Opinião

A3P: diretrizes de gestão sustentável

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2 de fevereiro de 2022, 9h13

Do Estatuto da Terra de 1964 até os dias atuais, a sustentabilidade é uma ambição do governo brasileiro. Iniciou-se com a função social da propriedade, em 1964, que trazia, avant la lettre, os critérios de desenvolvimento sustentável, antes mesmo desse termo ser criado pelo Relatório Brundtland. Ainda, consagramos o princípio do desenvolvimento sustentável no artigo 186 da nossa Carta Magna. Esse desenvolvimento gera o desenvolvimento econômico e social com o uso racional dos recursos naturais concomitantemente. Nesse sentido, a constituição ainda trouxe, no seu artigo 225, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como forma de consagrar o princípio apresentado. Para isso acontecer, entretanto, necessário se faz que alguém sirva de modelo. Assim, o poder público criou a Agenda Ambiental da Administração Pública (A3P). Ela propõe uma nova gestão pública dos entes federados, com mudança e criação de legislações e políticas públicas. Nesse mesmo sentido, o poder público serve de modelo para os entes particulares, além de poder exigir a adequação sustentável destes, em suas contratações.

Para poder viabilizar uma política pública sustentável, foi necessário criar um arcabouço legislativo impondo regras e punições para dotar de credibilidade a sustentabilidade. A A3P, portanto, engloba tratados internacionais, como a UNFCC, além de englobar o artigo 170, VI, combinado com o artigo 225 da CF, e a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81). A A3P ainda cita expressamente as seguintes legislações: Política Nacional da Mudança Climática (Lei 12.187/09), Política Nacional dos Resíduos Sólidos (Lei 12.305/10), Lei do Saneamento Básico (Lei 11.445/070), Política Nacional dos Recursos Hídricos (Lei 9.433/97), Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01), Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei 9.985/00) e a Política Nacional da Educação Ambiental (Lei 9.795/99). Em sua página 13, a A3P também menciona as políticas públicas, que terão suas diretrizes apontadas pelo Ministério do Meio Ambiente, e serão orientadas pelo desenvolvimento sustentável, controle e participação social, fortalecimento do Sisnama, e a transversalidade.

A cartilha ambiental da Administração Pública criou a responsabilidade socioambiental (RSA). Ela é uma evolução da responsabilidade social criada, inicialmente, pelas empresas para agregar valor à sua marca, como exemplo: o selo verde, o ISO 9001 e o ISO 14001, entre outros. Nesse sentido, os objetivos da A3P começaram a ser incluídos nos programas plurianuais do governo, visando a incorporar princípios de responsabilidade socioambiental nas atividades da Administração Pública. Princípios como a economicidade, o custo benefício e a eficiência começaram a ser aplicados nos órgãos públicos. Essa agenda tem como objetivos a reflexão e a mudança de atitude dos servidores públicos para, entre outros objetivos, promover o uso racional dos recursos naturais, reduzir os gastos públicos, contribuir para a revisão dos padrões de produção e consumo, e contribuir para a melhoria da qualidade de vida. Para que tudo isso seja adotado, na prática, a agenda trouxe seis eixos temáticos.

O primeiro eixo é o do uso racional dos recursos naturais e dos bens públicos. Ele visa a combater a cultura do desperdício, estimulando o uso racional da energia e o uso racional da água. Ainda, criou-se um sistema online em que a união pode repassar os produtos que não mais a interessam para outros entes públicos, por meio de doação, no site comprasnet. O segundo eixo é o da gestão adequada dos resíduos gerados. Esse eixo adota o princípio dos 5Rs: repensar, recusar, reduzir, reutilizar e reciclar. Veja que ele não estipula uma ordem para esses princípios, ao contrário do que é feito na Política Nacional dos Resíduos Sólidos, que determina uma ordem: não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento, disposição final. A agenda, ainda, da ênfase na diferença entre reutilizar e reciclar. A primeira é usar novamente o bem antes de descartá-lo. A segunda é a transformação do produto em matéria prima.

Para a reciclagem, que começa com a coleta seletiva, a cartilha adotou os padrões de cores da Resolução 275/2001 do Conama. Ainda, o Decreto 5.940/06 estipulou a coleta seletiva solidária, que é a separação de resíduos recicláveis nas Administrações Públicas federal direta e indireta, destinando esses resíduos às associações e cooperativas de catadores. As vantagens dessas medidas adotadas pelo decreto e pela A3P é a diminuição da exploração dos recursos naturais; a diminuição da poluição do solo, da água e do ar; a redução dos resíduos encaminhados aos aterros sanitários; a geração de emprego e renda para os catadores de materiais recicláveis; a diminuição dos gastos com a limpeza pública; a prolongação da vida útil dos aterros sanitários; e o fortalecimento das organizações de catadores e melhores condições de trabalho para estes.

O terceiro eixo é formado por ações que visam à qualidade de vida no ambiente de trabalho, melhorando a acessibilidade (Lei 10.098/2000). Essas ações objetivam o uso e o desenvolvimento das capacidades dos trabalhadores, a integração social e interna, o respeito à legislação, a melhora das condições de segurança e saúde no trabalho. O quarto eixo, por sua vez, trata da sensibilização e capacitação dos trabalhadores, em busca da consciência cidadã destes. Nesse sentido, criar-se-á um plano de capacitação para alguns funcionários se tornarem executores e multiplicadores, dando eficácia à implantação da A3P. Ou seja, eles executarão o aprendido no curso e, também, servirão de exemplo para os demais funcionários da repartição. O quinto eixo, por seu turno, acaba sendo um dos mais importantes para o setor privado, uma vez que ele estipula a licitação verde. O quinto eixo traz as licitações sustentáveis, artigo 3º, da Lei 8.666/93, com redação dada pela lei 12.349. Agora, alterada pela nova Lei de Licitações (14.133/2021). A licitação sustentável visa a trazer critérios para a pratica de desenvolvimento nacional sustentável. A ideia é dar vantagem, no julgamento da licitação, para quem adotar medidas sustentáveis. Entretanto, o pedido de sustentabilidade não poderá ser feito na habilitação, uma vez que pode inviabilizar a licitação. Assim, ele deverá ser feito na fase de julgamento.

O sexto eixo, diferente dos demais, não está previsto na agenda, uma vez que ele foi criado após a elaboração desta. O artigo 6º, §3º, da resolução 210/2015 do CNJ, trouxe as construções sustentáveis, que observam a integração dos aspectos ambientais, econômicos e sociais do desenvolvimento sustentável, nas etapas de uma edificação. Ela é aplicada tanto para os edifícios em construção quanto para os edifícios já construídos, tendo suas regras definidas de acordo com o local da construção. Temos como órgãos certificadores desse eixo: Breeam, da Inglaterra, Leed, dos EUA, Green States, da Austrália, e HQE, da França. Eles adotam nove princípios para suas certificações: o planejamento sustentável da obra, o aproveitamento passivo dos recursos naturais, a eficiência energética, a gestão e economia da agua, a gestão de resíduos na edificação, a qualidade do ar e do ambiente interior, o conforto termo acústico, o uso racional de materiais e o uso de produtos e tecnologias ambientalmente amigáveis.

Por fim, a A3P traz temas relacionados aos eixos temáticos, com o intuito de reforça-los, como a coleta seletiva/reciclagem (Decreto 5.940/06), o consumo de madeira de origem legal, o papel nosso de cada dia, a eficiência energética (Proce/PEB), agua e seus usos múltiplos (Lei 9433/97), manutenção da frota oficial de veículos (Proconve) e os principais resíduos gerados na administração pública.

A implantação da A3P requer cinco passos, após fazer o formulário no site e assinar o termo de adesão ao plano de trabalho junto ao MMA. O primeiro passo é criar e regular uma comissão gestora. O segundo passo é realizar um diagnóstico ambiental. O terceiro é desenvolver projetos e atividades que serão implantadas. O quarto é a mobilização e sensibilização dos servidores, especialmente os envolvidos na limpeza. O quinto e último é a avaliação e o monitoramento das medidas adotadas, para obter informações quanto à eficiência e à eficácia do projeto.

A efetivação da A3P leva a economia dos recursos públicos e a colaboração da máquina pública para o desenvolvimento sustentável. Além disso, ela se torna exemplo para o setor privado, por meio de uma gestão pública responsável, em um país que prega o princípio de desenvolvimento sustentável. Ainda, eleva o pioneirismo brasileiro no tema ambiental, demonstrando que o país preza pela preservação ambiental e não só é pioneiro na teoria desenvolvimentista, mas também pioneiro na prática sustentável.

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