Dilemas da justiça

Donald Trump pode ter violado uma lei que ele mesmo sancionou

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31 de agosto de 2022, 18h44

O Departamento de Justiça (DoJ) dos Estados Unidos está perto de chegar a uma encruzilhada: processar criminalmente — ou não — o ex-presidente Donald Trump. Há indícios que justificam a investigação criminal já em andamento. Na busca que fez na mansão de Trump na Flórida (Mar-a-Lago), no início de agosto, o FBI apreendeu 20 caixas de documentos, entre os quais 67 estão carimbados como "confidenciais", 92 como "secretos" e 25 como "ultrassecretos" (no jargão local, "top secrets").

Gage Skidmore
O ex-presidente dos EUA Donald Trump pode ser processado criminalmente
Gage Skidmore 

Ao deixar a Presidência, em janeiro de 2021, Trump "desviou" para Mar-a-Lago caixas de documentos que deveriam permanecer na Casa Branca e, a qualquer tempo, destinadas à National Archives and Records Administration. Em janeiro de 2022, a instituição recuperou 15 caixas de documentos, 14 das quais estavam "classificadas" em diferentes categorias.

Agora, o DoJ, com a ajuda do FBI, investiga se parte do material envolve questões de segurança nacional. Se tais documentos caem em mãos erradas, eles irão revelar "detalhes sensíveis sobre as fontes humanas de inteligência" dos EUA no mundo, como as agências de espionagem americanas interceptam comunicações eletrônicas de governos sob vigilância e até mesmo segredos nucleares do país.

Nesse caso, Trump poderá ter violado uma seção (Section 702) da FISA (Foreign Intelligence Surveillance Act of 1978), segundo o Washington Post. Essa seção da lei estava por expirar no primeiro ano do governo Trump, de forma que o Congresso se prontificou a renová-la por mais cinco anos. Antes disso, ela dizia:

"Quem quer que, sendo uma autoridade, empregado, contratado ou consultor dos Estados Unidos e, por virtude de sua função, emprego, posição ou contrato, toma posse de documentos ou material contendo informação classificada dos Estados Unidos, intencionalmente remove tais documentos ou material sem autorização e com a intenção de reter tais documentos ou material em um local não autorizado, deve ser multado de acordo com esse título ou encarcerado por não mais de um ano ou ambos".

Porém, Trump, irritado com o fato de que sua concorrente nas eleições de 2016, Hilary Clinton, não foi indiciada pelo FBI por haver usado um servidor particular para os serviços de e-mail do Departamento de Estado, quando era a secretária de Estado, e porque o FBI revelou a repórteres que houve intervenção da Rússia nas eleições de 2016, estimulou o Congresso, então com maioria republicana, a endurecer a lei.

Assim, em vez de simplesmente renovar a Seção 702 da FISA, o Congresso aprovou um novo texto que dizia em sua parte final: "…Deve ser multado de acordo com esse título e encarcerado por não mais de cinco anos ou ambos". Ao elevar a pena de um ano para cinco anos, o Congresso elevou a categoria da infração de contravenção penal (misdemeanor) para crime (felony).

Trump sancionou então a nova lei, a seu gosto. E, agora, se a justiça concluir que ele violou a lei, ele estará sujeito à multa, à prisão por até cinco anos ou ambas.

Mas presidentes nunca foram para a prisão nos EUA. Um presidente, Ulisses Grant, foi detido e levado para a cadeia em 1872. Pagou uma fiança de US$ 20 (cerca de US$ 430 hoje) e foi para casa. O policial que o prendeu foi William West, um escravo que lutou na Guerra Civil e, libertado, se tornou policial do Departamento de Polícia de Washington, D.C.

Um site da polícia americana (National Law Enforcement Officers) conta a história de William West, o único policial a prender um presidente na história dos EUA. West parou o Ulisses Grant em uma rua de Washington porque o presidente estava conduzindo sua carruagem (puxada a cavalos) em excesso de velocidade — e lhe deu uma advertência.

No dia seguinte, ele parou o presidente novamente, também por excesso de velocidade. E lhe disse: "Sinto muito, senhor presidente, mas eu tenho de fazê-lo. O senhor é o chefe da nação e eu sou apenas um policial, mas dever é dever e eu devo prendê-lo". Grant não contestou a prisão e pagou uma multa por excesso de velocidade sem reclamar.

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