Opinião

Pejotização: fraude ao vínculo de emprego ou liberdade de contratação?

Autor

  • Marcel Zangiácomo

    é sócio do escritório Galvão Villani Navarro Zangiácomo e Bardella Advogados e especialista em Direito Processual e Material do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

9 de dezembro de 2022, 21h03

Conforme previsto na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), lei que regula as relações trabalhistas no país, o vínculo de emprego se configura quando existem, de forma cumulativa na relação contratual, os seguintes requisitos: pessoalidade, habitualidade, onerosidade, subordinação e manutenção da relação contratual por sua pessoa física.

E é sob este último requisito, da pessoa física, que se iniciou a onda de "pejotização" da mão de obra tempos atrás, já que, não sendo pessoa física, não se tem de forma cumulativa preenchidos os requisitos do vínculo de emprego, portanto, impossível se tornaria a vinculação empregatícia.

Para a empresa, a maior questão é entender que não se pode fazer a um prestador as mesmas exigências que se faz a um empregado celetista: controle de horário, subordinação direta, controle de metas e atividades, dentre outros fatores. Isso pode caracterizar um vínculo empregatício e obrigar a companhia a arcar com todos os encargos/impostos e benefícios previstos na CLT e em normas coletivas da categoria.

Pensando pela garantia e cumprimento dos direitos trabalhistas, não há dúvidas de que vale mais a pena ser empregado CLT do que prestador de serviços, por intermédio de empresa interposta.

Além de tudo isso, devemos considerar que a pessoa jurídica se responsabiliza pelo risco do negócio, diferentemente do empregado CLT, que é garantido pela responsabilidade do empregador.

Por muito tempo, a contratação de pessoas jurídicas para a prestação de serviços vinculados à atividade-fim e/ou de natureza personalíssima foi presumida como um "risco" jurídico, diante das normas e jurisprudências relativas à matéria.

Todavia, impulsionado por milhares de processos judiciais e pela reforma trabalhista, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou, nos anos de 2018 e 2020 respectivamente, que a terceirização da atividade fim e a prestação de serviços personalíssimos (de natureza artística, científica e intelectual) por pessoa jurídica são medidas válidas, sob a ótica da Constituição.

Essas decisões foram amplamente divulgadas e comemoradas pela sociedade empresarial, diante do reconhecimento do Poder Judiciário acerca da evolução do mercado de trabalho, bem como do prestígio à livre iniciativa que impulsiona a economia.

Desde então, se verifica um relevante e constante crescimento dessa forma (PJ) de contratação da mão-de-obra, ainda mais considerando a hipersuficiência, prevista no artigo 444, da CLT.

Isto porque, ao avaliar o impacto financeiro envolvido em cada uma das opções, é fácil deduzir que a melhor forma de contratação  tanto para a parte contratante como para a contratada.

Outro ponto importante, trazido pela alteração da reforma trabalhista foi a denominada hipersuficiência. Trata-se do trabalhador com escolaridade de nível superior e remuneração igual ou superior a duas vezes o teto de benefícios no INSS  hoje um salário igual ou superior a R$ 14.174,44.

O empregado/prestador de serviços que se enquadrar nessa categoria poderá negociar grande parte das condições de seu contrato diretamente com o tomador de serviços. Com a reforma trabalhista, esta figura ganha mais autonomia, pois o que for decidido entre estas partes, em tese, possui força superior a eventual requisito de emprego.

A fórmula é simples. O trabalhador/prestador de alto nível e renda prefere a contratação através de pessoa jurídica porque, na sua contabilidade, ganhará muito mais com um regime tributário simplificado, recolhendo a própria previdência como bem entender, percebendo do tomador dos serviços o valor cheio diretamente através de nota fiscal.

A jurisprudência trabalhista já se dividia. E o STF, com a recente decisão proferida na RCL 47.843 parece escancarar essa divisão. São dois grupos bem definidos: os que aplicam cegamente os requisitos da relação de emprego e os que levam em conta a vontade do trabalhador e do tomador dos serviços.

O julgamento da Reclamação 48.843 admitiu a legalidade na contratação de profissionais, pessoa jurídica ou mediante terceirização, que exerçam atividades intelectuais com nível de escolaridade e salário expressivos.

O divisor de águas que o STF começa a construir revela, portanto, que o primeiro passo para se dirimir a questão é verificar se o trabalhador é hipo ou hipersuficiente, ou seja, se ele está enquadrado nos moldes tradicionais de proteção trabalhista ou se cuida de um sujeito capaz de decidir seus próprios interesses com autonomia.

Se ainda considerássemos os aspectos trabalhistas (férias, 13º, FGTS e direitos previstos em negociações coletivas) e do imposto sobre a renda (até 27,5% retidos da remuneração das pessoas físicas), a decisão pela contratação da pessoa jurídica parece ser ainda mais acertada.

No entanto, novamente, vale frisar que existentes os requisitos de forma cumulativa do vínculo de emprego na relação jurídica entre as partes, o risco do reconhecimento do vínculo de emprego se torna efetivo.

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  • é sócio do escritório Galvão Villani, Navarro e Zangiácomo Advogados, especialista em Direito Processual e Material do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

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