Opinião

O que podemos esperar do julgamento da ADI 7.066 frente a Lei Complementar 190

Autor

  • Wilmara Lourenço

    é advogada sócia coordenadora do escritório Nelson Wilians Advogados - Núcleo do Terceiro Setor a nível nacional membro da Comissão de Direito Tributário da OAB – Subseção Contagem(MG) especialista em Direito Tributário pela instituição Damásio Educacional (SP) e mestre em Direito Público pela Universidade Fumec (MG).

12 de fevereiro de 2022, 9h13

"A régua da Justiça deve ser isonômica e sua força deve se impor a fortes e a fracos, ricos e pobres. Tal mensagem que a linguagem simples do povo traduz: o pau que dá em Chico dá em Francisco"
(trecho do discurso de sabatina de Rodrigo Janot perante o Senado Federal, em 2015)

A discussão da matéria que versa sobre a inconstitucionalidade de cobrança do diferencial de alíquota (Difal), parece não ter fim.

No último dia 14, foi ajuizada a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7.066 pela Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), visando a suspender a eficácia e conferir interpretação conforme a Constituição Federal da Lei Complementar nº 190/2022, que alterou a Lei Complementar nº 87/96, para regulamentar a cobrança do Difal sobre mercadorias destinadas a consumidor final não contribuinte do imposto. Em outras palavras, o que se pede nessa ação é a suspensão imediata dos efeitos da Lei Complementar 190/2022, tendo em vista a excepcional urgência do caso e diante das informações e comunicações dos estados, no sentido de iniciar a cobrança do referido Difal apenas após transcorridos apenas 90 dias da publicação da Lei Complementar 190/22.

Como se sabe, a referida lei foi promulgada em 4 de janeiro e, em obediência ao princípio constitucional da anterioridade anual, que veda a cobrança do tributo no mesmo exercício financeiro sem que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, conforme a inteligência do artigo 150, inciso III, alínea "b", da Constituição Federal, não seria possível exigir a cobrança do tributo dos contribuintes no mesmo exercício fiscal.

Todavia, como sabemos, as decisões do Supremo Tribunal Federal merecem total atenção, pois em se tratando de matérias que envolvem a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da cobrança de tributos, a corda sempre tende a arrebentar para o lado mais fraco.

Fazendo uma rápida digressão histórica sobre as decisões do Supremo Tribunal Federal, denota-se que o contribuinte fica à mercê de decisões com viés intrinsecamente convenientes à Administração Pública, inviabilizando os direitos e garantias dos contribuintes, estampados na Constituição Federal.

Vale lembrar do famoso Tema 69 (RE 574706), intitulado "a tese do século". A discussão de ordem tributária, tomada pelo Supremo Tribunal Federal, foi no sentido de delimitar o que seria o conceito de receita bruta e faturamento, pelo fato de o ICMS se qualificar como simples ingresso financeiro que meramente transita, sem qualquer caráter de definitividade, pelo patrimônio e pela contabilidade do contribuinte, para então firmar a fixação do entendimento que: "O ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da Cofins".

Curioso que na mesma sistemática, há o Tema 118 (RE 592616), protocolado em 2008 no STF para julgamento sob a luz dos artigos 1º; 18; 60, §4º; 145, §1º; 146-A; 151; 170, IV; e 195, I, "b" da Constituição Federal, que versam a constitucionalidade, ou a falta desta, da inclusão do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) na base de cálculo do PIS e da Cofins.

Ora, se foi definido pelo Supremo Tribunal Federal caso verossímil ao presente processo, por qual motivo seria necessária sua retirada da pauta de julgamento em 27 de agosto de 2021, com pedido de destaque pelo presidente do STF, ministro Luiz Fux?!

Para quem já jogou Uno alguma vez na vida, o pedido de destaque funciona como a carta "bloqueio", ou seja, de acordo com regulamentação normativa do próprio STF, após pedido em determinado processo, o seu julgamento é interrompido e todos os votos até aquele momento serão zerados, sendo necessário novo julgamento em ambiente físico (Plenário) pelos ministros do Supremo.

Para corroborar ainda mais, alertando que as decisões do STF não são tão previsíveis assim, temos o julgamento do polêmico Tema 163 (RE 593068), em que foi assentado em 2018, após mais de dez anos de espera da análise do recurso extraordinário, que não incidiria a contribuição previdenciária sobre verba não incorporável aos proventos de aposentadoria do servidor público, tais como o terço constitucional de férias. Ora, a descrição do leading case era exatamente sobre a constitucionalidade, ou não, da exigibilidade de contribuição previdenciária sobre o terço de férias (dentre outras), tendo em vista a natureza jurídica de tal verba, oque no Tema 985 (RE 1072485) o STF concluiu, em agosto de 2020, que seria legítima a incidência de contribuição social sobre o valor satisfeito a título de terço constitucional de férias. Não seria a mesma natureza jurídica a rubrica em comento?!

Pois bem, voltemos ao cerne da nossa questão sobre o Difal e os efeitos da LC 190/2022.

Em face dos precedentes do STF, no que tange à aplicação da anterioridade anual, há algumas decisões favoráveis aos contribuintes em ações diretas de inconstitucionalidade de acordo com a interpretação da Constituição Federal para aplicação do princípio da anterioridade anual. Até aqui, tudo bem.

O ponto de atenção é em relação ao posicionamento do relator da ADI nº 7066, pois foi distribuída para o ministro Alexandre de Moraes.

Vale lembrar que o ministro Alexandre de Moraes, em seu voto no RE 1.287.019, em conjunto com a ADI nº 5.469, deixou claro que não seria imprescindível a edição de uma nova lei complementar para regulamentar a cobrança do Difal, posto que a EC nº 87/15 não revolucionou o tema, ela apenas reformou o tema.

Em suas palavras, a referida modificação imposta ao texto da Constituição Federal apenas ampliou a incidência do diferencial de alíquota do ICMS, que já era existente na redação originária, para as hipóteses em que o destinatário é contribuinte do imposto, para as operações e prestações que destinassem bens e serviços a consumidor final não contribuinte do ICMS, não instituindo a cobrança de novo tributo que exigisse uma nova lei complementar, uma nova lei instituidora. Ou seja, a referida lei apenas estendeu a sistemática constitucional de aplicação do diferencial de alíquota do ICMS em operações e prestações que destinassem bens e serviços a consumidor final contribuinte para aqueles também não contribuintes.

Por fim, o ministro aduziu ainda que não houve alterações quanto às matérias tributárias cuja regulamentação por lei complementar é irrecusável, conforme previsto nos artigos 146, incisos I e III, alínea "a", e 155, inciso XII, alíneas "a", "c", "d" e "i", da Constituição Federal: "O que houve na verdade, de acordo com a sua apreciação do tema, foi simplesmente uma alteração das regras de divisão de receitas sem que houvesse a criação de qualquer novo tributo, a incidência de novas formas de tributação, pois antes do advento da EC nº 87/15, o art. 155, § 2º, VII, a e b, e o inciso VIII da Constituição Federal, já previam o tributo".

Portanto, para o ministro Moraes o Difal não se trata de imposto propriamente dito, mas tão somente de uma sistemática de distribuição e adequação do ICMS em operações interestaduais e, desse modo, dispensável a edição de lei complementar específica, posto que o Difal já era cobrado anteriormente ao advento da EC 87/15 nas situações em que o consumidor final é contribuinte do imposto (artigo 155, §2º, VII, "a" da Constituição Federal em sua redação originária) e não se exigia, para tanto, a edição de lei complementar versando especificamente sobre a matéria.

Fato é que a lei complementar foi editada e, no que tange à observância de sua aplicabilidade, devem ser observados os princípios basilares do direito tributário em consonância com a Lei Maior.

O próprio ministro Alexandre de Moraes, em sua relatoria na ADI nº  5733, que trata de caso análogo, no que diz respeito à aplicação do princípio da anterioridade anual, entendeu que deveria ser aplicado ao caso em tal princípio constitucional pois "o Princípio da Anterioridade (art. 150, III, "b", da CF), por configurar uma das maiores garantias tributárias do cidadão em face do Estado/Fisco, é consagrado pelo Supremo Tribunal Federal como cláusula pétrea, nos termos do art. 60, § 4º, IV, da CF (ADI 939, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ de 18/03/1994). Além de constituir garantia individual, assegura a possibilidade de o contribuinte programar-se contra a ingerência estatal em sua propriedade, preservando-se, pois, a segurança jurídica".

Tendo em vista todo o exposto, não se tratando apenas de anedotas tributárias, mas, sim, da realidade das decisões em matéria tributária proferidas pelo STF, é de extrema relevância observar que, caso não haja nenhuma alteração no entendimento dos ministros do Supremo quando da apreciação da ADI nº 7066, denota-se a probabilidade de direito pela procedência da aplicação da LC 190/2022 para cobrança do Difal somente em 2023. Em que pese a lei ter mencionado a anterioridade nonagesimal em seu texto, não se poderia segregar a aplicação dos princípios da anterioridade nonagesimal da anual no caso em tela.

Ademais, temos visto em várias decisões tributárias em todos os tribunais pelo país a procedência dos pedidos dos contribuintes, visando a garantir o direito de recolhimento do Difal a partir do próximo exercício financeiro da promulgação da norma, qual seja o ano de 2023, posto a tese já firmada em sede de repercussão geral no RE 1.287.019. Contrariar o decisum no caso apreciado seria firmar novo entendimento de fato com o mérito apreciado, o que destarte não faz o menor sentido, em tese.

Contudo, deve ser sobrepesada a iminente pressão política e o impacto nas contas dos estados que correm o risco de perder R$ 9,8 bilhões em arrecadação.

Nesse sentido, o julgamento da ADI nº 7.066 inspira cuidados, pois, ao que parece, em Brasília não se usa a expressão "o pau que dá em Chico dá em Francisco", em se tratando de decisões em matéria tributária, para fins de aplicação da própria lei constitucional de regência.

O que nos resta tão somente é aguardar a movimentação do Supremo para desfecho definitivo do caso.

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  • é advogada, sócia e coordenadora do Núcleo do Terceiro Setor do Nelson Wilians Advogados, membro da Comissão de Direito Tributário da OAB subseção Contagem-MG, especialista em Direito Tributário pela instituição Damásio Educacional-SP e mestre em Direito Público pela Universidade Fumec-MG.

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