Opinião

Teoria Menor da Desconsideração da Personalidade Jurídica no CDC

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2 de dezembro de 2022, 20h34

Prevê o artigo 28, do CDC (Código de Defesa do Consumidor), em consonância com o quanto também previsto no artigo 50, do CC (Código Civil), que existindo prova de abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito, ou violação dos estatutos ou contrato social, pode a personalidade jurídica ser desconsiderada, a fim de que seus sócios sejam chamados a responder solidariamente.

Ou seja, havendo prova de anormalidade no uso da personalidade jurídica do devedor, no contexto consumerista, como de resto também no geral, prevê-se a possibilidade de, comprovado seu uso distorcido ou desviado de sua finalidade legal, que seus sócios ou mesmo outras empresas que componham seu grupo econômico, passem a solidariamente responder pelas obrigações da devedora original.

Porém, para os casos ordinários de desconsideração, seja para os sócios imediatos da devedora, seja para o atingimento de outras empresas ou sócios dessas outras empresas, num contexto de grupo econômico, há a necessidade inafastável da comprovação do uso ilegal da personalidade jurídica da devedora com a finalidade de prejudicar seus credores.

A necessidade dessa comprovação é tão premente, que o legislador infelizmente se viu obrigado a emendar o artigo 50, do CC, para dizer que não basta existir um grupo econômico para que todas as empresas que o compõem sejam automaticamente responsabilizadas solidariamente pelas dívidas umas das outras.

A responsabilização solidária, seja das acionistas da devedora, seja das empresas de um mesmo grupo econômico, passa necessariamente pela prévia comprovação de que a personalidade jurídica da devedora original está a ser utilizada de forma anômala.

Porém, como no microssistema consumerista a proteção do consumidor foi elevada a um patamar superior à dos credores em geral, quis o legislador inserir uma exceção, que como tal deve ser interpretada, excepcionalmente, e não como regra ou panaceia que veio para solucionar todos os problemas de execuções frustradas.

Previu o legislador consumerista, no mesmo artigo 28, do CDC, uma única hipótese excepcional, para a qual a comprovação da anomalia ou antijuridicidade da personalidade jurídica da devedora principal será mitigada, bastando que sua personalidade jurídica seja um óbice à reparação do consumidor, ao que se chamou de Teoria Menor da Desconsideração da Personalidade Jurídica.

Um leitor mais desatento pode interpretar tal previsão legal como uma carta em branco dada pelo legislador para que em todo e qualquer caso que envolva um consumidor, a desconsideração da personalidade jurídica da devedora original seja automática, descuidada e sem qualquer requisito desconsiderada. Não é!

Embora, infelizmente, seja essa a realidade brasileira, e a decretação da desconsideração da personalidade jurídica da devedora principal com base no artigo 28, § 5º, do CDC, aconteça sem nenhum critério, até mesmo com a inclusão de empresas que não são suas acionistas, mas apenas pertencem ao mesmo grupo econômico, ou de seus administradores não sócios. A verdade é que, para a inclusão desses terceiros, mantêm-se válidas as exigências previstas no caput do mesmo artigo 28, do CDC, e artigo 50, do CC, já que o § 5º não é um fim em si mesmo, tampouco um ordenamento apartado de todo o restante ordenamento jurídico pátrio.

Ora, a conhecida Teoria Menor da Desconsideração da Personalidade Jurídica prevista no mencionado artigo 28, § 5º, do CDC, restringe-se exclusivamente aos sócios constantes dos quadros sociais da empresa devedora original, apenas e tão somente em relação a eles é que tal teoria se aplica.

Quanto aos demais terceiros que potencialmente possam vir a ser responsabilizados solidariamente em razão da desconsideração da personalidade jurídica da devedora original, tais como administradores não sócios ou empresas partícipes do mesmo grupo econômico, permanece indispensável a comprovação do uso anômalo, antijurídico da personalidade jurídica.

A Teoria Menor da desconsideração prevista no artigo 28, § 5º, do CDC, se aplica apenas aos sócios imediatos, àqueles que aparecem no contrato social da empresa devedora original, sem a necessidade de comprovação dos requisitos insculpidos no caput de mencionado dispositivo legal ou do artigo 50, do CC, já que a opção pela não inclusão automática, dos administradores não sócios e sociedades que integrem o mesmo grupo econômico da empresa devedora, no rol previsto nos parágrafos do artigo 28 do CDC, tratou-se de escolha legislativa, quando o próprio legislador manteve o veto ao §1º [1] do referido dispositivo.

Mencionado § 1º previa a possibilidade de responsabilização solidária dos administradores e empresas de um mesmo grupo econômico da devedora original, mas foi vetado e o veto mantido pelo Congresso Nacional.

Logo, equivocado o veto ou não, ele demonstra que o legislador deixou clara sua opção de que o microssistema consumerista não prevê a responsabilização imediata e solidária do administrador não-sócio e demais empresas componentes do grupo econômico da empresa devedora, e que tentar dar essa interpretação à Teoria Menor adotada pelo artigo 28, § 5º, do CDC, como infelizmente se costuma deparar em algumas decisões judiciais, é deturpar mencionado dispositivo legal.

 


[1] § 1º – A pedido da parte interessada, o juiz determinará que a efetivação da responsabilidade da pessoa jurídica recaia sobre o acionista controlador, o sócio majoritário, os sócios-gerentes, os administradores societários e, no caso de grupo societário, as sociedades que a integram.

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