Opinião

Potenciais modificações a serem implementadas na Lei nº 14.300/2022

Autores

  • Bianca Bez

    é doutoranda em Análise Econômica do Direito (UFSC) mestre em Análise Econômica do Direito (UFSC) professora de processo civil da graduação em Direito (Cesusc) presidente da Comissão de AED da OAB-SC e advogada com ênfase em resolução de disputas e Energia do BBL Advogados.

  • Bruno Kreszow

    é advogado de Resolução de Disputas no BBL Advogados. Bacharel em Direito pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

16 de dezembro de 2022, 11h13

Muito se tem falado no setor de energia acerca do Projeto de Lei nº 2.703/2022, aprovado pela Câmara dos Deputados no dia 6 de dezembro e que, agora, aguarda análise pelo Senado. Basicamente, o PL objetiva alterar a Lei nº 14.300/2022 "para acrescentar seis meses ao prazo em que pode ser protocolada solicitação de acesso na distribuidora sem que sejam aplicadas novas regras tarifárias" para a micro e minigeração distribuída de energia elétrica e, ainda, modificar a Lei nº 14.182/2021 com a finalidade de "permitir a contratação de parcela da potência destinada à região Centro-Oeste a partir de novas centrais hidrelétricas de até 50MW".

Mas, não é só. O projeto de lei em comento também altera outras normas previstas sobretudo na Lei nº 14.300/2022. Com o propósito de melhor visualizar e entender estas possíveis modificações, preparamos a seguinte tabela comparativa:

Atual Redação da Lei nº 14.300/22

Como ficará a redação após o PL 2.703/22

O que isso significa?

Art. 1º, XIII – minigeração distribuída: central geradora de energia elétrica renovável ou de cogeração qualificada que não se classifica como microgeração distribuída e que possua potência instalada, em corrente alternada, maior que 75 kW (setenta e cinco quilowatts), menor ou igual a 5 MW (cinco megawatts) para as fontes despacháveis e menor ou igual a 3 MW (três megawatts) para as fontes não despacháveis, conforme regulamentação da Aneel, conectada na rede de distribuição de energia elétrica por meio de instalações de unidades consumidoras;

Art. 1º, XIII – minigeração distribuída: central geradora de energia elétrica renovável ou de cogeração qualificada que não se classifica como microgeração distribuída e que possua potência instalada, em corrente alternada, maior que 75 Kw (setenta e cinco quilowatts), menor ou igual a 5 MW (cinco megawatts) para as fontes despacháveis e menor ou igual a 3 MW (três megawatts) para as fontes não despacháveis, e central hidrelétrica de até 30 MW (trinta megawatts) caracterizada como Pequena Central Hidrelétrica (PCH) cuja autorização tenha sido outorgada a partir da vigência deste dispositivo, conforme regulamentação da Aneel, conectada na rede de distribuição de energia elétrica por meio de instalações de unidades consumidoras;

Ampliação do conceito de minigeração distribuída, com inclusão de Pequenas Centrais Hidreléticas com até 30 MW instalada.

Art. 12, § 4º – O consumidor-gerador titular da unidade consumidora onde se encontra instalada a microgeração ou minigeração distribuída pode solicitar alteração dos percentuais ou da ordem de utilização dos excedentes de energia elétrica ou realocar os excedentes para outra unidade consumidora do mesmo titular, de que trata o § 1º deste artigo, perante a concessionária ou permissionária de distribuição de energia elétrica, e esta terá até 30 (trinta) dias para operacionalizar o procedimento.

Art. 12, § 4º – O consumidor-gerador titular da unidade consumidora onde se encontra instalada a microgeração ou minigeração distribuída pode solicitar alteração dos percentuais ou da ordem de utilização dos créditos de energia elétrica ou realocar os créditos para outra unidade consumidora do mesmo titular, de que trata o § 1º deste artigo, perante a concessionária ou permissionária de distribuição de energia elétrica, e esta terá até 30 (trinta) dias para operacionalizar o procedimento.

Alteração na redação, com substituição do termo excedente de energia elétrica, para crédito de energia elétrica. Tem-se que o termo melhor se adéqua à finalidade da norma em consideração ao conceito de crédito de energia disposto no inciso VI do art. 1º da Lei n. 14.300 (“crédito de energia elétrica: excedente de energia elétrica não compensado por unidade consumidora participante do SCEE no ciclo de faturamento em que foi gerado, que será registrado e alocado para uso em ciclos de faturamento subsequentes, ou vendido para a concessionária ou permissionária em que está conectada a central consumidora-geradora”)

 

Art. 18. Fica assegurado o livre acesso ao sistema de distribuição para as unidades com microgeração ou minigeração distribuída, mediante o ressarcimento, pelas unidades consumidoras com minigeração distribuída, do custo de transporte envolvido.

 

Parágrafo único. No estabelecimento do custo de transporte, deve-se aplicar a tarifa correspondente à forma de uso do sistema de distribuição realizada pela unidade com microgeração ou minigeração distribuída, se para injetar ou consumir energia.

Art. 18. Fica assegurado o livre acesso ao sistema de distribuição para as unidades com microgeração ou minigeração distribuída, mediante o ressarcimento do custo de transporte envolvido respeitado o disposto nos arts. 17, 26 e 27 desta Lei.

 

Parágrafo único. No estabelecimento do custo de transporte da unidade com minigeração distribuída, deve-se aplicar a tarifa correspondente à forma de uso do sistema de distribuição realizada pela unidade, se para injetar como geração ou consumir energia como carga, respeitado, nesse caso, o disposto nos arts. 17, 26 e 27 desta Lei.

Incluídas ressalvas sobre o período de transição em relação à acessibilidade das unidades minigeradoras e microgeradoras ao sistema de distribuição.

 

 

Art. 26, II – que protocolarem solicitação de acesso na distribuidora em até 12 (doze) meses contados da publicação desta Lei.

Art. 26, II – que protocolarem solicitação de acesso na distribuidora em até 18 (dezoito) meses contados da data de publicação desta Lei, observado que no caso da minigeração a partir de central hidrelétrica de até 30 MW (trinta megawatts) caracterizada como PCH, esse prazo deverá ser de até 30 (trinta) meses.

Ampliação de 6 meses no prazo para protocolo de solicitações de acesso.

Art. 26, § 1º, II, b – considerar a tarifa correspondente à forma de uso do sistema de distribuição realizada pela unidade com microgeração ou minigeração distribuída, se para injetar ou consumir energia, na forma do art. 18 desta Lei, após a revisão tarifária da distribuidora subsequente à publicação desta Lei.

Art. 26, § 1º, II, b – considerar a tarifa correspondente à forma de uso do sistema de distribuição realizada pela unidade com minigeração distribuída, se para injetar ou consumir energia, na forma do art. 18 desta Lei, imediatamente após a publicação desta Lei.

Exclusão da revisão tarifária sobre o faturamento da demanda no Grupo A.

Inclusão.

Art. 26, § 1º-A O início da transição prevista no art. 27 desta Lei somente ocorre após transcorrido o prazo previsto no inciso II do caput deste artigo, e mediante apresentação em audiência pública pela Aneel dos cálculos de custos e benefícios da geração distribuída, observado que, na ausência da apresentação desses cálculos, após o término do prazo previsto no inciso II do caput deste artigo, incrementa-se 1 (um) mês na regra prevista no referido dispositivo para protocolo de solicitação de acesso na distribuidora a cada mês de atraso da Aneel.

 

§ 2º As disposições deste artigo deixam de ser aplicáveis quando ocorrer, a partir do prazo estipulado no § 1º-A deste artigo:

 

III – na parcela de aumento da potência instalada da microgeração ou minigeração distribuída cujo protocolo da solicitação de aumento ocorra a partir do cumprimento do disposto no § 1º-A deste artigo.

Prorrogação do início do período de transição para 06.07.2023, condicionada à apresentação dos cálculos dos custos e benefícios da geração distribuída pela Aneel.

Art. 27. O faturamento de energia das unidades participantes do SCEE não abrangidas pelo art. 26 desta Lei deve considerar a incidência sobre toda a energia elétrica ativa compensada dos seguintes percentuais das componentes tarifárias relativas à remuneração dos ativos do serviço de distribuição, à quota de reintegração regulatória (depreciação) dos ativos de distribuição e ao custo de operação e manutenção do serviço de distribuição:

 

I – 15% (quinze por cento) a partir de 2023;

II – 30% (trinta por cento) a partir de 2024;

III – 45% (quarenta e cinco por cento) a partir de 2025;

IV – 60% (sessenta por cento) a partir de 2026;

V – 75% (setenta e cinco por cento) a partir de 2027;

VI – 90% (noventa por cento) a partir de 2028;

VII – a regra disposta no art. 17 desta Lei a partir de 2029.

 

Art. 27. O faturamento de energia das unidades participantes do SCEE não abrangidas pelo art. 26 desta Lei deve considerar a incidência sobre toda a energia elétrica ativa compensada, exclusivamente das componentes tarifárias relativas à remuneração dos ativos do serviço de distribuição, à quota de reintegração regulatória dos ativos de distribuição e ao custo de operação e manutenção do serviço de distribuição, nos seguintes percentuais:

 

I – 15% (quinze por cento) a partir de 2024;

II – 30% (trinta por cento) a partir de 2025;

III – 45% (quarenta e cinco por cento) a partir de 2026;

IV – 60% (sessenta por cento) a partir de 2027;

V – 75% (setenta e cinco por cento) a partir de 2028;

VI – 90% (noventa por cento) a partir de 2029;

VII – a regra disposta no art. 17 desta Lei a partir de 2030.

Prorrogação de um ano no período de transição sobre o percentual cobrado à título de remuneração sobre os custos de manutenção do serviço de distribuição aos integrantes da geração distribuída.

 

 

 

É notório que, a despeito das demais alterações, o ponto mais relevante deste projeto de lei — que teve diversas incursões ao longo da sua tramitação pela Câmara dos Deputados — é a prorrogação do prazo concedido ao consumidor para adesão à geração distribuída gozando das regras tarifárias mais benéficas.

Importante lembrar que, em sua gênese, esta era a única alteração proposta na redação original enviada pelo deputado Celso Russomano. Inicialmente, a prorrogação seria de 12 meses contados do dia 6/1/2023, enquanto no atual projeto submetido ao Senado Federal esta extensão foi reduzida para seis meses, ou seja, até 6/7/2023.

Mas afinal, o que justifica esta prorrogação? Os defensores do projeto de lei argumentam que a Aneel não cumpriu com o prazo para regulamentar a Lei nº 14.300/2022, bem como as distribuidoras deixaram de realizar as adequações necessárias e implementações imediatas previstas em lei. O prazo para regulamentar a Lei nº 14.300/2022 escoou em 7/7/2022, na forma do seu artigo 30.

E, neste ponto, não há o que contra-argumentar. De fato, a Aneel não regulamentou as disposições da lei no prazo determinado. Não por outro motivo, a Consulta Pública nº 51/2022 foi instaurada com voto de diretor da agência esclarecendo quais dispositivos possuem eficácia imediata e quais seriam submetidos à consulta pública.

Este vácuo regulatório teria gerado diversas dificuldades na implementação de projetos de geração distribuída no último ano e, aos olhos de quem defende o projeto de lei, a prorrogação seria apenas uma forma de restabelecer o prazo concedido na própria norma.

De se reparar ainda a notória redução da prorrogação de 12 para seis meses. Isto é fruto das intensas negociações que ocorreram nos últimos dias, principalmente para que o PL 2.703/2022 fosse pautado com urgência e aprovado — o que só ocorreria se houvesse possibilidade de aprovação sem grandes contestações.

Então, se a Aneel e as distribuidoras descumpriram com o prazo para adequarem-se ao marco legal da geração distribuída, cuja difusão tende a aumentar a produção de energia renovável, o que alegam aqueles contrários ao projeto de lei em comento?

Em síntese, os representantes das distribuidoras argumentam que não houve descumprimento da Lei nº 14.300/2022 e trazem números — sem apresentarem fontes efetivamente confiáveis — de modo a contrastar com as alegadas dificuldades relatadas por integrantes de grupos vinculados à geração distribuída quanto à existência de barreiras impostas aos novos pedidos de conexão.

Mas, além disso, o principal argumento trazido pela Aneel e pelas distribuidoras é no sentido de que a prorrogação dos subsídios tarifários geraria um aumento desproporcional na conta de luz dos consumidores não integrantes da geração distribuída. Nas linhas expostas pela agência e distribuidoras, os custos que compõem a conta de luz, como manutenção do sistema de distribuição e os ônus tarifários gerariam encargos direcionados apenas aos consumidores mais vulneráveis, aqueles que não possuiriam condições de aderir à geração distribuída.

Contudo, isto somente será possível se aferir após a apresentação em audiência pública pela Aneel dos cálculos de custos e benefícios da geração distribuída. Sem os dados e transparência necessários, o debate se esvazia a "achismos" e prognósticos parciais.

E, apesar dos argumentos dissonantes entre aqueles que apoiam o Projeto de Lei nº 2.703/2022 e aqueles que se posicionam contrários à sua sanção, fato irremediável é que cabe à Aneel, com urgência, regulamentar a Lei nº 14.300/2022. Cenários de incerteza e de insegurança jurídicas e regulatórias tendem a fomentar condutas e ações arriscadas pelos atores que atuam no mercado, descumprimentos legais passam a ser vistos como possíveis — para não dizer vantajosos — e aquilo que deveria ser cumprido perde seu valor perante a sociedade.

Portanto, é importante que o setor retome o espírito conciliador que norteou a elaboração da Lei nº 14.300/2022 para que, uma vez apresentados os reais impactos da geração distribuída na conta do consumidor, sejam adotadas as medidas necessárias a compensar as frustrações decorrentes deste cenário caótico. Vale lembrar que ambos os lados e interesses estão atrelados, são faces da mesma moeda e de nada valerá o ganho de tempo se a inércia do órgão regulador acabar se perpetuando.

Autores

  • é mestranda em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), especialista em Direito Público e membro da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE).

  • é advogado de Resolução de Disputas no BBL Advogados. Bacharel em Direito pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

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