Opinião

O futuro pede desenvolvimento sustentável: notas sobre Direito Ambiental

Autores

  • Nathan Martin Wasserberg

    é advogado especialista em Direito Público pela Faculdade Metropolitana assessor técnico na Consultoria Jurídica da Secretaria do Desenvolvimento Econômico Sustentável de Santa Catarina presidente da Terceira Câmara Recursal e membro da Câmara Técnica de Assuntos Jurídicos do Conselho do Meio Ambiente de Santa Catarina e membro Consultivo da Comissão de Direito Ambiental da OAB/SC.

  • Maykon Fagundes Machado

    é advogado professor no curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) mestre em Ciência Jurídica (Univali) especialista em Jurisdição Federal (Esmafesc) e em Direito Ambiental pela Faculdade Cers vice-presidente da Comissão de Direito Público do Instituto dos Advogados de Santa Catarina (Iasc) vice-presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB Subseção de Itajaí-SC e membro da Comissão de Desenvolvimento e Infraestrutura da OAB/SC.

28 de dezembro de 2022, 14h11

Recentemente foi noticiado que a Advocacia-Geral da União (AGU) obteve decisão judicial autorizando a demolição de parte de empreendimentos localizados na orla da praia de Jurerê Internacional, em Florianópolis (SC). De acordo com a decisão da 6ª Vara Federal de Florianópolis, as construções consideradas irregulares, construídas após o ano de 2005, deverão ser demolidas até o próximo dia 18 de dezembro. Além disso, o juízo também estabeleceu o prazo de 30 dias para a AGU apresentar valores de multas e indenizações que serão cobradas em virtude da ocupação irregular [1]. As principais questões estão relacionadas com a supressão de vegetação de restinga e com a dificuldade de acesso à praia por parte da população.

Nesse contexto, sem adentrar nas minúcias relativas ao caso concreto e longe de exaurir o tema, o presente artigo pretende trazer reflexões sobre o importante e necessário diálogo entre o desenvolvimento socioeconômico e a manutenção do meio ambiente equilibrado em todas as suas formas.

É inegável que a ocupação humana impõe maiores impactos ambientais aos recursos naturais. A construção das cidades, a urbanização, o adensamento populacional acabam por afetar a fauna, a flora e principalmente os próprios elementos humanos [2]. Os recursos naturais não são inesgotáveis, de modo que as atividades econômicas não podem se desenvolver descoladas dessa realidade. É preciso que se busque a coexistência da preservação ambiental e do desenvolvimento econômico, de modo que um não anule o outro [3]. Não há espaço para extremismos ou concepções maniqueístas do fenômeno ambiental, especialmente quando o desenvolvimento sustentável está amparado por três pilares centrais: o econômico, o social e o ambiental [4].

Paulo Affonso Leme Machado chama a atenção para o fato de que, durante muito tempo, os aspectos ambientais foram desatendidos em detrimento dos aspectos econômicos, atribuindo a estes um peso muito maior do que àqueles. Segundo o autor, "a harmonização dos interesses em jogo não pode ser feita ao preço da desvalorização do meio ambiente ou da desconsideração de fatores que possibilitam o equilíbrio ambiental" [5].

O constituinte de 1988, atento a esses fatos, previu na nossa Lei Fundamental a possibilidade de se adotar uma série de mecanismos para mitigação desses impactos.

O artigo 225 da Constituição Federal, ao dispor sobre o meio ambiente ecologicamente equilibrado, prevê em seu §1º um extenso rol exemplificativo relativo aos deveres de proteção ambiental que, caso não observados, podem acarretar práticas inconstitucionais ou antijurídicas aptas a atrair responsabilização por danos causados [6].

Por sua vez, o artigo 170 do texto constitucional estabelece que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, deverá atender aos ditames da justiça social, impondo respeito ao princípio da defesa do meio ambiente (inciso VI).

Constata-se, portanto, que "caminham lado a lado a livre concorrência e a defesa do meio ambiente, a fim de que a ordem econômica esteja voltada à justiça social" [7]. Nessa ambiência, o ministro Edson Fachin, em voto na ADI 5.547, entendeu que essa disciplina:

"[…] conduz justamente à conformação do amálgama que busca adequar a proteção ambiental à justiça social, que, enquanto valor e fundamento da ordem econômica (CRFB, artigo 170, caput) e da ordem social (CRFB, artigo 193), protege, ao lado da defesa do meio ambiente, o valor social do trabalho, fundamento do Estado de Direito efetivamente democrático (artigo 1º, IV, da CRFB), e os objetivos republicanos de 'construir uma sociedade livre, justa e solidária'e 'erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais' (artigo 3º, I e III)".

Como bem pondera Celso Antônio Pacheco Fiorillo, para que haja um ponto de equilíbrio entre o desenvolvimento social, o crescimento econômico e a utilização dos recursos naturais, deve haver um adequado planejamento territorial que observe os limites da sustentabilidade, lançando mão dos instrumentos adequados, previstos na legislação em vigor [8].

O crescimento desordenado das cidades, a falta de controle preventivo por parte do poder público e o arcabouço legal muitas vezes confuso e aparentemente contraditório, comportando diversos entendimentos, acabou por trazer uma série de problemas e insegurança jurídica. Reflexo disso é a questão que envolvia a Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei federal nº 6.766, de 1979) e o "Novo Código Florestal" [9] (Lei federal nº 12.651, de 2012).

A Lei de Parcelamento do Solo Urbano previa uma faixa non aedificandi de no mínimo 15 metros de cada lado ao longo dos cursos hídricos, ao passo que o "Novo Código Florestal" prescrevia no mínimo 30 metros, o que levou a se autorizar a realização de obras em empreendimentos em patamar menor do que o previsto na norma ambiental.

Face às discussões acerca de qual legislação deveria ser observada, o STJ buscou resolver a controvérsia, ao julgar o Tema Repetitivo 1010, fixando a seguinte tese:

Na vigência do novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), a extensão não edificável nas Áreas de Preservação Permanente de qualquer curso d'água, perene ou intermitente, em trechos caracterizados como área urbana consolidada, deve respeitar o que disciplinado pelo seu artigo 4º, caput, inciso I, alíneas a, b, c, d e e, a fim de assegurar a mais ampla garantia ambiental a esses espaços territoriais especialmente protegidos e, por conseguinte, à coletividade.

Em evidente reação legislativa, o Congresso Nacional aprovou projeto de lei, posteriormente convertido na Lei federal nº 14.285, de 2021, que alterou o "Novo Código Florestal", atribuindo competência aos municípios para definir faixa marginal diferente da estabelecida no inciso I do caput do artigo 4º, desde que ouvidos os conselhos estaduais e municipais de meio ambiente [10]. Também foi alterada a redação do inciso XXVI do artigo 3º, que trata da área urbana consolidada.

Além disso, na Lei de Parcelamento do Solo Urbano foi suprimida a menção aos 15 metros (artigo 4º-A), harmonizando a redação ao que dispõe o "Novo Código Florestal".

Outro ponto envolve as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues, também consideradas áreas de preservação permanente (artigo 4º, VI, do "Novo Código Florestal"). A exemplo do caso citado no início deste artigo, muitos empreendimentos foram construídos sobre essas áreas, com ou sem anuência do poder público, e que posteriormente foram contestadas por entidades voltadas à proteção do meio ambiente e/ou pelos órgãos de controle, como Ministérios Públicos estadual e federal. Situações assim geram enorme insegurança jurídica a quem deseja empreender.

Recentemente ainda, uma nova construção de condomínio de luxo fora suspensa pela Justiça Federal em Florianópolis. A situação ocorrera no bairro Córrego Grande e tem por base um laudo de vistoria do Ibama que relata uma série de irregularidades para contenção de danos ambientais. Abaixo as declarações da prefeitura e da construtora, de acordo com o portal G1 [11]:

Construtora: "O Grupo D'Agostini esclarece que até o momento não recebeu nenhuma notificação judicial referente ao empreendimento Brisas da Ilha. A empresa se mantém à disposição de todos os órgãos competentes e seguirá cumprindo todas as decisões judiciais, prática exercida à risca pela empresa".

Prefeitura de Florianópolis: "A Prefeitura de Florianópolis, por meio da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, esclarece que a Floram autorizou regularmente o empreendimento Brisas da Ilha, no Córrego Grande, que apresentou todas as documentações necessárias para gerar a autorização. A instalação do projeto e supressão de vegetação são regulares, mediante compensação ambiental. Ressalta-se também que todas as características ambientais da área do loteamento foram rigorosamente avaliadas ao longo do processo de licenciamento ambiental. A área de intervenção não é considerada área de preservação permanente".

Cotidianamente se percebe que tais conflitos envolvendo a temática ambiental se repetem e as versões que emergem são as mais diversas e semelhantes possíveis. Há por vezes, e não obrigatoriamente nessa ordem,  omissão na fiscalização, boa-fé e má-fé do empreendedor, excessivo discurso protecionista ambiental, judicialização de demandas que poderiam ser resolvidas extrajudicialmente, os conflitos são os mais variados possíveis.

Caso semelhante ocorrera recentemente também no Paraná. A Justiça Federal do Paraná suspendeu licença de construção de resort, nos termos do apontado pelo Ministério Público Federal (MPF), que conclui [12]:

"Além das irregularidades já apontadas, a construção do resort vai de encontro a diversos documentos técnicos do ICMBio, contrários à implantação das estruturas do empreendimento em APP no interior da APA. A autorização do ICMBio é etapa necessária já que o imóvel está inserido integralmente na APA Federal de Ilhas e Várzeas do Rio Paraná".

A realidade é que tais impasses carecem de observância daquilo que já fora predito desde o Relatório Bruntdland de 1987, ou seja, a execução do conceito de Desenvolvimento Sustentável [13], esse que visa justamente equalizar [14] os anseios do desenvolvimento com a sustentabilidade.

Ademais, não se pode sopesar um desses valores como sendo de maior valor em detrimento de outro, por vezes assim ocorre, notadamente quando se analisa em uma visão transnacional esse dilema, entretanto chegar a uma convergência entre ambos os fatores nos parece ser a medida mais acertada, e para isso, não se pode haver ideologismos, é preciso compreender a versão divergente até que a convergência surja preponderantemente como sendo a definitiva e arrematadora solução do impasse.

O Direito Ambiental brasileiro, por fim, se debruça diuturnamente sobre tais temas cotidianos por intermédio de seus operadores técnicos e jurídicos, os quais merecem obviamente atenção, assim como as grandes discussões sobre mudanças climáticas e acordos internacionais, dentre outros temas de suma relevância.

Embora possam parecer temas comuns, se realmente estivessem estes superados, não se teria no noticiário tais manchetes conforme ora relatadas acima. Logo, o debate e a conscientização ambiental de desenvolvimento com sustentabilidade será sempre uma pauta recorrente, em nome de um futuro melhor.

 


[2] BRUNA, Gilda Collet; PHILIPPI JR, Arlindo. Políticas Públicas e Sustentabilidade no Meio Ambiente. In Direito ambiental e sustentabilidade, org. Arlindo Philippi Jr, Vladimir Passos de Freitas & Ana Luiza Spínola. Barueri: Editora Manole, 2016. E-book).

[3] FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 13ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 94.

[4] SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito Constitucional Ambiental: constituição, direitos fundamentais e proteção do ambiente. 3ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 54.

[5] MACHADO. Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 21ª ed. rev. atual. e ampl., de acordo com as Leis 12.651, de 25.5.2012 e 12.727, de 17.10.2012 e com o Decreto 7.830, de 17.10.2012. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 74.

[6] Ibid., p. 55.

[7] FIORILLO, op. cit., p. 95.

[8] FIORILLO, op. cit., p. 94.

[9] Utilizou-se as aspas pois, na verdade, não se trata de um código, como era na vigência da Lei federal nº 4.771, de 15 de setembro de 1965. No entanto, optou-se por manter a nomenclatura, em razão de ser assim muito referenciada.

[10] "Artigo 4º […]

§10. Em áreas urbanas consolidadas, ouvidos os conselhos estaduais, municipais ou distrital de meio ambiente, lei municipal ou distrital poderá definir faixas marginais distintas daquelas estabelecidas no inciso I do caput deste artigo, com regras que estabeleçam:

I – a não ocupação de áreas com risco de desastres;

II – a observância das diretrizes do plano de recursos hídricos, do plano de bacia, do plano de drenagem ou do plano de saneamento básico, se houver; e

III – a previsão de que as atividades ou os empreendimentos a serem instalados nas áreas de preservação permanente urbanas devem observar os casos de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental fixados nesta Lei".

[11] BIKEL, Diane; PACHECO John. Construção de condomínio de luxo é suspensa pela Justiça em Florianópolis; entenda. G1 Globo. Disponível em: https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2022/12/14/construcao-de-condominio-de-luxo-e-suspensa-pela-justica-em-florianopolis-entenda.ghtml

[12] DANTAS, Claudio. Justiça Federal suspende licença de construção de resort. O ANTAGONISTA. Disponível em: https://oantagonista.uol.com.br/brasil/justica-federal-suspende-licenca-de-construcao-de-resort-da-familia-toffoli/amp/. Acesso em: 18 dez. 2022.

[13] "O desenvolvimento sustentável é o maior desafio do século 21. A pauta da cidade é, no planeta urbano, de maior importância para todos os países, pois: a) dois terços do consumo mundial de energia advêm das cidades, b) 75% dos resíduos são gerados nas cidades e c) vive-se um processo dramático de esgotamento dos recursos hídricos e de consumo exagerado de água potável. A agenda Cidades Sustentáveis é, assim, desafio e oportunidades únicas no desenvolvimento das nações". LEITE, Carlos; AWAD, Juliana di Cesare Marques. Cidades sustentáveis, cidades inteligentes: desenvolvimento sustentável num planeta urbano. Porto Alegre: Bookman, 2012, p. 8.

[14] "[…] a necessidade de conciliar desenvolvimento econômico com a proteção ao meio ambiente está de forma adequada expressa no conceito de desenvolvimento sustentável". BOSSELMANN, Klaus. Princípio da Sustentabilidade: transformando direito e governança. Tradução de Phillip Gil França. São Paulo: Revista dos tribunais, 2015. p. 96.

Autores

  • é advogado, especialista em Direito Público pela Faculdade Metropolitana, assessor técnico na Consultoria Jurídica da Secretaria do Desenvolvimento Econômico Sustentável de Santa Catarina, presidente da Terceira Câmara Recursal e membro da Câmara Técnica de Assuntos Jurídicos do Conselho do Meio Ambiente de Santa Catarina e membro Consultivo da Comissão de Direito Ambiental da OAB/SC.

  • é advogado, professor no curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), mestre em Ciência Jurídica (Univali), especialista em Jurisdição Federal (Esmafesc) e em Direito Ambiental pela Faculdade Cers, vice-presidente da Comissão de Direito Público do Instituto dos Advogados de Santa Catarina (Iasc), presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB Subseção de Itajaí-SC e membro da Comissão de Desenvolvimento e Infraestrutura da OAB/SC.

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