Retrospectiva 2022

As eleições presidenciais deste ano na perspectiva da advocacia

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27 de dezembro de 2022, 17h21

Os livros de História, de Direito e sociologia, por anos, tentarão explicar aos brasileiros, de hoje e do futuro, o que representou o ano que finda. O ano em que se legitimou a relativização de direitos para que a democracia não fosse suprimida no Brasil. O tema não é tão novo. Platão arguiu na defesa da razão. Karl Popper, em A Sociedade Aberta e seus Inimigos. Em nenhum outro campo a luta contra a perversão da democracia brasileira ficou tão clara quanto no Direito Eleitoral.

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Por mais simples que a teoria faça parecer essa equação, a implementação do Direito, em tempos passionais como o que vivemos este ano, não tem nada de corriqueiro — até porque desbordou o terreno jurídico.

Juntamente com o ex-ministro Eugenio Aragão — e com os colegas dos nossos respectivos escritórios — abraçamos o desafio de trabalhar nos processos da campanha do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva que tramitaram no TSE durante a campanha presidencial.

O desfecho desses processos, bem como a atuação pronta e eficiente do TSE — sob a presidência do ministro Alexandre de Moraes — estão, a meu ver, dentre os principais acontecimentos jurídicos deste ano de 2022 e, pelo menos, da década. Foram fundamentais para garantir a manutenção da democracia no país.

No "chão da fábrica", sob a perspectiva da advocacia, avaliamos desde o início que somente seria possível desenvolver um trabalho eficiente e com resultados para a campanha presidencial se tivéssemos uma atuação multidisciplinar no âmbito do Direito e suporte em outras áreas do conhecimento, em especial de especialistas na área digital. Essa forma de atuação, aliás, é por nós defendida há muito tempo, sobretudo naquilo que definimos em nosso escritório como "casos ou litígios decisivos" envolvendo empresas, instituições e pessoas.

Com efeito, havia muitos sinais de que a campanha presidencial de 2022 seria utilizada pelos adversários do presidente Lula para tentar rediscutir — indevidamente — as vitórias que obtivemos em seu favor perante os tribunais brasileiros e perante o Comitê de Direitos Humanos da ONU. Tais vitórias deixaram Lula livre de uma avalanche de investigações e processos sem qualquer materialidade que fizeram parte do lawfare praticado pela "lava jato" contra Lula, assim entendido como o "uso estratégico do Direito para fins de deslegitimar, prejudicar ou aniquilar um inimigo" (MARTINS, Cristiano Zanin; MARTINS, Valeska Teixeira Zanin; VALIM, Rafael. Lawfare: uma introdução. Coimbra: Almedina, 2020. p. 77).

Também era certo o uso massivo de fake news e de desinformação durante o processo eleitoral, o que efetivamente veio a ocorrer, como é público e notório.

Para enfrentar esse cenário desafiador tínhamos, de um lado, o pleno controle de todo o legado jurídico construído no enfrentamento do lawfare contra Lula. Afinal, todas as decisões proferidas pelas cortes brasileiras e pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU foram fruto do trabalho desenvolvido com minha sócia e esposa, Valeska Zanin Martins, e com nossos colegas de escritório juntamente com Geoffrey Robterson, QC, na defesa técnica do presidente Lula.

De outro lado, a partir de uma parceria com a empresa AM4, nosso escritório passou a monitorar os fatos mais relevantes que estavam acontecendo nas redes sociais. Passamos a ter condições de identificar um padrão de comportamento nesse ambiente digital que seria muito útil para as ações e outras providências jurídicas que iríamos desenvolver. Esse domínio tornou-se ainda mais sólido a partir da interação com a estrategista digital Brunna Rosa e sua equipe, que desde a pré-campanha passaram a fazer o monitoramento das redes sociais e a criar "vacinas" para enfrentar as fake news e as desinformações espalhadas nas redes sociais contra Lula. Também nessa área digital houve a contribuição fundamental do casal de professores universitários Fernanda Sarkis e Marcus Nogueira, que desenvolveram um trabalho baseado na "cartografia da controvérsia". Sarkis e Nogueira, em última análise, passaram a analisar o comportamento em redes dos adversários do presidente Lula e de pessoas a eles relacionadas — categorizando a atuação de cada um desses perfis.

Foi com essa estrutura que, no ritmo intenso dos acontecimentos e dos prazos eleitorais, atuamos em mais de 500 processos no TSE, a maior parte deles (cerca de 300) no polo ativo (a Coligação Brasil da Esperança ou a campanha do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva como autora da demanda).

Dentre essas ações estão oito Aijes (Ações de Investigação Eleitoral), com destaque para uma delas em que tratamos do "ecossistema da desinformação". Nesta última ação, com lastro em um parecer técnico elaborado por Fernanda Sarkis e Marcus Nogueira, mostramos de forma sistemática como ocorreu a produção e a disseminação das fake news e da desinformação a partir de três categorias de perfis vinculados aos opositores do presidente Lula nas redes.

Também mantivemos uma linha de diálogo permanente com as principais plataformas digitais, como YouTube, Meta e WhatsApp. As reuniões que fizemos permitiram entender, ao menos em parte, os critérios adotados para a exclusão ou manutenção de conteúdo e de contas, bem como abriram um canal direto para que pudéssemos levar situações claras de violação à legislação ou às políticas dessas plataformas digitais objetivando a derrubada de conteúdo sem a necessidade de intervenção judicial.

O TSE, por seu turno, analisou em tempo exíguo e eficaz a maior parte das demandas que levamos à corte. Foram diversos julgamentos telepresenciais e alguns presenciais que permitiram ao tribunal emitir decisões relevantes e paradigmáticas. Aliás, o TSE, para conferir ainda maior efetividade às suas decisões no campo do combate às fake news e à desinformação, celebrou acordos com as plataformas digitais, constituiu grupos internos de trabalho e editou atos normativos ao longo do processo eleitoral que permitiram a exclusão de conteúdos indevidos em tempo menor e com maior alcance.

A atuação eficiente da Justiça Eleitoral brasileira no pleito presidencial de 2022 no combate às fakes news e da desinformação, além de ter sido fundamental para assegurar a democracia no país, certamente servirá de paradigma para as eleições que serão realizadas inclusive em outros países nos próximos anos. Participar desse momento tão relevante da democracia e da Justiça na perspectiva da advocacia, com colegas tão qualificados e com um ferramental inovador, foi algo marcante e gratificante.

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