Opinião

Vacinação de crianças: quando a crença dos pais colide com o direito do filho

Autor

  • Carolini Cigolini Lando

    é advogada de Direito das Famílias e Sucessões e Direito Homoafetivo associada ao Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam) e membro da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB-SP.

7 de fevereiro de 2022, 18h08

A vacinação contra a Covid-19 é tema de constante debate, seja no que diz respeito à vacinação dos adultos ou das crianças, recentemente incluídas no programa de vacinação aqui no Brasil.

Em tempos de fake news descontroladas e até mesmo por questões ideológicas ou religiosas, muitos pais estão deixando de vacinar seus filhos e, em um cenário ainda mais delicado, divergindo sobre a vacinação, fator que tem alcançado o Judiciário.

É fundamental e muito importante que se identifiquem os dispositivos legais que estão por trás desse assunto, a começar pela nossa Constituição Federal, mais precisamente em seu artigo 227, que determina ser "dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão".

Indo mais além, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), datado de 1990, em seu artigo 14, §1º, determina ser obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias.

Logo, partindo dessas premissas, não há brechas, nem margens, para que a vacina deixe de ser considerada pelos pais — claro, ressalvadas as raríssimas exceções, como aquelas em que a criança possua algum problema de saúde e por razões clínicas comprovadas a vacina não seja recomendada.

Não sendo esse o caso, os pais que deixarem de vacinar seus filhos por suas crenças pessoais, por exemplo, podem estar sujeitos às sanções previstas no ECA, como multa e até mesmo suspensão ou perda do poder familiar.

No final do ano passado, a recusa dos pais a vacinar seus filhos chegou até o STF. Os genitores em questão, adeptos da alimentação vegana, pleitearam na Justiça o direito de deixar de vacinar seus filhos por questões filosóficas, religiosas, morais e existenciais, alegando não se tratar a recusa de negligência, mas, sim, de excesso de zelo e cuidado, pois consideram o processo de vacinação da Covid-19 um "adoecimento artificial". O recurso foi negado por unanimidade.

Esse precedente vale também para os casos em que os pais divergem entre si sobre vacinar ou não a sua prole. A vacinação é um dever dos pais e um direito das crianças — especialmente quando consideramos que o direito à saúde (do todo e das crianças) se sobrepõe às convicções ideológicas.

Quando os pais fogem desse dever, colocam em risco não só a saúde de seus filhos (o que, comprovadamente, tem sido notícia recorrente com a nova variante, mostrando o grande número de crianças que são infectadas, hospitalizadas e que podem ter uma evolução negativa), mas também a saúde da coletividade, que fica suscetível a infecção quanto mais pessoas deixarem de aderir à campanha de vacinação.

Se os pais possuem suas crenças e, convictos disso, deixam de vacinar a si próprios, não podem, em nome do poder familiar, estender tal crença aos seus filhos.

A vacina salva vidas. Vacinem-se. Vacinem seus filhos.

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