Opinião

Plano alternativo mudará a dinâmica de forças na recuperação judicial?

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7 de dezembro de 2022, 9h12

A apresentação do plano alternativo pelos credores é o tema mais novo e impactante na solução dos obstáculos para a reestruturação das empresas em crise nos processos de recuperação judicial. 

Considerando que o plano alternativo foi trazido ao sistema legal brasileiro pelo efeito da promulgação da Lei 14.112/2020 e com vigência a partir de 2021, pode-se dizer que o uso deste mecanismo, ainda no ano de 2022, é escasso. 

Isso porque, até onde se tem conhecimento, dos casos de recuperação judicial pendentes nos tribunais brasileiros, tem-se notícia da utilização do plano alternativo em apenas um caso[1], em que credores tenham o apresentado com fundamento na Lei 11.101/2005 alterada pela Lei 14.112/2020. 

A possibilidade de apresentação do plano alternativo, prática admitida em diversas outras jurisdições, era uma demanda de credores e investidores. Foi introduzido no sistema legal como opção à decretação de falência do devedor em casos de rejeição pelos credores do plano de recuperação do devedor, evitando-se a perda do going concern da empresa e oportunizando a uma solução acordada na primazia da preservação da empresa. 

A propositura de plano alternativo certamente muda a dinâmica das negociações entre credores e devedor em curso na recuperação judicial. Anteriormente a este mecanismo, o devedor detinha o poder exclusivo de indicar a proposta de plano e de aceitar, ou não, as alterações propostas pelos credores, enquanto os credores somente poderiam sugerir tais alterações e votar na proposta de plano indicada pelo devedor. Na perspectiva das alterações da Lei 14.112/2020, os credores passam a deter também o poder de apresentar plano de recuperação para o soerguimento do devedor. Tal plano também deverá ser votado pelos demais credores e, caso homologado, deverá ser cumprido pelo devedor como se fosse um plano apresentado por ele mesmo. 

Portanto, o legislador enfrentou o monopólio de atuação do devedor na imposição da sua proposta de plano no âmbito da recuperação judicial. Com esta introdução legal, ao que parece, o legislador buscou dar um novo equilíbrio às forças de negociação. 

A Lei prevê duas hipóteses em que o credor poderá apresentar um plano alternativo: (i) decurso do prazo de 180 dias sem a deliberação do plano do devedor (§4º-A do artigo 6º da Lei); ou (ii) caso o plano do devedor seja rejeitado em assembleia, sem preenchimento dos requisitos de cram down, e os credores aprovem a concessão de 30 dias para a apresentação de plano alternativo (§4º do artigo 56 da referida Lei). 

Torna-se evidente que o devedor que deseja evitar propositura de plano alternativo deverá negociar abertamente os termos do seu plano com os credores e de maneira mais célere. Caso contrário, em que os credores entendam que as premissas negociais não sejam satisfatórias ou que a negociação ultrapasse o período do stay period, o devedor poderá ser surpreendido com a apresentação de plano alternativo. 

Embora a lei tenha trazido oportunidade para os credores não ficarem à mercê do devedor, é necessário observar alguns possíveis obstáculos ao aproveitamento deste novo mecanismo. Dentre os possíveis impasses, destaca-se (i) o prazo de 30 dias para a apresentação do plano alternativo, que é metade do prazo legal concedido para o devedor apresentar proposta original; e (ii) a previsão de que o plano alternativo somente será colocado em votação caso todos os seus requisitos sejam preenchidos cumulativamente, impondo-se controle prévio do juiz. 

Caso os requisitos sejam preenchidos caberá agravo de instrumento e caso haja a convolação em falência pelo não preenchimento dos requisitos caberá recurso de apelação[2], que levarão de meses a anos a serem solucionados nos tribunais, suspendendo-se o seguimento da deliberação assemblear do plano alternativo e afastando-se a segurança jurídica do procedimento recuperacional e a implementação de quaisquer medidas previstas no plano apresentado, como DIP Loans, investimentos e outros. 

Os principais requisitos do plano alternativo são: (i) o plano alternativo não poderá imputar obrigações novas aos sócios do devedor; (ii) nem sacrifício maior do que aquele que decorreria da liquidação de ativos na falência; (iii) isenção das garantias pessoais prestadas por pessoas naturais em relação aos créditos a serem novados que sejam de titularidade dos credores que apresentaram a declaração de apoio ao plano do credor proponente ou dos credores que votaram favoravelmente ao plano do credor. 

Tais requisitos levam a alguns questionamentos, em especial sobre como será feito o controle judicial do cumprimento destes requisitos e quanto aos efeitos dos recursos para o processo de recuperação judicial quando a decisão declarar que o plano alternativo não poderá ser votado. Note-se que ainda que alguns dos requisitos sejam passíveis de comprovação objetiva, outros não são, como é o caso do valor da liquidação dos ativos, que se dá no tempo e sujeito às condições de mercado vigentes.

Para que haja maior segurança jurídica e efetividade ao plano alternativo, será necessário que a jurisprudência se posicione sobre: (i) limites do controle legalidade pelo judiciário, especialmente no tocante aos aspectos econômicas relacionados com os requisitos do plano alternativo; (ii) se o não preenchimento dos requisitos do plano alternativo acarretará a falência imediata do devedor; (iii) os recursos que versam sobre o plano alternativo serão tratados com prioridade para o deslinde da recuperação judicial; e (iv) em caso de mais de um plano alternativo como será realizado o procedimento de votação do plano. Entende-se que de forma geral a jurisprudência deverá impor limites e regras para que o procedimento de análise de requisitos e deliberação do plano alternativo não se torne moroso. 

Respondendo à pergunta do título desse artigo, o cenário ideal é que os incentivos da lei conduzam as partes à composição amigável, mas o incentivo que se pretende com o plano alternativo só produzirá efeitos se sua materialização não for inviabilizada pelo decurso do tempo de recursos e falta de critérios objetivos de avaliação. O plano alternativo não pode ser um cão que ladra, mas não morde.

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