Opinião

Metaverso e a inserção das atividades jurídicas nesse ambiente

Autor

  • Bruna Borghi Tomé

    é sócia do escritório Tozzini Freire Advogados responsável pela área de contencioso em tecnologia e coordenadora do Comitê de Direito Digital e Proteção de Dados do Cesa SP.

1 de dezembro de 2022, 16h03

"Metaverso pode ajudar na criação de novos seguros e melhorar atendimento ao cliente" [1]; "Gigante americana Walmart também já tem planos para o metaverso" [2]; "Assédio no metaverso: caso de violência sexual é denunciado" [3]; "Em metaversos populares, terreno virtual não sai por menos de R$ 60 mil" [4]; "De olho no crescente mercado de NFTs, Nike solicita registro de roupas e calçados virtuais" [5]; "Hermès processa artistas que criaram versão da bolsa Birkin para o metaverso" [6]. Essas são apenas algumas manchetes que trazem discussões jurídicas decorrentes da imersão no metaverso.

Não à toa, já se começou a debater a adaptação das teses relacionadas às áreas clássicas do Direito para essa nova realidade. Especialistas em contencioso de tecnologia, Direito do Consumidor e Securitário, Direito Imobiliário, Propriedade Intelectual, Direitos Humanos, Direito Penal e Tributário, entre outras áreas do Direito, já começaram a experienciar esses debates.

Discussões como "existe proteção de dados no metaverso?"; "quais são os limites da jurisdição no metaverso?"; "como tratar as relações de consumo no metaverso?"; "quais são as implicações legais nos mercados financeiros e de capitais?"; "como serão as transações imobiliárias no metaverso?", são apenas alguns exemplos [7].

Considerando que o Direito se modifica conforme evolui a sociedade, passa a ser necessário, então, olhar para o metaverso não apenas como um ambiente do qual podem surgir novas questões jurídicas, mas também como um ambiente no qual o Direito pode ser praticado.

Já há diversos exemplos no âmbito do poder público, das entidades de classe e dos escritórios de advocacia.

Em junho deste ano, diversos canais informativos divulgaram ter sido cumprido o primeiro mandado de busca e apreensão no metaverso. O ato foi liderado pelo Ministério da Justiça e da Segurança Pública, no âmbito da Operação 404, dedicada ao tema da pirataria digital. Apesar do ineditismo, o trâmite sob segredo de justiça impediu maiores detalhamentos a respeito.

Ainda no âmbito do Poder Público, diversos juízos começaram a experimentar a realização de audiências no metaverso. A primeira delas foi realizada pela Justiça Federal da Paraíba, em 13 de setembro deste ano, e teve êxito de resultar em um acordo que encerrou um processo que tramitava desde 2018 [8]. Também se aventurou nesse sentido a 2ª Vara de Família e Sucessões do Foro da Comarca de Anápolis, Goiás, que realizou sessão conciliatória em 13 de outubro também deste ano [9]. Outro exemplo é a criação de espaço imersivo também em varas do trabalho, como a 1ª Vara do Trabalho de Ji-Paraná (RO) [10].

As entidades de classe dos advogados também iniciaram suas experiências. Em julho, a Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Amazonas (OAB-AM) divulgou que realizou sua primeira reunião no metaverso por meio da sua Comissão de Direito Digital, Startup e Inovação [11]. Em agosto, a Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional de São Paulo, Subseção Tatuapé, lançou seu espaço no metaverso e foi a pioneira na sua disponibilização para uso dos advogados sem qualquer custo. Na divulgação, constou que "os Advogados da Subseção poderão atender seus clientes dentro da Sede virtual OAB Tatuapé gratuitamente. Além disso, serão realizadas as palestras no Metaverso dentro do auditório virtual e muitas outras novidades" [12].

Fazem sentido essas iniciativas, afinal, como nos ensina o antigo lema, por vezes, é necessário "conhecer para compreender". Se há tantas discussões envolvendo essa nova realidade, por que não estar inserido nela para conhecer e entender mais profundamente os desafios?

Alguns escritórios de advocacia do exterior já se lançaram nesse projeto, tal como Grungo Colarulo; ArentFox Schiff; Vicox Legal; Aránguez Abogados; Gleiss Lutz; e Zannes Law. Seguindo esse exemplo, alguns escritórios brasileiros também já mencionam constar do metaverso. O que todos eles têm em comum, contudo, é que, aparentemente, o foco é a socialização com seus clientes, sendo poucos os exemplos que se divulgam sobre a prática dos atos de advocacia em si — em que pese já vermos escritórios alegarem ter prestado consultoria no metaverso.

Considerando o ambiente mais informal, pode-se até aventar se a comunicação por meio de avatares reduziria a litigiosidade ou o ânimo mais conflituoso. A própria realização da audiência mencionada que, após apenas dez minutos, pôs fim a um litígio de mais de três anos pode ser exemplo disso.

A ausência ou, ao menos, baixa intensidade de atos da advocacia praticados em si, contudo, demonstram a cautela necessária para tanto. Isso porque ainda não há regulamentação específica no Brasil. Em que pese já exista projeto de lei e lei municipal acerca dos chamados escritórios virtuais e espaços de coworking — a exemplo do PL 4.473/2019 [13] e da Lei Ordinária 1.939/2020[14], do município de Registro (SP), eles não se referem à atividade de advocacia, tampouco à prática em uma realidade imersiva como o metaverso. A dificuldade pode estar em pensar como tornar os atos solenes compatíveis com essa experiência.

A despeito de não haver norma, importante destacar que a OAB, Seccional de São Paulo (OAB-SP), por meio do seu Tribunal de Ética e Disciplina, lavrou parecer negativo no processo E-3.472/2007 a respeito da criação de um escritório virtual dentro do jogo chamado Second Life. Em 18 de julho de 2007, a OAB-SP decidiu que a "criação e manutenção de escritório virtual no ambiente eletrônico objeto da consulta é contrária aos princípios do sigilo profissional, ao direito-dever de inviolabilidade do escritório, arquivos e comunicações e, finalmente, não se coaduna com a pessoalidade que deve presidir a relação cliente-advogado" [15].

Mais recentemente, em 18 de agosto de 2022, foi lavrado novo parecer também pela OAB-SP que, embora não seja mais de teor negativo, ainda apresenta as mesmas preocupações com o sigilo profissional e a pessoalidade do serviço. De acordo com o parecer no processo E-5.842/2022 [16], foi definido que "a abertura e manutenção de escritório de advocacia e a prestação de serviços advocatícios somente é admissível nas plataformas do tipo metaverso que garantam tecnicamente não apenas o inafastável sigilo profissional, mas também a inviolabilidade do escritório e dos respectivos arquivos, o ocorrerá quando 'nem mesmo a empresa detentora da plataforma dispuser de meios técnicos para acessar as informações trocadas entre advogado e cliente'".

Sobre os meios técnicos que mantenham o sigilo das informações, o parecer traz como exemplo as plataformas com criptografia de ponta a ponta e por desconhecer a existência de metaversos com essa tecnologia, decide que "advogados podem criar e manter seus escritórios nos metaversos para se apresentarem a potenciais clientes, recebê-los no ambiente virtual e com eles socializar até o momento em que se puser a contratação, redirecionando o cliente, a partir daí, para seus escritórios físicos ou para ferramentas de comunicação criptografadas (ponta a ponta), como aquelas utilizadas a partir da pandemia. Mas essa atividade há de ser moderada, discreta e sem inculca".

Em que pese conste essa necessidade de transferência de plataforma após a contratação, pela fundamentação do parecer, existindo um metaverso capaz de impedir que a plataforma que o disponibiliza possa acessar as informações trocadas, parece ser defensável o exercício da advocacia em si neste ambiente, desde que os avatares sejam "sóbrios e condizentes com a dignidade da profissão", bem como que ocorra a "identificação do advogado, da sociedade de advogados e do cliente (de carne e osso), mutuamente, para que haja respeito à pessoalidade".

Considerando, contudo, a incerteza regulatória a esse respeito, o ideal é efetuar consultas específicas ao órgão competente da OAB. Para além disso, é importante ter em mente que se de um lado a abertura de um escritório no metaverso possa contribuir para o próprio conhecimento dos advogados sobre as novas discussões e aumentar a proximidade com clientes, sobretudo com aqueles cujas profissões hoje já são totalmente virtuais e, portanto, mais propensas a essa experiência; de outro, é necessário preocupar-se com a manutenção do sigilo e da segurança, da pessoalidade e até mesmo verificar os custos envolvidos para tanto.

Há, ainda, a questão do tempo para a viabilidade do projeto. Segundo a produtora executiva da Meta, Ruth Bram, o metaverso estaria totalmente construído em cinco a dez anos [17].

De fato, não há ainda certeza a esse respeito, sobretudo porquanto existem diversas dificuldades de ordem prática, como, por exemplo: (1) 15,3% da população ainda sem acesso à internet no Brasil [18]; (2) a precariedade da tecnologia 5G no país [19], que permitiria uma melhor experiência aos usuários; (3) os elevados custos dos óculos 3D que transformam a experiência do metaverso em uma realidade mais imersiva; e até mesmo (4) a necessidade de se promover, efetivamente, a inclusão digital prevista nos artigos 27, I e 29, parágrafo único do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/14) [20], não apenas permitindo o acesso à tecnologia, mas também capacitando os cidadãos — inclusive idosos — para o seu uso.

A ausência de previsibilidade a esse respeito, contudo, não retira uma certeza: o Direito evolui juntamente com a sociedade e já vem vivenciando a revolução tecnológica em diversos aspectos, como processos integralmente eletrônicos [21], audiências virtuais e até mesmo uso de inteligência artificial pelos próprios tribunais como forma de classificação, agrupamento e identificação de processos similares [22]. Em que pese não seja possível precisar tempo e extensão, os exemplos aqui trazidos parecem demonstrar que esta pode, sim, ser uma nova realidade.

Para quem quiser se aventurar neste sentido, além de considerar esses desafios, pode buscar auxílio especializado, como legaltechs e lawtechs dedicadas ao tema da virtualização do Direito ou mesmo variados profissionais não apenas da área de tecnologia, como também de segurança e compliance. Na dúvida, as OABs e as associações de advogados também poderão nortear os caminhos nesse sentido.

Até que a regulamentação seja editada e esteja vigente, independentemente da presença no metaverso como forma de conhecer e entender essa nova realidade, é importante aos profissionais do Direito já se atualizarem sobre os novos aspectos envolvendo as áreas clássicas da atividade ou sobre as novas áreas que surgem com esse avanço da tecnologia. Afinal, como demonstrado por meio de algumas questões que já estão em debate, os desafios não são apenas de ordem prática, mas também teórica.

*A autora debateu o tema durante o Congresso Nacional das Sociedades de Advogados — Cesa/Sinsa, realizado de 9 a 11 de novembro em São Paulo.


[7] Como apresentadas, dentre outras temáticas, na obra: SEREC, Fernando E. Metaverso: Aspectos Juridicos. Grupo Almedina, 1ª ed., 2022.

[21] Conforme, Lei nº 11.419, de 19 de dezembro de 2006.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!