Opinião

O caráter pecuniário das sanções impostas pela Lei 9.605/98 às pessoas jurídicas

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14 de fevereiro de 2022, 9h13

O Direito Penal possui como destinatários aqueles que praticam ou concorrem para a prática de delitos, sendo eles, via de regra, pessoas físicas. Ocorre que, por influência de um ideal de criação de novos delitos e incremento de sanções penais trazidos pelo movimento expansionista, a Constituição da República de 1988, em seu artigo 225, §3º, passou a prever a possibilidade de responsabilização criminal de entes morais (= pessoas jurídicas).

A dinâmica de responsabilização criminal de pessoas jurídicas, permitida exclusivamente para condutas consideradas como criminalmente atentatórias à integridade do meio ambiente, está prevista na Lei 9.605/98.

Referida lei, desde sua entrada em vigor, é constantemente alvo de críticas da comunidade jurídica, sendo muitas delas pela ausência de profundidade das disposições legais, ou até mesmo pelo próprio silêncio sobre determinados institutos jurídicos. Justamente por essa ausência, o artigo 79 do diploma legal aponta que serão aplicadas, de maneira subsidiária, as disposições do Código Penal e de Processo Penal.

Como é sabido, entes morais não podem ser submetidos a sanções privativas de liberdade, vez que não possuem direito de ir e vir. Por conta disso, todas as sanções às quais pessoas jurídicas podem ser submetidas possuem, de maneira direta ou indireta, um caráter pecuniário, de sorte que resta inviável, para não se dizer ilegal, que se tenha em conta para o cálculo do prazo prescricional aquele previsto no artigo 109 do Código Penal, cujo prazo é regulado pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime.

O artigo 21 da Lei 9.605/98 aponta que pessoas jurídicas podem ser submetidas, de maneira isolada ou cumulada, a três tipos de sanções penais, sendo elas: 1) multa; 2) restritivas de direitos; e 3) prestação de serviços à comunidade.

Com relação à pena de multa, entendida como "pena pecuniária imposta a quem infringe leis ou regulamentos" [1], o Código Penal, no artigo 114, I, expressamente prevê como sendo de dois anos o prazo prescricional.

A seu turno, as penas previstas no inciso III do artigo 21 da Lei 9.605/98, quais sejam, aquelas de prestação de serviço à comunidade, também possuem um cariz unicamente monetário. Veja-se:

"Artigo 23. A prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica consistirá em:
I  custeio de programas e de projetos ambientais;
II  execução de obras de recuperação de áreas degradadas;
III  manutenção de espaços públicos;
IV  contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas".

A prestação de serviços à comunidade é caracterizada, essencialmente, pelo cumprimento de obrigações que envolvem a transferência de valores da pessoa jurídica responsável para alguma entidade indicada pelo juízo competente.

O custeio de programas e de projetos ambientais, por sua vez, envolve, como não poderia deixar de ser, obrigação unicamente monetária, de pagar valores em dinheiro. Não faria sentido algum prever que a pessoa jurídica condenada custeasse por um certo período — aquele da sentença condenatória  determinado projeto ambiental e o abandonasse quando do cumprimento integral da pena.

Quanto à execução de obras, da mesma maneira se verifica um cariz unicamente pecuniário. Afinal, não se espera que a empresa condenada passe determinado tempo realizando obras e as deixem inacabadas caso o período arbitrado pela sentença não for suficiente para sua conclusão. É esperado que a obra a ser realizada seja concluída e traga reais benefícios ao meio ambiente e à população.

Vê-se, então, que a execução de obras nada mais é do que o aporte em dinheiro da pessoa jurídica em determinado empreendimento que tenha como fim a recuperação da área degradada.

Por fim, quanto à manutenção de espaços públicos e contribuição a entidades ambientais, novamente tem-se que não prosperam maiores dúvidas quanto à obrigação de pagar.

Notadamente, portanto, pode-se concluir, com certa clareza de ideias, que, em se tratando de sanções penais, as pessoas jurídicas sempre suportam um ônus de natureza patrimonial e que, justamente por isso, o prazo prescricional aplicável a essa espécie de reprimenda não pode ser outro senão aquele previsto para a pena de multa. Afinal, independentemente de qual seja a pena máxima em abstrato cominada ao delito, caso a condenação seja por essa espécie de reprimenda, a dosimetria não deverá fixar um prazo, um determinado lapso temporal, mas tão somente os valores, empreendimentos ou instituições aos quais a pessoa jurídica deverá submeter aporte financeiro.

Deve-se, portanto, ser aplicado o raciocínio prescricional oriundo da pena de multa, cujo prazo para reconhecimento é de dois anos, nos termos do inciso I, do artigo 114, do Código Penal.

Não se esquece, todavia, que a Lei 9.605/98 também prevê como pena aplicável às pessoas jurídicas as chamadas restritivas de direitos.

Dita artigo 22, do referido diploma legal que:

"Artigo 22  As penas restritivas de direitos da pessoa jurídica são:
I  suspensão parcial ou total de atividades;
II  interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade;
III  proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações".

Ainda que nesse ponto o caráter pecuniário da sanção se manifeste de maneira bastante lateral e indireta, continua sendo inaplicável, aos entes coletivos, o prazo prescricional previsto no artigo 109 do Código Penal.

Isso porque as penas restritivas de direito apresentam duas facetas que distam bastante uma da outra: 1) são tratadas como substitutivas à pena privativa de liberdade (artigo 44 CP); ou 2) são tidas como a sanção principal, a exemplo do artigo 28 da Lei 11.343/06 e da suspensão de se obter a permissão para dirigir veículo automotor do artigo 302 da Lei 9503/97.

Quanto às previstas no artigo 21 da Lei de Crimes Ambientais, resta incontroverso que são penas principais, até porque, por óbvio, não há pena privativa de liberdade a ser substituída no caso de pessoas jurídicas.

É certo que o legislador, ao afirmar no parágrafo único do artigo 109 do Código Penal que o prazo prescricional aplicável às restritivas de direitos será o mesmo das privativas de liberdade, dizia respeito àquelas substitutivas, e não às principais. No caso dos crimes ambientais, esse entendimento fica ainda mais evidente, pois no artigo 7º do diploma legal cuidou o legislador de destacar as restritivas de direitos substitutivas e aplicáveis às pessoas físicas.

Reside, dessa maneira, um pretenso problema: se o legislador foi omisso ao dispor expressamente sobre o tratamento a ser dispensado quanto à prescrição das penas restritivas de direitos aplicáveis de maneira principal às PJs, qual seria o prazo prescricional desse delitos?

Tratando-se de temática de Direito Penal material  e por isso seria somente um pretenso problema —, cuja construção sempre deve ser vista em favor do réu, inexiste outra resposta senão aquela que analogicamente aplica às penas restritivas principais a mesma regra válida para a multa, de acordo com o já mencionado artigo 114, inciso I, do Código Penal.

Conclui-se, portanto, que a simples possibilidade de se conjecturar como possível a aplicação, às pessoas jurídicas, dos prazos prescricionais dispostos no artigo 109 do Código Penal implica em patente violação ao princípio da legalidade, pedra angular do Direito Penal e garantia fundamental prevista na Constituição da República. Isso porque o ordenamento jurídico é silente quanto aos prazos prescricionais das possíveis sanções a serem impostas às pessoas jurídicas, de modo que se deve aplicar o racional mais favorável, vedando-se, de maneira absoluta, qualquer construção em prejuízo do réu (analogia in mallam partem).

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