'Minha gestão pretende dar muita atenção à tecnologia', diz presidente do TRF-6
11 de dezembro de 2022, 9h36
O Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6) foi instalado em agosto deste ano, após um desmembramento do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). Com o desmembramento, o TRF-6 se tornou o responsável pelos processos da Justiça Federal que tramitam em Minas Gerais. A corte surgiu com a proposta de ser um órgão judicial tecnológico e mais próximo da população. E é simbólico que seja liderada por uma mulher, e por uma mineira. É o que afirma Mônica Sifuentes, a primeira presidente do tribunal, em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico.
Durante a entrevista, Mônica citou outras mulheres que têm sido responsáveis pelo início das atividades do tribunal. Ela também relatou a preocupação do TRF-6 com questões como a consciência negra e as pessoas que vivem em situação de rua.
A presidente elencou desafios que surgiram com a instalação da corte, como a criação de cargos na segunda instância, em detrimento do primeiro grau, que teve reduzido o seu quadro de servidores. Houve a perda de cargos comissionados e a mudança de funções, o que foi solucionado com a criação de setor de acolhimento dos servidores e de um banco de talentos para a escolha dos ocupantes dos novos cargos.
"Criou-se uma situação difícil de administrar. Trouxe um problema até social. No tocante à migração de processos do TRF-1, tivemos grandes problemas. Vieram 175 mil processos para 16 desembargadores. Tudo isso estava represado. Hoje, cada gabinete tem, em média, 12 mil processos", calcula.
Mônica diz que a instalação do TRF-6 ocorreu "sem muitos custos", mas havia gastos que não poderiam ser evitados, como energia elétrica. Ela acredita que faz parte da missão do Judiciário tornar o processo judicial menos custoso para o Estado e para o cidadão.
"Quando nós investimos em tecnologia, em processo digital, inteligência artificial, cortamos várias etapas desse processo. A nossa tendência é reduzir custos de energia elétrica, custos de pessoal, custos de material físico, material de uso comum. Otimizar recursos utilizando criatividade e também melhor o material humano que nós temos, o nosso servidor, para que ele execute tarefas que não possam ser executadas pela máquina."
O TRF-6 tem funcionado apenas com sessões de julgamento presenciais, conforme orientação do Conselho Nacional da Justiça (CNJ), mas a ideia é que em 2023 passem a ocorrer sessões virtuais. "É importante que a Justiça apresente a sua faceta para a população, para que as pessoas vejam que existe Justiça no local e que essa Justiça não é a 'Justiça telemarketing, aperte 'um' para sentença, aperte 'dois' para agravo. Ao mesmo tempo, acho que nós vamos evoluir para como funciona hoje o Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal em alguns julgamentos, principalmente julgamentos repetitivos de ações."
Nascida em Minas Gerais, Mônica Sifuentes iniciou a carreira judicial em 1992, no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJ-MG). Ela mudou-se no ano seguinte para Brasília ao ingressar na magistratura federal, e agora retornou ao estado natal após quase duas décadas.
A magistrada rebateu as críticas feitas à criação do TRF-6, por ser responsável pela Justiça Federal de apenas um estado. Ela defendeu a existência da corte devido à extensão e à importância econômica de Minas Gerais. E a sua meta é trabalhar o espírito colaborativo que tem sentido no tribunal. "Além de ser mulher, antes de tudo, sou mineira. Se na minha gestão eu conseguir que essa chama continue acesa entre as pessoas, eu já vou me dar por bastante satisfeita."
Leia a seguir a entrevista, produzida para a próxima edição do Anuário da Justiça Federal, que será lançada no início de 2023:
ConJur — Como tem sido este início de TRF-6? Qual a expectativa da senhora sobre a atuação do tribunal?
Mônica Sifuentes — Nada é fácil no início, ainda mais criar um tribunal que nasce em uma situação bastante difícil. O planejamento era iniciar o tribunal sem custos, e eu digo "sem muitos custos", porque é claro que sempre há custos, até para ter água, luz…
Nós iniciamos com a transformação de cargos de juiz substituto para cargos de desembargador. Subiram servidores do primeiro grau para o tribunal e, com isso, o primeiro grau ficou com carência de servidores. Os desafios iniciais foram fazer essa equação de criar o tribunal e montar estrutura física com tudo: salas de sessão (de julgamento), salas de audiência, colocar cada servidor na sua função. Grande parte do nosso quadro perdeu as funções comissionadas.
Criou-se uma situação difícil de administrar, que é o servidor perder a função à qual já estava acostumado. Isso trouxe um problema até social para a gente, de como equalizar isso, como fazer com que o servidor se sentisse bem nessa situação. A esperança era que isso viria a se normalizar em um futuro próximo e, de fato, aconteceu. Administramos a situação e eu diria que hoje essa situação, se não está ideal, está sob controle. A questão principal foi de pessoal, material humano.
No tocante à migração de processos do TRF-1, tivemos grandes problemas. Vieram 175 mil processos para 16 desembargadores. Obviamente, a presidente e o vice-presidente (Vallisney Oliveira) não recebem distribuição em face das atividades administrativas. Nós só recebemos admissibilidade de recursos especial e extraordinário. E só de admissibilidade vieram 16 mil processos. Tudo isso estava represado no TRF-1. Tivemos esse trabalho de estruturar as sessões do tribunal, turmas, divisão de competência. Tivemos de fazer um estudo para ver numericamente como ficaria essa distribuição de forma a fazer com que os gabinetes dos desembargadores fossem equilibrados em número de processos. Nós conseguimos fazer essa matemática. Hoje, cada gabinete tem, em média, 12 mil processos.
Tivemos de fazer o nosso regimento interno, aprovamos em prazo recorde. São atividades estruturantes do tribunal. Optamos por fazer as sessões presenciais, cumprindo a determinação do CNJ. A gente tem de fazer um planejamento para acomodar os desembargadores na sala de sessão. Foram essas as dificuldades, mas, ao mesmo tempo, já conseguimos muita coisa. Prova disso é que o tribunal já está funcionando, as sessões já estão ocorrendo, os processos já estão tramitando. Então temos muito o que comemorar neste final de ano.
ConJur — Em relação ao material humano, houve muito diálogo para os servidores entenderem as necessidades com a criação do tribunal?
Mônica Sifuentes — No setor de pessoal, a diretora (da Secretaria de Gestão de Pessoas), a doutora Andreia (Silva Rego), teve uma sensibilidade muito grande nisso. Ela formou uma comissão com a doutora Bene (Zaete Galdino Freitas), que é a minha chefe de assessoria. A doutora Bene começou a entrevistar os servidores para ver as aptidões de cada um. Nós fizemos um banco de talentos. Os servidores que queriam ocupar determinada função no tribunal mandavam o currículo.
Foi um quebra-cabeças. Aproveitamos praticamente todos do primeiro grau que vieram. Alguns poucos servidores eu trouxe de Brasília para auxiliar, porque o servidor daqui, da Seção Judiciária de Belo Horizonte, não tinha esse conhecimento de processamento do feito em segundo grau.
ConJur — O TRF-6 lamentou recentemente o ataque sofrido pela ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal. E o tribunal nasceu sob a presidência de uma mulher. Qual a importância de haver mais espaço para as mulheres no Judiciário? E como esse tema tem sido trabalhado no TRF-6?
Mônica Sifuentes — Nosso tribunal nasce presidido por uma mulher, o que eu acho que simbolicamente é muito significativo, o primeiro tribunal criado no século 21 e já nasceu com essa concepção.
Acho que é um incentivo e um estímulo para que outras mulheres, principalmente juízas, aspirem a cargos de direção. Porque na nossa carreira da magistratura, as mulheres geralmente estão conseguindo alcançar a base, mas nunca o topo, nunca os tribunais superiores. Esse ataque à ministra Cármen Lúcia foi um exemplo. Obviamente, nós aqui, em um tribunal presidido por uma mulher e com tantas mulheres, tínhamos de manifestar nosso apoio.
Do mesmo modo, fizemos um evento na escola (de magistratura federal do TRF-6) que instalamos no tribunal para comemorar a consciência negra. Foi o primeiro evento da escola e o primeiro evento cultural. Teve a participação da desembargadora aposentada Neusa Alves da Silva, que é negra, da juíza federal Mara Lina Carmo e do juiz federal Gregório Carlos dos Santos, que é nosso juiz auxiliar. Foi um evento muito bonito. Bastante tocante ouvir a experiência da desembargadora Neusa.
Esses dois pontos são a marca do que a gente pretende emprestar nessa gestão. E eu falo que é uma gestão que pretende dar muita atenção à tecnologia. A gente está querendo muito que esse tribunal seja totalmente digital, que ele utilize as ferramentas à disposição para a gente poder fazer uma prestação jurisdicional que seja de qualidade, mas ao mesmo tempo mais célere para população aqui de Minas. Administrar bem esse paradoxo da sociedade moderna: tecnologia versus apoio humano, que é o que está acontecendo na sociedade em geral.
Nós estamos ficando cada vez mais tecnológicos e com cada vez menos atenção ao ser humano. A pandemia mostra isso. Começamos a trabalhar em casa. Ao final das contas, produziu-se muito. Ao mesmo tempo, houve vários servidores com problemas de depressão, com problemas de excesso de trabalho, longas exposições à frente do computador. E sentindo falta desse convívio com os colegas, com o ambiente de trabalho.
Como corregedora (regional do TRF-1), tive a oportunidade de visitar as Sessões Judiciárias do norte do país e vi isso. Prédios inteiros vazios, sem a presença humana. Então acho que o segredo nosso vai ser conjugar essas duas coisas, tentar criar um ambiente de trabalho harmônico, e eu falo que isso também é ser defensora do meio ambiente. O meio ambiente ecologicamente equilibrado não diz respeito apenas a economia de recursos, economia de luz, de papel, mas é também criar um meio ambiente de trabalho equilibrado para o servidor. Então, é dar apoio psicológico, apoio de treinamento para que ele se transforme também em uma pessoa melhor, não só que ele produza mais. É equilíbrio psicológico, mental, de saúde para produzir coisas de boa qualidade.
ConJur — Está sendo desenvolvida uma plataforma para que ocorram sessões de julgamento por videoconferência na corte? O futuro pode ser um caminho híbrido, equilibrando o trabalho remoto com o presencial?
Mônica Sifuentes — É uma questão delicada, nós temos de obedecer o comando do CNJ. A minha opinião é que nós vamos continuar fazendo sessões presenciais porque a presença física do juiz na comarca, na sessão judiciária, e também no tribunal, é importante para que a Justiça apresente a sua faceta à população, para que as pessoas vejam que existe Justiça no local e que essa Justiça não é a "Justiça telemarketing", aperte "um" para sentença, aperte "dois" para agravo. Não é essa a Justiça que nós queremos. Mas, ao mesmo tempo, acho que nós vamos evoluir para julgamentos também virtuais. É como funciona hoje o Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal em alguns julgamentos, principalmente julgamentos repetitivos de ações.
ConJur — Mas existe a possibilidade de o julgamento virtual ser implantado no TRF-6?
Mônica Sifuentes — Estamos trabalhando para isso. Agora que foi feita a migração dos processos do TRF-1 para o TRF-6, nós estamos fazendo o planejamento para o ano que vem para a utilização dessas ferramentas.
ConJur — O PJE já está funcionando?
Mônica Sifuentes — Já está em andamento, inclusive o sistema de pagamento, que são as famosas RPVs (requisições de pequeno valor, para pagamento de recursos pelo Estado ao cidadão após condenações judiciais). Nós já estamos com cinco mil RPVs no sistema.
No início, tivemos alguns problemas, mas agora já estamos regularizando tudo. Não posso dizer que estão totalmente regularizados, porque o PJE ainda é um sistema que para nós está instável, mas estamos trabalhando nesse aperfeiçoamento.
ConJur — A senhora recentemente falou na ideia de tornar o TRF-6 um tribunal com uma linguagem mais fácil de ser entendida pela população. Como pretende alcançar esse objetivo?
Mônica Sifuentes — Isso tem sido discutido, essa nossa interlocução com a sociedade por meio das mídias sociais. A doutora Christianne (Callado de Souza, chefe da Assessoria de Comunicação Social) é a responsável por isso, dividir o que é apresentado no nosso site, o que é apresentado no Instagram, nessas redes sociais, principalmente informações que sejam úteis para o cidadão, para o advogado.
Também agora nos engajamos na proposta do CNJ (de favorecer o acesso das pessoas em situação de rua à Justiça). A desembargadora Luciana Pinheiro é a nossa representante na questão dos moradores de rua. Somos parceiros desse projeto com o CNJ e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
Nós estamos com o nosso laboratório de inovação, estamos desenvolvendo um projeto para aperfeiçoar o nosso sistema de linguagem para que ela seja compreensível às pessoas em geral. A nossa linguagem jurídica ainda é muito truncada, muitas vezes é difícil para a pessoa entender o famoso juridiquês.
ConJur — O tribunal foi criado para que haja maior foco nas demandas de Minas Gerais, com julgadores mais próximos da realidade mineira. Quais as peculiaridades das demandas do estado? Como podemos compará-las com as demandas que chegam ao TRF-1?
Mônica Sifuentes — Nós temos uma demanda grande de processos previdenciários. Foi, inclusive, uma das razões que fizeram com que se chamasse a atenção para a necessidade da criação de um tribunal aqui. Recebemos uma carga de aproximadamente 40% dos processos que estavam em tramitação no TRF-1. Eram processos de Minas Gerais e pelo menos 70% deles eram de natureza previdenciária. Esperamos que essa tramitação seja agilizada.
Há também uma grande demanda de processos de natureza ambiental em face da quantidade de mineradoras em Minas, arguição de danos ao meio ambiente. Por estarmos aqui, com um olhar atento a essas causas, acredito que vamos ter repercussão na proteção ao meio ambiente. É um ponto bastante sério e que deve ser bem colocado dentro das nossas atribuições.
Há também a questão criminal. Nós temos visto o aumento do número de casos de tráfico internacional que passam aqui pelo Aeroporto de Confins, de drogas, e também pelo interior de Minas, de pessoas. Como é um crime de competência da Justiça Federal, nós estamos com o olhar voltado para esses casos e vamos ter, com certeza, um melhor resultado na sua apuração.
ConJur — Com relação à primeira instância, houve mudanças ou as varas continuam com os mesmos juízes?
Mônica Sifuentes — No interior, continua basicamente a mesma estrutura. Aqui na capital, fizemos algumas adaptações em decorrência da extinção de algumas varas, que serviram para a criação dos cargos de desembargador. Nós tivemos de fazer uma reestruturação aqui na capital e a maior reestruturação que fizemos foi a instituição da Secretaria Única de Processamento. Hoje nós temos uma Secretaria Única Civil, uma Secretaria Única Penal e uma de Execução Fiscal. Essas secretarias atendem a todas as varas, que ficaram com um núcleo diminuto de servidores para apenas fazer assessoria aos juízes na elaboração de sentenças, de decisões. E toda a parte de processamento agora é feita por essa secretaria única, do segundo grau também. O tribunal nasceu com essa secretaria única, que atende aos gabinetes. É o primeiro tribunal da área federal que utiliza essa estrutura no segundo grau.
ConJur — Qual é o tamanho do desafio de voltar a Minas Gerais para liderar um tribunal recém-criado?
Mônica Sifuentes — Não é nada fácil, mas é bastante prazeroso. Eu nasci em Minas, aqui eu me formei, fui juíza e depois fui para Brasília. Fiquei quase 22 anos e agora retorno.
Como presidente do tribunal na minha terra, para mim pessoalmente é uma satisfação. Eu tenho muito orgulho de ter chegado a esse ponto da minha carreira. É muito gratificante. E, para Minas, também acredito que seja significativo que venha uma mineira nascida aqui, criada e formada aqui, para presidir esse tribunal. Acho que isso tem também um caráter simbólico. Como eu disse, além de ser mulher, eu sou principalmente mineira. Antes de tudo, eu sou mineira.
ConJur — A senhora gostaria de dizer alguma coisa sobre as críticas feitas à criação do tribunal?
Mônica Sifuentes — Gostaria de dizer o que eu estou sentindo na formação desse tribunal. Houve algumas críticas à criação do tribunal em Minas, disseram que seria mais um gasto para o poder público. O que eu estou sentindo é que Minas realmente precisava de um Tribunal Regional Federal pela extensão do estado, pela importância econômica do estado. Tenho visto isso aqui. Tenho feito questão de estar sempre em contato com as autoridades locais para criar redes de cooperação com os outros tribunais aqui em Minas e com os órgãos públicos. Sinto sempre uma receptividade muito grande de todos os atores da associação comercial, dos tribunais, do estado, do município, das procuradorias que estão aqui instaladas, Ministério Público, todos entusiasmados e otimistas com a criação do tribunal. Mas, além de tudo, sinto o entusiasmo interno, que é o otimismo dos servidores, dos juízes, dos desembargadores que estão bastante unidos e com essa ideia de que vai dar certo, de que vamos trabalhar juntos, vamos fazer o melhor.
Está um espírito colaborativo. Se na minha gestão eu conseguir que essa chama continue acesa entre as pessoas, eu já vou me dar por bastante satisfeita.
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