Opinião

Fake news sobre o Poder Judiciário: a quem aproveita?

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1 de fevereiro de 2022, 19h14

Um dos maiores desafios nos tempos atuais está no fenômeno da desinformação.

Spacca
Não se trata apenas de interpretar a realidade complexa a partir de diferentes percepções sobre os acontecimentos, mas, sim, da intenção deliberada de desinformar e manipular os fatos.

Novamente foi o que se viu no editorial do jornal Folha de S.Paulo publicado no último sábado (29/1), intitulado "Alheios ao país: magistrados do TJ-SP, com dois meses de férias, querem bônus por muito trabalho".

O jornal fala sobre a gratificação por assunção de acervo, equivalente a um terço do subsídio, mas omite deliberadamente que referido auxílio decorre da Recomendação nº 75/2020 do Conselho Nacional de Justiça, para promover a regulamentação desse direito aos magistrados de todos os tribunais do país.

Então, como se vê, nada de inusitado e indevido existe.

A desinformação vai além, porque esquece o caráter nacional do Poder Judiciário, a vigência das Leis nº 13.093/2015 e nº 13.095/2015 (que instituíram formas de compensação pelo exercício cumulativo de jurisdição no âmbito, respectivamente, da Justiça Federal e da Justiça do Trabalho de primeiro e segundo graus) e a inexistência de discrímen que justifique a desigualação dos demais ramos da Justiça quanto ao direito à percepção da compensação por assunção de acervo.

A compensação visa apenas a retribuir o excessivo volume de serviço do magistrado que recebe distribuição anual de processos em número superior ao que lhe seria exigível, realizando, assim, trabalho que, em regra, deveria ser suportado por mais de um magistrado.

Em relação aos cofres públicos, essa gratificação representa verdadeira economia de despesas, na medida em que, no lugar de aumento da folha de custeio do tribunal, com pagamento de vencimentos a novos magistrados, instalação de outras varas ou câmaras de julgamento, contratação de funcionários e disponibilização de estrutura de cartórios correlatos, concede-se apenas um acréscimo ao vencimento do juiz que receberá aquela sobrecarga de trabalho.

Ainda importante repisar que, no âmbito da magistratura federal, a gratificação está prevista nas Leis nº 13.093/2015 e 13.095/2015, de maneira que os magistrados dos TRFs e TRTs estão, há anos, contemplados com o referido auxílio. E, ao que consta, na esfera estadual, somente o Tribunal de Justiça de São Paulo não implementou o aludido direito a seus magistrados.

Curioso notar que o editorial preferiu ignorar todos esses fatos.

O excessivo número de demandas judiciais no Brasil, longe de estar relacionado ao período de férias dos magistrados, decorre diretamente do fenômeno da cultura da judicialização, haja vista o alto índice de litigiosidade divulgado pelos relatórios "Justiça em Números do CNJ" e que, a despeito de incentivada por política judiciária permanente desde 2006, a conciliação e a prática de outros meios alternativos de resolução dos conflitos ainda apresentam lenta evolução.

A sobrecarga de serviço é cada vez mais alta. Apenas no ano de 2020, o TJ-SP distribuiu 11.035 feitos a cada magistrado de primeira instância e 3.290 para os de segundo grau. E indicadores recentemente divulgados pelo CNJ revelam que, naquele mesmo ano, a segunda instância da Justiça estadual foi quem suportou a maior quantidade de casos novos, tendo o TJ-SP registrado o número de 1.707 por cada magistrado de segundo grau e 1.438 no primeiro grau.

Frente a essa avalanche processual, pouquíssimos são os magistrados que conseguem usufruir da totalidade dos dias de férias a que fazem jus.

Ademais, aqueles que logram usufruir de afastamentos regulares acabam por suportar verdadeira sanção, pois, não havendo magistrado para assumir suas varas ou cadeiras e responder pelos processos distribuídos naquele período, o acúmulo de trabalho e formação de acervo torna-se praticamente inexorável.

Já em relação ao valor dos subsídios dos magistrados, além de incabível a comparação entre a renda média dos trabalhadores brasileiros com os vencimentos desses agentes políticos que ocupam uma carreira de Estado  são investidos em cargos por meio de concurso público e representam a própria autoridade estatal no exercício do poder-dever de proferir decisões para dirimir conflitos de interesses e estimular a pacificação social, mediante interpretação e aplicação das leis e da Constituição da República —, é preciso esclarecer que, não obstante o valor bruto do maior vencimento da corte seja de R$ 35,5 mil (desembargador), para todos incidem descontos obrigatórios na ordem de aproximadamente 40%, a título de Imposto de Renda retido na fonte (27,5%) e contribuição  previdenciária  (15,39%  LC  1.354/2020) àqueles que permanecem no regime antigo, resultando percepção de quantia líquida muito aquém do comumente divulgado pela imprensa.

A propósito, o valor do subsídio da magistratura se encontra congelado há quase oito anos, sendo que os últimos reajustes foram insuficientes para recompor sequer a perda inflacionária do período.

Consta, ainda, que desde a instituição dos subsídios, em 2005, os juízes acumulam uma defasagem remuneratória da ordem de 45%, isso levando em conta o menor índice de correção monetária (IPCA-E).

Nenhum magistrado do Tribunal de Justiça de São Paulo recebe subsídios acima do teto constitucional, guardando estrita proporcionalidade com os vencimentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Eventuais verbas extras referem-se a indenizações legalmente previstas ou passivos regulamentados pelo Conselho Nacional de Justiça, que, dadas as restrições orçamentárias, são pagos de forma parcelada e conforme a disponibilidade financeira do tribunal.

O Poder Judiciário, portanto, vem cumprindo fielmente seu papel constitucional e merece não apenas o crédito da sociedade, mas defesa para que a excelência de seus serviços seja preservada, repelindo-se críticas infundadas e garantindo-se a seus membros todos os direitos a que fazem jus.

Afinal, é sempre bom indagar que tipo de juiz e quais condições de trabalho a sociedade gostaria de encontrar no Poder Judiciário quando dele precisar fazer uso; certamente, o cidadão de bem desejaria contar com magistrados preparados, independentes, imparciais, equilibrados e com estrutura de trabalho capaz de lhe garantir a aplicação da lei de forma célere, eficiente e eficaz.

Por fim, renova-se a pergunta: a quem interessa desprestigiar o Poder Judiciário?

É triste perceber a falta de coerência, conhecimento ou intenção de informar aquilo que, de fato, acontece. Além disso, o texto "troca alhos por bugalhos" ao reunir assuntos para confundir e tratar de coisas diferentes, como faz em relação ao regime de férias dos agentes públicos de poder de Estado e os seus subsídios, alterando a realidade e desinformando.

Aliás, o texto desvela a falácia e, pior, cria um cenário de desconforto para uma legítima manifestação do agente público que defende a implementação do direito reconhecido pelo próprio Conselho Nacional de Justiça.

O editorial quer atribuir ao Poder Judiciário de São Paulo um tom de descrédito e de reprovação.

Como se percebe, diante das informações corretas, o Tribunal de Justiça de São Paulo parece ser o único que ainda não implementou o benefício.

Folha de S.Paulo (29/01) escreveu sobre aquilo que não conhece ou deveria saber. No mínimo, faltou o cuidado e o compromisso com a verdade.

Daí nossa indignação e alerta à população sobre as fake news lançadas contra o Poder Judiciário.

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