Opinião

Considerações sobre o contrato de mútuo conversível em venture capital

Autores

  • Daniel Maffessoni Passinato Diniz

    é advogado Sócio do escritório Passinato & Graebin e professor de M&A Arbitragem e Direito para Startups na FAE Business School.

  • Rafael Henrique Reske

    é advogado no escritório Passinato & Graebin — Sociedade de Advogados pós-graduando em Direito Societário e Novos Negócios na FAE Business School bacharel em Direito Integral Law Experience da FAE Centro Universitário e membro do Comitê de Jovens Arbitralistas (CJA) da CBMA.

1 de fevereiro de 2022, 13h38

O desenvolvimento de um negócio inovador traz consigo diversos desafios, sendo um deles a necessidade de recursos que possibilitem a efetivação das ideias. Diante desse cenário, introduziu-se o venture capital ou, em uma tradução livre para o português, capital de risco.

Essa espécie de investimento corresponde à operação que visa a disponibilizar uma quantia de recursos financeiros a pequenos e médios empreendedores — principalmente em startups —, com o objetivo de realizar o rápido desenvolvimento do negócio e obter retorno do investimento com uma maior rentabilidade do capital investido [1].

Com essa dinâmica, o venture capital tem trazido uma alternativa para os empreendedores que precisam de recursos para o desenvolvimento de seus projetos e, na maioria dos casos, não os conseguiriam facilmente pelos meios tradicionais.

O resultado disso pode ser observado nas estatísticas disponibilizadas pelo Pitchbook. Segundo a agência, somente em 2021 houve o aporte de US$ 329,8 bilhões por meio dessa forma de investimento [2], sendo que somente na América Latina houve o investimento recorde de US$ 14,8 bilhões — o que supera o capital total investido nos últimos seis anos na região [3].

Diante desse crescimento, os investidores necessitam de meios adequados para realizar as operações com a segurança jurídica necessária. No âmbito interno, com a promulgação do Marco Legal das Startups, alguns meios de celebração da operação comumente utilizados nessa área foram expressamente reconhecidos pelo legislador brasileiro no parágrafo 1º do artigo 5º da lei, sendo um deles o contrato de mútuo conversível.

O surgimento dessa forma de contratação ocorreu nos Estados Unidos da América, em meados de 2013, em razão da necessidade de simplificação dos investimentos em startups, por intermédio de um documento condizente com a filosofia do negócio. A elaboração desse documento é atribuída à aceleradora chamada Y Combinator que o intitulou como Simple Agreement for Future Equity (Safe).

Essa espécie contratual, amplamente utilizada no Brasil anteriormente à promulgação da Lei Complementar 182/2021, ganhou o respaldo jurídico necessário com a edição da norma, uma vez que o parágrafo 1º do artigo 5º determina expressamente que o aporte realizado através dessa modalidade não integrará o capital social da sociedade empresária.

O mútuo conversível consiste em um contrato típico que respeita a essência do mútuo quanto ao empréstimo de coisa fungível, mas reserva a sua diferenciação a partir da possibilidade do investidor receber o seu capital investido por meio de participação societária nos termos e prazos negociados. Ou seja, nessa modalidade, o investidor reconhece o potencial do negócio e a viabilidade de manter o seu rendimento a partir da participação como sócio ou quotista de sociedade empresária.

Contudo, para que haja a devida segurança para as partes contratantes, é necessária a previsão de algumas cláusulas com disposições específicas que visem resguardar os interesses envolvidos na relação.

Em relação à empresa, percebem-se previsões sobre a ausência da remuneração ou uma promessa de retorno em juros irrisória. Pelo lado do investidor, a necessidade de conversão de seu direito em participação societária em caso de um determinado evento de liquidez.

Deve-se conferir relevância às cláusulas que preveem eventos futuros de liquidez. Pela dinâmica das startups, as rodadas de investimentos podem acontecer em grandes quantidades e por vários anos. Assim, os investidores profissionais se preocupam com esses eventos futuros, os quais gerarão novas oportunidades de investimento, mas também momentos de diluição acentuada para quem já era investidor.

Ainda sob o ponto de vista de investidores, diversas são as disposições possíveis para que os interesses destes sejam resguardados e irão depender do caso concreto. Contudo, algumas disposições se mostram inerentes à maioria das operações, quais sejam: 1) a vinculação de utilização do capital investido; 2) lock up; 3) tag along; 4) não competição; e 5) antidiluição.

Em relação ao item 1), a vinculação da utilização do capital aportado pelo investidor é uma medida razoável nas operações de venture capital por meio do mútuo conversível, uma vez que o investidor tem a expectativa de que os recursos sejam destinados a determinado segmento do negócio que o fará crescer e que não estejam submetidos à discricionariedade plena dos fundadores do negócio ou de outros administradores.

Já o item 2) relaciona-se à vinculação dos fundadores da sociedade à condução dos negócios esperada pelos investidores. Isso ocorre em razão de os fundadores serem uma peça-chave no desenvolvimento das atividades, vez que foram eles os precursores da ideia que os trouxe até o investimento.

Consequentemente à expectativa dos investidores em relação à permanência dos fundadores no desenvolvimento do negócio, a terceira disposição garante ao investidor o direito de vender conjuntamente com os fundadores a sua participação societária, caso estes realizem essa operação, nos mesmos termos e condições. Isso garante aos investidores o direito de não mais permanecer na sociedade quando houver a troca das pessoas que os inspiraram a confiança de investir na ideia que desenvolveram.

O quarto ponto, seguindo as cautelas relacionadas às condutas dos fundadores, se relaciona à vedação de que estes possam participar ou iniciar outras atividades em sociedades diversas que impliquem em concorrência ao negócio que está recebendo o investimento, vez que isso traria a frustração da expectativa dos investidores em relação ao desenvolvimento do projeto escolhido para o aporte.

A quinta disposição se relaciona com a participação societária e eventuais situações que poderiam impactar na conversão esperada pelo investidor. A disposição antidiluição busca resguardar a ele que a participação no capital social seja a mesma, ainda que equitativa, em qualquer evento que possa alterar o capital da sociedade.

Dessa forma, as disposições citadas trazem a segurança jurídica necessária para cada parte nas operações de venture capital com o mútuo conversível diante das demandas comumente encontradas nesse ecossistema.

Assim, é possível perceber que o contrato de mútuo conversível constitui-se como uma importante ferramenta para as operações de venture capital, trazendo a solidez jurídica para que o desenvolvimento de pequenos e médios negócios inovadores possa ser efetivado.

 


[1] DISTRITO. Venture Capital: como funciona e qual a diferença em relação ao private equity. Disponível em https://distrito.me/venture-capital-o-que-e-e-como-funciona/. Acesso em 11/1/2022.

[2] PITCHBOOK. Q4 2021 PitchBook-NVCA Venture Monitor First Look. Disponível em https://pitchbook.com/news/reports/q4-2021-pitchbook-nvca-venture-monitor-first-look. Acesso em 11/1/2022.

[3] PITCHBOOK. Why 2021 was a breakout year for Latin America's VC ecosystem. Disponível em https://pitchbook.com/news/articles/2021-latin-america-vc-deals-breakout-year. Acesso em 11/1/ 2022.

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