Opinião

Evitar a eterna judicialização em contratos de locação está ao alcance das partes

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15 de fevereiro de 2022, 21h02

Aguardar decisões judiciais infindáveis quando locador e locatário discutem o contrato em juízo é um desestímulo para investimentos em locação de imóveis, bem como muito atrapalhada àqueles que investem em imóveis para renda, especialmente para quem precisa receber o aluguel para sobreviver. 

A complexidade do processo, com suas inúmeras instâncias e possibilidades de recursos, torna o assunto interminável, fazendo com que uma quantidade significativa de proprietários e possíveis locatários prefiram nem iniciar uma negociação, simplesmente pela possibilidade de entrar num labirinto de fases batizadas por nomes que só os advogados entendem o que significam.

O fator mais surpreendente nesse sentido é que não precisa ser assim. 

Imaginemos que locador e locatário convencionem em contrato que eventual divergência sobre o contrato será julgada em instância única, que haverá o despejo para o caso de inadimplência superior a 90 dias e não haverá resistência do locatário contra a desocupação, inclusive não recorrendo da liminar que a determina. 

Desde que entrou em vigor, o artigo 190 do novo Código de Processo Civil (NCPC) estabelece a regra de que é possível incluir no contrato de locação cláusulas que estabeleçam regras para questões específicas em que as partes envolvidas concordem.

O texto diz claramente: "Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo".

Sem dúvida alguma, o artigo 190 representa um avanço da legislação brasileira no que diz respeito ao negócio processual. Porém, ao analisar dezenas de contratos todos os meses, observamos que nenhum deles faz uso dessas disposições cujas regras agregam muito para o locador e locatário nas locações. 

Há limites para a transação processual e o juiz pode revisar os abusos, especialmente em sede de matérias de ordem pública. 

Apesar de ser permitida a inserção de cláusulas, havendo disputa judicial caberá ao juiz verificar se elas são ou não abusivas, tendo poder de anulá-las. O objetivo dessa norma é reduzir ao máximo as possibilidades de litígios entre as partes, ou pelo menos simplificar e agilizar o processo judicial caso a litigância seja inevitável.

É verdade que, ao delegar ao juiz a definição dos limites daquilo que pode ou não ser objeto de convenção pelas partes, um novo problema surge, pois cada magistrado pode ter uma visão diferente sobre o mesmo tema. Dessa forma, caberá à doutrina e à jurisprudência a definição gradual de tais limites, lembrando que o CPC tem como base os princípios de eticidade, boa-fé e lealdade processual. Vale ressaltar que Enunciado nº 6 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) definiu que "o negócio jurídico processual não pode afastar os deveres inerentes à boa-fé e à cooperação".

Seja como for, o fato é que esse instrumento legal incentiva a desjudicialização dos conflitos mediante a adoção e o estímulo à solução consensual, pois aposta na capacidade que possuem as partes de livremente convencionar e dispor sobre os seus bens, direitos e destinos do modo que melhor lhes convier. 

Em suma, trata-se de uma inovação que privilegia a autonomia das partes, deixando para o Judiciário apenas as questões mais complexas e espinhosas para serem resolvidas. Mas de nada valerá se não for utilizada. 

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