Retrospectiva 2022

Arbitragem: breve retrospectiva de 2022 e o que esperar em 2023

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30 de dezembro de 2022, 15h44

O ano de 2022 foi movimentado para o mundo da arbitragem. Foram diversas as decisões marcantes, os eventos profícuos e as discussões relevantes havidas em torno de temas caros à comunidade arbitral. Este texto cobre alguns desses desdobramentos ― sem pretensão alguma de exauri-los ― e projeta tendências para o mundo da arbitragem em 2023.

Destaques de 2022
Um dos mais marcantes acontecimentos de 2022 foi o lançamento, em novembro, do novo regulamento de arbitragem do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC). Em vigor desde 1º de novembro de 2022, o novo regulamento mantém a essência do regramento anterior e contempla itens não positivados até então. Ele traz regras, por exemplo, sobre consolidação de arbitragens (i.e., autorização expressa de consolidação de duas ou mais arbitragens pendentes); conflito de interesses (i.e., vedação à indução de conflito a posteriori da constituição do tribunal arbitral); e composição dos tribunais arbitrais [1] (i.e., admissão de presidentes que não componham a lista de árbitros(as) do CAM-CCBC, que antes eram admitidos(as) apenas em caráter excepcional). A íntegra do novo regulamento pode ser acessada aqui.

O Poder Judiciário também seguiu como importante aliado da arbitragem — o que não chega a ser novidade, dado o histórico de decisões que contribuíram decisivamente para que o Brasil se consolidasse como uma jurisdição favorável à arbitragem. Para ficar apenas no Superior Tribunal de Justiça, reiteradas decisões reafirmaram o basilar princípio da kompetenz-kompetenz, deferindo aos tribunais arbitrais a determinação de sua própria competência [2]. Cabe aqui, de todo modo, a observação de que a arbitragem é um sistema cujas regras próprias são capazes de endereçar conflitos procedimentais relacionados à competência dos tribunais arbitrais e, no limite, têm o condão de tornar despiciendo o recurso ao Poder Judiciário (notadamente o conflito de competência junto ao Superior Tribunal de Justiça) para esse fim.

O ano também foi repleto de eventos de notável sucesso. Particular destaque se deu à arbitragem societária, tema que dominou os congressos da Câmara de Comércio Internacional (CCI) — 10th Brazilian Arbitration Day, realizado em junho, em São Paulo —; do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA) — V Congresso Internacional CBMA de Arbitragem, realizado em agosto no Rio de Janeiro —; do Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr)  — 21º Congresso Internacional do CBAr, realizado em setembro no Rio de Janeiro —; e do CAM-CCBC — 5th São Paulo Arbitration Week, realizada em outubro, em São Paulo. A arbitragem societária também foi tema do seminário "Arbitragem Coletiva Societária", organizado pelo STJ em junho. Tratou-se de louvável iniciativa de intercâmbio, com profícuos debates, entre Poder Judiciário, academia e prática privada sobre tópicos de crescente importância no cotidiano da arbitragem societária, notadamente a litispendência e os efeitos da coisa julgada em matéria de arbitragem coletiva.

A comunidade arbitral também se reuniu em torno de debates no Congresso Nacional acerca de temas ligados à arbitragem. O mais candente deles foi o Projeto de Lei nº 3.293/2021, que propõe alterações na Lei de Arbitragem para, dentre outras providências, aprofundar o dever de revelação do árbitro e limitar a quantidade de arbitragens por árbitro. O Projeto de Lei — que ainda não chegou a ser votado na Câmara dos Deputados — vem sendo severamente criticado pela comunidade arbitral pelo potencial de causar insegurança jurídica especialmente no que diz respeito à extensão do dever de revelação do árbitro.

Expectativas para 2023
As arbitragens societárias em geral devem continuar a ganhar tração, na esteira do esperado aquecimento do mercado de fusões e aquisições em 2023. Em particular, as disputas típicas de M&A (e.g., responsabilidade por contingências pré-aquisição, earn out, ajuste de preço etc.) tendem a manter o destaque que experimentaram nos últimos anos. Na mesma linha, com o projetado aumento dos investimentos públicos em áreas-chave para o desenvolvimento do país, as arbitragens de infraestrutura, particularmente aquelas com o poder público em matéria de parcerias público-privadas (PPPs), também devem ter destaque.

Esses temas têm em comum a interdisciplinaridade dos conflitos, a exigir dos advogados habilidade para navegar por temas de direito material (administrativo, societário, regulatório etc.) e temas técnicos (contabilidade, engenharia etc.), além de capacidade de coordenação de diferentes times especializados que trabalhem de forma organizada na construção do caso. Sem isso, mostra-se difícil entregar trabalhos à altura da crescente exigência dos clientes — os usuários da arbitragem — por qualidade técnica e profundidade de análise.

 


[1] A nova regra sobre composição dos tribunais arbitrais é reveladora da maturidade do mercado brasileiro de arbitragem, que conta com numeroso pool de árbitros(as) muito preparados(as) e está em sintonia com a tendência global de redução da importância (ou até de eliminação) das listas de árbitros.

[2] Veja-se, por todas, a decisão no REsp nº 1.959.435/RJ, pela qual a Terceira Turma, em acórdão da lavra da eminente ministra Nancy Andrighi, entendeu que nem mesmo a falência de uma contratante de uma cláusula compromissória é suficiente para afastar-se o princípio da kompetenz-kompetenz, atribuindo ao tribunal arbitral o dever de avaliar a viabilidade da instauração da arbitragem naquele caso.

Autores

  • é mestrando (LL.M.) na George Washington University Law School. Assistente de pesquisa de Charles N. Brower. Graduado e mestre em direito internacional pela Universidade Federal de Santa Catarina.

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