Opinião

Afinal de contas, qual o prazo para encerramento da recuperação judicial?

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10 de fevereiro de 2022, 6h03

Após a reforma da Lei 11.101/2005 (LRF) pela Lei 14.112/2020, houve alteração do disposto no artigo 61 quanto ao prazo de supervisão judicial da recuperanda. Antes da reforma havia a necessidade de que a recuperanda comprovasse o cumprimento do plano de recuperação judicial aprovado por pelo menos dois anos, enquanto agora é de no máximo dois anos.

A nova redação do artigo 61, entretanto, trouxe algumas dúvidas, como: qual é o prazo mínimo de supervisão judicial? Quais são os critérios para estabelecer o prazo dessa supervisão? Poderia a recuperação judicial ser encerrada ato contínuo à sua homologação, sem a necessidade de supervisão judicial?

Os questionamentos acima são relevantes, pois no período de supervisão judicial poderá haver a convolação em falência, caso a recuperanda deixe de cumprir com o consignado no plano aprovado, assim como o restabelecimento do crédito nas condições originalmente contratadas, nos termos do artigo 61, §1º e 2º, e artigo 73, IV, da LRF.

Sobre o assunto, Fábio Ulhoa [1] entende ser possível o encerramento da recuperação judicial imediatamente após a homologação do plano e concessão da recuperação judicial, entretanto defende que o juiz estabeleça critérios objetivos para a dispensa. Para ele, a recuperação judicial atinge seu objetivo com a homologação do plano e a concessão da recuperação, não cabendo ao juiz atestar a efetiva recuperação econômico-financeiro da empresa, até mesmo porque o prazo de dois anos seria, muito provavelmente, insuficiente para a faina.

Manoel Justino [2] pondera que o prazo de fiscalização máximo previsto na reforma de uma forma geral não atende aos interesses do devedor, eis que enquanto em recuperação judicial sofre restrições creditícias, prejudicando a atividade empresarial; do Judiciário, que ficará administrando esse processo até o prazo assinalado; e do próprio credor, que deixa de poder executar o plano em caso de descumprimento, destacando, entretanto, que com o imediato encerramento fica extinta a possibilidade de reconstituição dos direitos e garantias tais como originalmente contratados, conforme previsão do artigo 61, §2º, das LRF.

Por outro lado, Marcelo Sacramone [3] entende que não cabe ao juiz reduzir o prazo de dois anos de fiscalização previsto na lei. Em sua análise, somente um alinhamento entre credores e devedores mediante previsão no plano de recuperação judicial poderia estabelecer um prazo menor do que dois anos, ou mesmo o encerramento de imediato após a concessão da recuperação.

A jurisprudência do STJ antes da reforma da LRF entendia que o prazo de supervisão judicial abrangia o cumprimento das obrigações vencidas no período de dois anos contados da concessão da recuperação judicial ou da homologação de eventual aditivo ao plano [4], entendimento relativamente pacífico, não obstante alguns julgados do Tribunal de Justiça de São Paulo estabelecendo que o período de supervisão poderia ser superior, uma vez que o prazo de fiscalização teria início apenas quando do término do período de carência [5]. Com a nova redação do artigo 61, ficou claro que o período de carência está contido no prazo da supervisão, como também já reconhece esse mesmo tribunal [6].

Após a reforma, entretanto, ainda não resta claro qual prazo deve ser seguido. Citando novamente julgados do Tribunal de Justiça de São Paulo, onde se concentra a maior parte dos processos recuperacionais do país, se verifica ainda certa hesitação em diminuir o período de supervisão judicial, não obstante a previsão expressa da lei [7].

E, por vezes, há motivos para essa insegurança. Exemplo se deu no caso da recuperação judicial de um hotel, na qual a sentença de concessão também determinou seu encerramento, contudo, diante do término das atividades do referido hotel, meses depois, entre outros eventos, o juízo, de ofício, determinou que o prazo de supervisão judicial passasse a ser de dois anos [8].

Mas há também hipóteses bem-sucedidas, em que a concessão e o encerramento da recuperação judicial permanecem hígidos [9].

Apesar da análise empírica do tema, não é difícil constatar a falta de uniformidade quanto ao prazo a ser observado para o encerramento da recuperação judicial após a reforma da LRF. É natural que diante de uma modificação legislativa não muito detalhada como essa, haja incerteza na aplicação do dispositivo de forma plena, que corresponderia ao encerramento imediato após a homologação do plano de recuperação, não obstante a clara intenção do legislador em modificar o anteriormente estabelecido.

Assim, em relação à aplicação do prazo de supervisão e consequente encerramento da recuperação judicial, tendemos a discordar em parte do que ensina Marcelo Sacramone, uma vez que não parece razoável deduzir que o prazo de supervisão judicial fique a critério das partes. Por outro lado, ponderamos que diante da concordância dos credores no plano de recuperação, tal como recomendado, o juiz tenha mais elementos para formar seu convencimento.

Nessa linha, tendemos a nos alinhar à lição de Fábio Ulhoa e Manoel Justino no sentido de que, mediante decisão esclarecendo os critérios utilizados para a conclusão alcançada, possa ser diminuída ou mesmo extinta a supervisão judicial, que, como esclarece o segundo, muitas vezes é apenas um ônus a todos os envolvidos no processo.

Em qualquer caso, entendemos que as recuperandas devem requerer expressamente ao juízo a sua manutenção ou não sob supervisão judicial, em função do caso concreto, uma vez que a supervisão judicial pode ser importante à reestruturação adequada da empresa, como no caso de alienação de UPIs ou parcelamento tributário especial, ou, por outro lado, pode representar uma dificuldade complementar nessa reorganização.

 


[1]  COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 14 ed. rev. Atual. e ampl. Thomson Reuters. São Paulo. 2021. p.250.

[2] BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falência: lei 11.101/2005: comentada artigo por artigo. 15ª ed. ver.,atual. e ampl. São Paulo. Thomson Reuters.2021

[3] SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. 2ª ed. São Paulo. Saraiva Educação. 2021.

[4] AgInt no AgInt no REsp 1838670/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 07/12/2020, DJe 16/12/2020; AgInt no REsp 1710482/MS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/02/2020, DJe 13/02/2020); e REsp 1853347/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/05/2020, DJe 11/05/2020.

[5] Enunciado II Grupo de Câmaras Reservadas de Direito Empresarial do TJSP; Vide ainda os seguintes acórdãos: TJSP; Agravo de Instrumento 2216235-63.2019.8.26.0000; Relator (a): Alexandre Lazzarini; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Nazaré Paulista – Vara Única; Data do Julgamento: 11/12/2019; Data de Registro: 12/12/2019;

[6] O Enunciado II foi cancelado em 04/2021; Vide ainda: TJSP; Agravo de Instrumento 2149831-59.2021.8.26.0000; Relator (a): Alexandre Lazzarini; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível – 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais; Data do Julgamento: 12/01/2022; Data de Registro: 12/01/202

[7] TJ-SP; Agravo de Instrumento 2099074-61.2021.8.26.0000; Relator (a): Cesar Ciampolini; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível – 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais; Data do Julgamento: 08/09/2021; Data de Registro: 08/09/2021; TJSP; Agravo de Instrumento 2066424-58.2021.8.26.0000; Relator (a): Araldo Telles; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível – 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais; Data do Julgamento: 28/09/2021; Data de Registro: 30/09/2021).

[8] Processo nº 1087857-63.2020.8.26.0100.

[9] Processo nº 1002223-06.2016.8.26.0338 e 1070907-76.2020.8.26.0100.

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