Opinião

Importantes alterações no Estatuto da OAB após o advento da Lei nº 14.365/22

Autor

  • Mateus Marques

    é advogado doutorando em Direito Penal na Universidade de Salamanca mestre e especialista em Ciências Criminais pela PUC-RS e vice-presidente da Comissão de Defesa Assistência e Prerrogativas da OAB do Rio Grande do Sul.

29 de agosto de 2022, 18h11

Com o advento da Lei nº 14.365/22, foram incorporadas significativas alterações ao Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94), reconhecendo garantias fundamentais para o pleno exercício profissional dos advogados.

Dentre as urgentes modificações, compreendeu o legislador que melhor atenção merecia um tema amplamente debatido nos últimos tempos: as prerrogativas dos advogados. A tentativa de criminalizar condutas excessivas por parte de servidores públicos ou autoridades vem sendo discutida há bastante tempo pelos advogados. Muitos foram os projetos apresentados por diferentes autores, os quais deram abertura para o amadurecimento do assunto junto ao Congresso.

Quando falamos em prerrogativas, podemos dizer que "consistem em garantias profissionais que asseguram ao advogado o direito de exercer a plena defesa de seus clientes, com independência e autonomia, contra abusos de autoridade que possam impedir, constranger ou ainda diminuir o papel da advocacia".

São tempos difíceis, em que o óbvio precisa ser dito, e frente aos constantes abusos praticados contra a advocacia, coube ao legislador, ao instituir a Lei nº 13.869/19, popularmente conhecida como Lei do Abuso de Autoridade, tipificar as condutas assinaladas em seu artigo 43, assegurando o acréscimo do artigo 7-B ao Estatuto da Advocacia, o qual expõe que "constitui crime violar direito ou prerrogativa de advogado previstos nos incisos II, III, IV e V do caput do artigo 7º desta Lei: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa".

Nesse sentido, e analisando o mencionado artigo 7º do Estatuto da Advocacia, temos que passaram a ser considerados crime de abuso de autoridade a violação de prerrogativas profissionais dos advogados relacionadas às seguintes condutas: "II – Violar escritório de advocacia ou local de trabalho, bem como seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia; III – Impedir a comunicação do advogado com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis; IV – Prender advogado quando no exercício da profissão sem a presença de um representante da OAB; e V – A prisão de advogados, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas e, na sua falta, em prisão domiciliar".

Mesmo com vigência da lei contra o abuso de autoridade, alguns aspectos relacionados a atividade do advogado ainda estavam “desprotegidos”, e frente a isso, no mês de julho de 2022, o Congresso derrubou importantes vetos da Presidência da República em relação a Lei nº 14.365/22. Foram introduzidas ao Estatuto da Advocacia, como direitos assegurados ao advogado e aos escritórios de advocacia, na forma de prerrogativas profissionais, as seguintes alterações:  

§ 6º-A do art. 7º do Estatuto da Advocacia: A medida judicial cautelar que importe na violação do escritório ou do local de trabalho do advogado será determinada em hipótese excepcional, desde que exista fundamento em indício, pelo órgão acusatório.
§ 6º-B do art. 7º do Estatuto da Advocacia: É vedada a determinação da medida cautelar prevista no § 6º-A deste artigo se fundada exclusivamente em elementos produzidos em declarações do colaborador sem confirmação por outros meios de prova.
§ 6º-C do art. 7º do Estatuto da Advocacia: O representante da OAB referido no § 6º deste artigo tem o direito a ser respeitado pelos agentes responsáveis pelo cumprimento do mandado de busca e apreensão, sob pena de abuso de autoridade, e o dever de zelar pelo fiel cumprimento do objeto da investigação, bem como de impedir que documentos, mídias e objetos não relacionados à investigação, especialmente de outros processos do mesmo cliente ou de outros clientes que não sejam pertinentes à persecução penal, sejam analisados, fotografados, filmados, retirados ou apreendidos do escritório de advocacia.
§ 6º-F do art. 7º do Estatuto da Advocacia: É garantido o direito de acompanhamento por representante da OAB e pelo profissional investigado durante a análise dos documentos e dos dispositivos de armazenamento de informação pertencentes a advogado, apreendidos ou interceptados, em todos os atos, para assegurar o cumprimento do disposto no inciso II do "caput" deste artigo.
§ 6º-G do art. 7º do Estatuto da Advocacia: A autoridade responsável informará, com antecedência mínima de 24 (vinte e quatro) horas, à seccional da OAB a data, o horário e o local em que serão analisados os documentos e os equipamentos apreendidos, garantido o direito de acompanhamento, em todos os atos, pelo representante da OAB e pelo profissional investigado para assegurar o disposto no § 6º-C deste artigo;
§ 6º-H do art. 7º do Estatuto da Advocacia: Em casos de urgência devidamente fundamentada pelo juiz, a análise dos documentos e dos equipamentos apreendidos poderá acontecer em prazo inferior a 24 (vinte e quatro) horas, garantido o direito de acompanhamento, em todos os atos, pelo representante da OAB e pelo profissional investigado para assegurar o disposto no § 6º-C deste artigo.

Sobre este aspecto, cabe ressaltar que as condutas criminalizadas dizem respeito a garantias fundamentais para o exercício pleno da advocacia e devem, sim, ser garantidas, a qualquer custo, sob pena de desmantelar a cadeia legislativa que suporta os alicerces do Estado Democrático de Direito. Não à toa o legislador constitucional garantiu aos advogados a inviolabilidade por seus atos e manifestações quando no exercício da profissão[1].

De outra sorte, a novel legislação apresenta uma importante alteração em relação à Lei do Abuso de Autoridade, e consequentemente altera o disposto no artigo 7º-B do Estatuto da Advocacia, em relação à pena aplicada para os casos de violação de prerrogativa.

Antes, punia-se a autoridade violadora com sanções penais de menor potencial ofensivo que poderiam variar entre 3 (três) meses e 1 (um) ano de detenção além da multa, conforme procedimento adotado para os crimes em que a competência é da Lei nº 9.099/95, beneficiando o autor do fato inclusive com possibilidade de conciliação ou ainda transação penal.

Diante das alterações promovidas pela Lei nº 14.365/22, eventual crime por violação à prerrogativa de advogado será punida com pena estabelecida entre 2 (dois) e 4 (quatro) anos de detenção, além da multa, assegurando que o procedimento adotado será o sumário, conforme previsto nos artigos 531 a 538 do CPP.

Assim, ao receber a denúncia ou a queixa[2], o magistrado competente dará início a persecutio criminis, garantindo assim maior seriedade e efetividade na apuração do fato delitivo, a fim de que sejam coibidos os excessos e abusos de autoridade, infelizmente, ainda corriqueiros em nosso país.


[1] ELIAS, Rodrigo Martins. A Criminalização do Desrespeito às Prerrogativas da Advocacia, uma visão expandida. In: OLIVEIRA, Pedro Miranda de. RASMUSSEN, Caroline. SOUZA, Aulus Eduardo Teixeira de. (Coords). Prerrogativas e Honorários Advocatícios. São Paulo: Tirant lo Blanc. Coleção Grandes Temas da Advocacia. pg. 262.

[2] JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal. 17ª ed. São Paulo: Saraiva. 2020, pg. 811.

Autores

  • é advogado, doutorando em Direito Penal na Universidade de Salamanca, mestre e especialista em Ciências Criminais pela PUC-RS, vice-presidente da Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas da OAB do Rio Grande do Sul.

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