Opinião

Setor de apostas online no Brasil: a sorte está lançada

Autores

  • Thuan Gritz

    é sócio do Sade & Gritz Advogados especialista em Direito Criminal pela Associação Brasileira de Direito Constitucional (ABDCONST) pós-graduado em Direito Tributário pela ABDCONST) e pós-graduando em Direito Eleitoral pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG).

  • Pedro Gurek

    é sócio do Sade & Gritz Advogados ex-assessor do MPPR especialista em Direito Penal Econômico e pós-graduando em Direito Penal e Criminologia pelo Instituto de Criminologia e Política Criminal (ICPC).

31 de agosto de 2022, 9h12

Os proprietários de casas de apostas online há alguns anos se preocupam — ou deveriam se preocupar — com a formatação de sua operação e os diversos efeitos decorrentes da ausência de regulamentação adequada sobre esta atividade. A atuação no Brasil em uma espécie de limbo jurídico ocasiona, ainda, diversos receios aos empresários e investidores mais atentos à problemática.

Dollar Photo Club
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Não demora e o "sistema" verá as movimentações multimilionárias do setor como potenciais alvos de operações, inclusive criminais, tendo em vista a própria incompreensão, por vezes, de como funciona o a operacionalização das apostas. Isso é fato.

Basta ligar a televisão em um domingo de futebol e perceber que vários times são patrocinados por casas de apostas das mais diversas. Nosso time leva na camisa uma casa de aposta estampada. O seu, caso tenha, tudo indica que também.

Na prática e há alguns anos — empresários brasileiros solucionam seus problemas estabelecendo suas principais operações fora do país. Ou seja, em essência, criam-se sedes (de fato ou não) em países que não se proíbe a exploração de "jogos de azar" e, no caso das operações online, a partir de sites com domínios fixados fora do Brasil, evitando, na teoria, quaisquer implicações de ilicitude em suas atividades. Mas, será mesmo?

A resposta a esta pergunta é difícil, mas não se esconde que a empresa de fato possui todas as suas origens dentro do nosso país, ainda que formalmente esteja constituída no exterior. A questão é que, ainda assim, diversas operações naturalmente acabam acontecendo no Brasil.

Fornecedores e funcionários são pagos aqui e, não raro, trabalham em alguma sede física que opera no país. Além disso, parceiros comerciais são bons exemplos de relações que acontecem em solo brasileiro (basta lembrar das empresas de mediações de pagamentos entre apostadores e operadores). Situações práticas não faltam.

O próprio sócio da empresa, sendo brasileiro e residindo aqui, precisa receber divisões de lucros ou compensações financeiras e recebe em sua conta no Brasil, muitas vezes sem se preocupar com a regularidade ou a possível repercussão de tal providência.

A ausência de regulamentação, de um lado, permite a compreensível "manobra" dos operadores. Mas, anotem! A experiência em centenas de processos e dezenas de consultorias a empresas, empresários e autoridades públicas, no âmbito de ilícitos econômicos, permite apontar o seguinte.

Com a regulamentação, as promessas são de melhora. Porém, você apostaria suas fichas que isso acontecerá? Os problemas são ainda maiores do que se imagina.

É verdade que a Lei 13.756/18 tratou sobre loterias e a modalidade de apostas de quotas fixas, como no caso das conhecidas apostas esportivas online e previu que o Ministério da Fazenda — hoje parte do Ministério da Economia — deverá regulamentar a matéria em no máximo quatro anos — prazo que escoa em dezembro deste ano.

A copa do mundo em novembro poderia fomentar a regulamentação no prazo — por motivos óbvios decorrentes da grandiosa movimentação financeira que gerará mundo afora —, já que em jogos aleatórios de campeonatos pelo mundo os investimentos são milionários. Imagine, então, em jogos de um mundial de seleções.

Vale lembrar que a minuta preliminar de "Proposta de Decreto" sobre a regulamentação das apostas de quotas fixas conta com uma dezena de páginas que indica que necessitará — depois — de regulamentação complementar, mas ao menos já é um indicativo pertinente sobre a matéria, haja vista que traz conceitos básicos de termos como: 1) regulador; 2) loterias de apostas de quotas fixas; 3) operador; 4) apostador; 5) aposta virtual; dentre outras definições que compõem o rol de onze conceituações importantes.

Mais do que isso a proposta de decreto destaca diretrizes mínimas que deverão ser cumpridas. Dentre elas, o pedido de autorização para exploração do serviço de operador [1], cujas exigências transparecem uma preocupação pertinente — do regulador [2] — para que a exploração seja feita por empresas de origem lícita e que apresentem credibilidade preliminar à autorização, de modo que se estruture atenta às novas diretrizes para o setor, contando com como ouvidorias e representantes de compliance, por exemplo.

Aliás, não será nenhum aventureiro que poderá solicitar a autorização, já que é condição ao deferimento o pagamento prévio de R$ 22 milhões pelo interessado a operar.

Sites de apostas registrados fora do Brasil
As apostas esportivas já movimentam muito dinheiro e o setor continua crescendo nos últimos anos. Segundo o relatório "convocados", elaborado pela XP investimentos, o mercado de apostas tem potencial para movimentar R$ 25 bilhões no Brasil, com lucro previsto de centenas de milhões ao governo, caso a regulamentação realmente aconteça.

São diversas empresas investindo no ramo. Basta verificar as inserções importantes nas mídias de todo gênero e uma demanda de apostadores e operadores que só aumenta. No entanto, os mais antenados têm ciência de que no Brasil — com uma legislação que, ainda que modificada na última década, mantém uma visão ultrapassada o Decreto-Lei 3.688/41 (Lei de Contravenções Penais) traz em seu texto atrelado à "Polícia de Costumes", um rol de proibições na exploração de alguns "jogos de azar".

Numa tentativa precária de adaptar as apostas pela internet que se tornam cada vez mais comuns no país à legislação, o artigo 50, §2º [3], em 2015 passou a prever problemas não apenas ao explorador da atividade, mas também ao apostador, inclusive na modalidade online.

Ainda que seja bem discutível se a previsão do §2º se aplica — por motivos de legalidade a quem explora ou aposta na modalidade online, é possível dizer que a preocupação dos operadores aumenta a cada dia, não apenas porque o mercado cresce e se torna mais conhecido, mas também porque é de conhecimento que algumas situações já são foco de investigações por parte de órgãos fiscais e de investigações. Os motivos são variados.

A dúvida é a seguinte? Mesmo com a empresa constituída fora do Brasil esta operação é regular?

A resposta, como de costume no Direito é que depende do raciocínio empregado. Isso porque, em que pese haja a contravenção penal, como a maioria das empresas do setor estão formalmente situadas no exterior — em países que permitem a prática — existe, ao menos até agora, entendimento de que os proprietários das empresas que operam em sítios eletrônicos registrados fora do Brasil não praticam a contravenção penal.

Neste aspecto, muitos empresários atuam sob a perspectiva que trazia um pouco de segurança registrada no Processo/Protocolo nº 08200.02.0170/2017-12, no âmbito da Polícia Federal. A Autoridade de investigação foi provocada a se manifestar se havia o cometimento de algum ilícito penal, ou não, na operação de uma empresa do setor.

Já se vão cinco anos, mas na ocasião, destacou-se no Parecer 452/17, emitido dentro do mencionado protocolo a Polícia Federal, em essência, que: a) exploração de jogos de azar é vedada pelo artigo 50, da LCP; b) há uma lacuna no ordenamento jurídico pátrio, já que a proibição não impede que apostadores despendam recursos na internet, a partir de empresas sediadas em outros territórios; c) Foram citadas as iniciativas legislativas consubstanciadas no projeto de regulamentação já mencionado — a partir da Lei de 2018 (posterior ao parecer da Polícia Federal); d) houve menção da preocupação acerca dos pagamentos emitidos no Brasil, ainda que os jogos de azar se deem a partir de sites com domínio localizado no exterior. Este ponto já destacava àquele tempo o alerta sobre irregularidades e eventuais crimes.

A definição por parte da Delegacia de Estudos, Legislação e Pareceres sugeriu entendimento "no sentido da inaplicabilidade da lei brasileira a jogos de azar implementados por páginas situadas no exterior". O parecer foi acolhido pelas coordenadorias gerais e pela Corregedoria Geral em 28/11/2017, com a determinação de que fosse remetida "cópia do referido parecer às Corregedorias Regionais da Polícia Federal para difusão do posicionamento ora adotado, com a finalidade de se evitar a abertura de procedimentos de polícia judiciária desnecessários".

Ou seja, a análise fria permite dizer que se uma empresa opera apostas online em sites registrados fora do país não comete ilícito penal (que engloba crimes e contravenções penais) no Brasil.

Atividade legalizada, mas não regulamentada
A teoria parece bonita, mas, na prática, os problemas já começaram a aparecer. Como dito, as operações que giram em torno — ou fazem parte — repercutem problemas que vão além. Aqui é necessário diferenciar atividades legalizadas que dependem da ausente regulamentação, daquelas empresas que aproveitam do limbo jurídico para o cometimento de crimes.

O imbróglio, portanto, não está nas apostas em si, mas nos valores que circulam a partir da atividade não regulamentada. Isso porque, as apostas esportivas se tornaram atrativo meio para lavagem de dinheiro e evasão de divisas, uma vez que, como já destacado, trata-se de um mercado que movimenta vultosas quantias de dinheiro mundialmente.

Logo, o dilema (i.e. ausência de regulamentação), que não é exclusivo do Brasil, fomenta o uso de diversas plataformas de apostas online para justificar um repentino aumento de capital ou incorporar valores ilícitos na economia.

Para além da manipulação de resultados através de apostas em plataformas idôneas, muitas vezes em coautoria com atletas ou árbitros, é certo que a proliferação de plataformas deu espaço a esquemas mais rebuscados.

Em 2005, quando sequer existiam sites de aposta no Brasil, um esquema de manipulação de resultados revelou aquilo que ficou conhecido como a Máfia do Apito, dando ensejo, inclusive, à tipificação das fraudes esportivas (artigo 41-D usque artigo 41-G, da Lei 10.671/03, alterada pela Lei 12.999/10).

Na época, um grupo de apostadores pagava propinas aos árbitros Paulo José Danelon e Edilson Pereira de Carvalho, cuja tarefa era garantir os resultados combinados, garantindo o lucro dos investidores em sites de apostas fora do Brasil. Isso, por si só, denota que o problema relacionado às apostas esportivas é antigo e tem proporção global.

A partir de 2018, com a entrada em vigor da Lei 13.756/18 e o sucesso das redes sociais, diversas plataformas estrangeiras passaram a realizar publicidade em território nacional, possibilitando apostas nas mais diversas modalidades esportivas (v.g. tênis, rugby, sinuca e etc.), o que fomentou a criação de diversos sites, nos moldes citados anteriormente (i.e. com domínios fixados em outros países), por empresários, investidores e criminosos.

Novos sites, ferramentas de análise, especialistas em apostas, influencers, artistas e atletas passaram a integrar um grande ecossistema que permeia o mundo das apostas online, as quais não mais se limitam aos esportes, uma vez que é possível criar qualquer tipo de aposta, inclusive aquilo que recentemente se denominou como "aposta política" [4].

Assim, cada vez mais, acentua-se a dificuldade em "separar o joio do trigo", notadamente porque algumas organizações criminosas aproveitam do gap legislativo para constituir casas de opostas, a fim de possuir sua própria plataforma online.

A ausência de regulamentação, aliada ao possível anonimato dos apostadores, são os principais fatores que atraem organizações criminosas ao setor. Ambas as situações dificultam a identificação e obtenção de dados pelas autoridades, já que a maioria das empresas é constituída fora do território nacional.

Nesse cenário, o próprio operador pode fazer parte do esquema, bastando que supostos apostadores criem contas na plataforma e, a partir de pequenos depósitos (smurfing), percam os valores para a banca, a qual, muitas vezes é apenas uma offshore em um paraíso fiscal.

Assim, a partir de contratos simulados de prestação de serviço, ou qualquer outro tipo de negócio jurídico, permitem o retorno dos valores aos falsos apostadores, dando, então, aparência lícita aos valores obtidos em atividade ilícitas.

Não bastasse isso, o uso de tecnologias, como por exemplo, robôs de aposta ou trade esportivo colaboram para o escamoteamento destes depósitos sem a necessidade de um "laranja". São diversas transações num único dia, que dificultam o rastreio dos valores.

Isso, não raras vezes, conta com a captação de dinheiro lícito, de empresários e/ou investidores que são atraídos para este mercado lucrativo; ou, simplesmente, acabam dragados para dentro de obscuras investigações pela ausência de devido controle e transparência nas movimentações financeiras por parte do operador.

Não por acaso, diversas operações policiais que tramitam sigilosamente (Apate II, Etros, Distração, Carga Prensada) apresentam o mesmo objeto de investigação, motivando a expedição de mandados de busca e apreensão, bloqueio de bens e valores e até mesmo prisões cautelares, com base em indícios de lavagem de dinheiro através de jogos de azar em modalidade virtual.

No curto prazo, torna-se imprescindível que as empresas sérias estruturem, com zelo, todas as etapas do seu negócio, pois apesar dos problemas regulatórios, é indispensável que o setor se preocupe com o artigo 9°, inciso VI, da Lei 9.613/98 (Lavagem de Dinheiro), que traz, desde julho de 2021, como mecanismo de controle, as obrigações previstas nos artigos 10 e 11 daquela lei, tais como, identificação dos clientes, manutenção dos registros de transações e notificação do Coaf de transações suspeitas.

E aí, vai apostar suas fichas?


[1] Pessoa jurídica ou consórcio, grupo ou conglomerado de empresas com autorização para explorar loteria de apostas de quota fixa em meio físico e virtual;

[2] Órgão responsável por regular, autorizar, normatizar e fiscalizar as atividades relacionadas às Apostas de Quota fixa;

[3] Art. 50. Estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público, mediante o pagamento de entrada ou sem ele:

Pena – prisão simples, de três meses a um ano, e multa, de dois a quinze contos de réis, estendendo-se os efeitos da condenação à perda dos moveis e objetos de decoração do local.

§ 2º. Incorre na pena de multa, de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), quem é encontrado a participar do jogo, ainda que pela internet ou por qualquer outro meio de comunicação, como ponteiro ou apostador.

[4] O site betway inaugurou uma nova modalidade, possibilitando desde apostas sobre candidatos à presidência do Brasil até eleições para prefeito de Londres.

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