Opinião

Saneamento básico: o relógio está correndo

Autores

  • Gustavo Marinho

    é advogado mestre em Direito Administrativo pela PUC/SP especialista em Direito Administrativo e Financeiro pela Universidade de Salamanca (Espanha) e especialista em Direito Administrativo pela PUC/SP. É membro do Foro Iberoamericano de Derecho Administrativo (FIDA) e editor da Contracorrente.

  • Anderson Medeiros Bonfim

    é mestrando em Direito Administrativo pela PUC-SP; professor assistente de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da PUC-SP e advogado.

  • Luis Antonini

    é adido para Assuntos Econômicos do Governo do Québec em São Paulo.

1 de dezembro de 2022, 9h14

A dívida social do Brasil se expressa de muitas maneiras, mas poucas são tão eloquentes quanto o acesso ao saneamento básico. Estima-se em 100 milhões, quase metade da população, o contingente que não tem dispõe de esgotamento sanitário. Pior: em pleno século 21, 35 milhões de brasileiros sobrevive sem água tratada.

TV Brasil/Reprodução
TV Brasil/Reprodução

A primeira obra de saneamento do país foi a perfuração de um poço no Rio de Janeiro em 1561, ordenada por Estácio de Sá, o fundador da cidade. Durante o período colonial e nos anos do Império, pouco se investiu em saneamento. Até o século 19, boa parte das obras públicas no setor se resumiam à construção de chafarizes.

A disposição de dejetos era tratada como um problema individual, e não da sociedade. Só em 1864, o Rio passou a contar com um embrião de rede de esgotos e o código de higiene de São Paulo viria apenas 30 anos depois. Em 1918, apareceu a Liga Pró-Saneamento, que engajou Monteiro Lobato e o levou a criar o Jeca Tatu, personagem que contraiu um amarelão por andar descalço sobre a terra infectada por falta de esgoto.

Mais de um século depois, o Brasil amarga uma longínqua 112ª posição num ranking de saneamento básico que cotejou 200 nações. Não só o Brasil está atrás dos países da Europa e da América do Norte. Equador, Chile, Honduras e Argentina também têm resultados largamente superiores. E quando se fala em fornecimento de água, cerca de 16% da população ainda tem acesso precário a este bem essencial da vida, obtendo sua água a partir de poços, rios, lagos, e da captação de água da chuva.

Esse atraso tem reflexos dramáticos. A correlação do saneamento com a mortalidade infantil e a expectativa de vida é ponto pacificado nos estudos científicos. É também fonte de atraso econômico. A falta de investimento em água tratada e esgotamento sanitário acarreta maiores gastos com o Sistema Único de Saúde (SUS), onde são tratadas as doenças provocadas pela infraestrutura deficiente. O setor de turismo é um dos mais impactados. Tanto que Argentina, Cuba e Chile recebem mais visitantes que o Brasil.

Com a promulgação das leis do saneamento, a 11.445 de 2007 e a 14.026 de 2020, o Brasil assumiu o compromisso de universalizar os serviços de saneamento até 2033. Uma meta de médio prazo, extremamente desafiadora, dada as características geográficas brasileiras, a quantidade de municípios, a baixa conectividade da rede entre eles e a grande quantidade de dinheiro a ser investido.

Espera-se que, até 2026, o Brasil passe de 55% para 71% o índice da população com acesso ao tratamento de esgoto. Também é uma meta ousada, mas fundamental para o crescimento econômico e social do país. Seria de esperar que o investimento no setor tivesse aumentado. Ocorreu o oposto. Caiu de 4,6% ao ano na década que se encerrou em 2010 para 4,1% ao ano na concluída em 2020.

O relógio está correndo, o prazo está apertado e o governo brasileiro, de todos os níveis, precisa tomar medidas eficazes para que as metas sejam alcançadas. Entre as principais, está a necessidade de ampliar a participação do setor privado nas concessões de saneamento. Sem a participação do capital privado, nacional ou estrangeiro, dificilmente conseguiremos atingir os objetivos.

A universalização do saneamento básico exigirá R$ 893 bilhões até 2033. Desses, R$ 164 bilhões devem ser aplicados na ampliação do acesso à água, R$ 293 bilhões no reparo da infraestrutura já existente e R$ 436 bilhões na ampliação da rede de coleta e tratamento de esgoto.

Outras medidas relevantes são estímulo ao compartilhamento de infraestrutura entre municípios vizinhos, o fortalecimento da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e a exigência de licitação para novos contratos de concessão e para os serviços hoje prestados por estatais.

A possibilidade de mais empresas privadas atuarem no setor contribuirá para o desenvolvimento e o ingresso de novas tecnologias no mercado brasileiro, o que aumentará a qualidade dos serviços prestados em benefício de todos nós.

Se, por um lado, o saneamento envolve a prestação de uma atividade de titularidade do Estado, é no ambiente privado de inovação, criação e desenvolvimento que surgem e se desenvolvem as soluções tecnológicas necessárias para a adequada prestação dos serviços públicos, inclusive com custos mais atraentes.

O Canadá desenvolve trabalhos relevantes para o setor. Por meio do governo canadense e da representação do estado de Québec no Brasil, recentemente trouxeram ao nosso país empresas canadenses que possuem tecnologia de ponta e que podem auxiliar o Brasil na busca pela universalização em 2033, com produtos e trocas de experiências. O diálogo com outras nações será decisivo para que as metas sejam alcançadas.

O novo marco legal do saneamento, reconhecendo que a universalização só será alcançada com a expertise privada, rompeu com as barreiras do agigantamento estatal e instituiu eficazes mecanismos de ingresso de novos players no setor. O relógio está correndo e 2033 está logo aí.

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