tributário (IPDT) professor dos programas de graduação e pós-graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) professor do Mestrado do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) professor Conferencista da Especialização do Ibet doutor em Direito Tributário na PUC-SP. mestre em Direito Tributário na PUC-SP e graduado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

  • Pablo Gurgel Fernandes

    é advogado com atuação na área tributária membro do comitê jurídico da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down (Fbasd) diretor-auxiliar do IPDT professor assistente no mestrado em Direito Tributário do Ibet orientador de monografias e professor seminarista do curso de especialização em Direito Tributário do Ibet doutorando em Direito Tributário na PUC-SP mestre em Direito Tributário pela PUC-SP especialista em Direito Tributário pelo Ibet e graduado pela UFRN.

16 de fevereiro de 2022, 10h44

Como se expressou nas últimas semanas em veículos especializados de comunicação jurídica, a pauta plenária do Supremo Tribunal Federal deste semestre incluiu processo que trouxe certa apreensão àqueles que militam no âmbito do Direito Penal-Tributário.

A saber, a previsão é que o Tribunal Pleno de nossa Corte Constitucional, no dia 10 de março, inicie o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4.980/DF, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) para questionar a constitucionalidade do artigo 83, caput, da Lei nº 9.430/1996, com a redação dada pela Lei nº 12.350/2010, in verbis:

"Artigo 83  A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente."

Foi por intermédio da Medida Provisória (MP) nº 497/2010, posteriormente convertida na Lei nº 12.350/2010, que se acresceu o trecho "e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos artigos 168-A e 337-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal)".

Naquilo que atinou ao novel disciplinamento da representação fiscal para fins penais, a exposição de motivos da supracitada MP afirmou a intenção de harmonizar a "legislação previdenciária com a legislação dos demais tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil", sobretudo quanto à "necessidade de esgotamento das instâncias administrativas" para seu encaminhamento ao titular da ação penal, em "consonância com o entendimento majoritário da jurisprudência do Poder Judiciário".

Através do processo objetivo em comento, deflagrado ainda em meados do ano de 2013, o Parquet postulou a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo supratranscrito, "no que se refere aos crimes formais, especialmente o de apropriação indébita previdenciária (artigo 168-A, CP)". E, em caráter subsidiário, requereu "interpretação conforme ao dispositivo para declarar que os delitos formais, sobretudo o de apropriação indébita previdenciária, consumam-se independentemente do exaurimento da esfera administrativa".

Observamos, de imediato, que nada se questionou a respeito da extensão do dever funcional de aguardar o advento da "decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente" também para o encaminhamento de representação fiscal para fins penais relativa ao crime de "sonegação de contribuição previdenciária".

Diferente, em nosso sentir, não poderia ser, quando se considera que contribuição previdenciária é tributo (truísmo necessário!) e que a capitulação do artigo 337-A do Código Penal (CP) é fundamentalmente semelhante àqueloutra tipificação estabelecida pelo artigo 1º da Lei nº 8.137/1990, para fins de aplicação analógica da Súmula Vinculante (SV) nº 24 da Corte Suprema: "Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo".

O cerne da controvérsia, por isso mesmo, voltou-se ao pretenso enquadramento do crime de apropriação indébita previdenciária na classe dos delitos formais, para cujas consumações seriam dispensáveis as existências de prévios e definitivos lançamentos tributários.

Esperamos, porém, que a jurisprudência do STF se mantenha íntegra e coerente, expectativa esta somente concretizável mediante advento do julgamento de improcedência.

Assim entendemos em virtude do desfecho de improcedência já dado por nossa Suprema Corte à ADI nº 1.571/DF, cujo caráter dúplice implicou na proclamação de constitucionalidade da redação originária do artigo 83 da Lei nº 9.430/1996.

Naqueles autos, arguiu-se que a missão constitucional do Ministério Público, concernente ao exercício da ação penal pública, não poderia "ficar dependente da iniciativa de outros órgãos ou pessoas, salvo em casos nos quais o interesse pessoal do sujeito é considerado mais relevante pelo Estado do que a exigência de repressão da conduta ilícita".

O STF, no entanto, por ampla maioria, refutou a pretensão ministerial por considerar que: a) o disposto no artigo 83 da Lei nº 9.430/1996 destinava-se exclusivamente à oferta de notitia criminis pelos órgãos da Administração Tributária, não configurando pressuposto restritivo ou condição de procedibilidade coarctadora da atuação legal do Parquet; b) o MP poderia atuar independentemente de provocação do Fisco e até mesmo se valer de outros elementos informativos para promover a ação penal pública que lhe compete privativamente (artigo 129, incisos I, VI e VIII, da CRFB/1988 c/c artigo 26, inciso I, alínea "b", da Lei nº 8.625/1993 e artigo 8º, inciso II, da Lei Complementar nº 75/1993); e c) na hipótese de crimes tributários de resultado, como aqueles definidos no artigo 1º da Lei nº 8.137/1990, o dominus litis ainda poderia ofertar denúncia independentemente de "representação tributária", "se, por outros meios, tem conhecimento do lançamento definitivo".

Ademais, ao julgar a constitucionalidade da redação originária do artigo 83 da Lei nº 9.430/1996 sem qualquer ressalva ou condição, a Corte Suprema fê-lo também, obviamente, com relação à vedação de envio da representação fiscal para fins penais atinente aos crimes contra a ordem tributária definidos no artigo 2º da Lei nº 8.137/1990, que tipifica, à exceção do inciso II (cf. RHC nº 163.334/SC), crimes formais.

Assim o sendo, a pretensão de alcançar sorte diversa para o artigo 168-A do CP significa tentativa de revisar parcialmente a decisão plenária da ADI nº 1.571/DF e para promover verdadeira quebra da isonomia jurisdicional relativamente aos delitos capitulados pelo artigo 2º da Lei nº 8.137/1990, na hipótese de se considerar a apropriação indébita previdenciária um delito formal.

Entretanto, observamos que a jurisprudência do STF de igual modo se firmou no sentido de considerar o crime de apropriação indébita previdenciária como delito material, como sintetizou, com a mestria que lhe era peculiar, o então ministro Celso de Mello, por ocasião da decisão monocrática que proferiu no Habeas Corpus nº 167.218/SP.

Na ocasião, a Defensoria Pública da União havia impetrado o writ em face de acórdão emanado do Superior Tribunal de Justiça, com o objetivo de ver extinta a punibilidade do paciente, ante a alegada consumação da prescrição penal. Todavia, o ministro Relator distinguiu tempo da prática (artigo 4º do CP) e tempo da consumação (artigo 14, inciso I, do CP) para ir ao encontro da ratio que inspirou a Súmula Vinculante nº 24 do STF e pontificar que:

"(…) O entendimento exposto pelo E. Superior Tribunal de Justiça no acórdão ora questionado — concernente à natureza material do crime de apropriação indébita previdenciária e consequente reconhecimento de que se reputam consumados os fatos delituosos sancionados pelo artigo 168-A do Código Penal, para efeito de contagem do prazo prescricional, na data em que constituído definitivamente o crédito tributário relativo à contribuição previdenciária indevidamente apropriada — tem o beneplácito da jurisprudência firmada por esta Suprema Corte em casos similares ao da presente causa" (Inq 2.537-AgR/GO, rel. min. Marco Aurélio — Inq 3.102/MG, rel. min. Gilmar Mendes).

Prosseguindo em sua fundamentação, direcionada à denegação da ordem, fez alusão a variados outros julgados que foram ao encontro da mesma conclusão (HC 92.002/SP, rel. min. CELSO DE MELLO, RHC 132.706-AgR/SP, rel. min. GILMAR MENDES, Inq 2.757/MG, rel. min. CELSO DE MELLO, HC 145.280/SP, rel. min. EDSON FACHIN, Inq 3.175/PI, rel. min. CELSO DE MELLO e HC 148.985/SP, rel. min. LUIZ FUX).

Eis os porquês de considerarmos a ADI nº 4.980/DF como verdadeiro teste à estabilidade da jurisprudência penal-tributária de nosso Supremo Tribunal Federal, que até o presente momento mantém a administração fazendária desobrigada de remeter representações fiscais para fins penais antes que o sujeito passivo tributário tenha a oportunidade de ver sua autuação mantida por órgãos notadamente especializados em matéria tributária e reconhecidamente técnicos no exercício de suas jurisdições.

 


[1] Vide arts. 129, incisos I, VI e VIII, da CRFB/1988, 26, inciso I, alínea "b", da Lei nº 8.625/1993 e 8º, inciso II, da LC nº 75/1993.

Autores

  • é advogado, consultor e parecerista na área tributária, conselheiro da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação (CNE), membro do Conselho Superior de Direito da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP), membro do Conselho Consultivo do Instituto Potiguar de Direito Tributário (IPDT), professor dos programas de graduação e pós-graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), professor do mestrado do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), professor conferencista da especialização do Ibet, doutor em Direito Tributário na PUC-SP, mestre em Direito Tributário na PUC-SP e graduado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

  • é advogado com atuação na área tributária, membro do Comitê Jurídico da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down (Fbasd), diretor-Auxiliar do IPDT, professor assistente no mestrado em Direito Tributário do Ibet, orientador de monografias e professor seminarista do curso de especialização em Direito Tributário do Ibet, doutorando em Direito Tributário na PUC-SP, mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, especialista em Direito Tributário pelo Ibet e graduado pela UFRN.

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