Opinião

Maior diversidade nos conselhos de administração: salto ou um pequeno passo

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29 de agosto de 2022, 15h13

Em 17/8/2022, a B3 abriu uma audiência pública que visa a fomentar a diversidade dentro dos conselho de administração de empresas listadas na bolsa de valores. A mudança pode ser considerada como mais uma medida de incentivo às abordagens de Enviromental Social and Corporate Governance ("ESG"). Contudo, antes de adentrar nas medidas específicas que foram postas a discussão pela B3, acredita-se que é importante realizar uma análise acerca do mercado e da composição dos CAs.

De acordo com Luciano de Souza Leão Junior, o CA é um órgão social composto por membros indicados pela Assembleia Geral, competindo a ele fixar as diretrizes e a orientação geral da Companhia [1]. Nessa linha, Nelson Eizirik nos explica que "O conselho de administração constitui órgão deliberativo, encontrando-se em posição intermediária entre a assembleia e a diretoria, competindo-lhe fixar a política geral da companhia e as diretrizes que deverão ser postas em prática pelos diretores" [2].

Dessa forma, pode-se reparar a importância do CA, sendo um dos órgãos sociais mais fundamentais para o funcionamento e o direcionamento de uma companhia. Isso se torna ainda mais relevante quando levamos em consideração o artigo 138, §2º da Lei das Sociedades Anônimas, que determina a obrigatoriedade das companhias abertas em ter um CA). Colocando isso em perspectiva, o valor agregado de todas as companhias listadas na B3 é de R$ 4,5 trilhões [3]. O PIB brasileiro em 2021 teve o valor, de acordo com o IBGE, de R$ 8,7 trilhões [4].

Mas como se dá a composição desses conselhos? Em recente pesquisa realizada pela rede global do ACI Institute e do Board Leadership Center da KPMG, 72% dos conselheiros entrevistados afirmaram que diferentes pontos de vista podem ajudar a solucionar e a identificar problemas na condução de negócios. Além disso, 58% dos entrevistados acreditam que a diversidade no CA "tem papel relevante, ou muito relevante, na avaliação do papel social de empresas" [5].

Contudo, mesmo com essa preocupação dos próprios conselheiros e a demanda cada vez maior dos investidores e da sociedade por um grupo de liderança que efetivamente represente diferentes visões, 31% dos brasileiros entrevistados informaram "que não haveria mudanças significativas na composição do conselho para atender as necessidades atuais e futuras dos negócios" [6].

Isso se torna ainda mais preocupante quando analisamos dados acerca da composição dos conselhos de administração, porque, de acordo com dados da própria B3, entre as 423 companhias listadas, 60% não possuem representação feminina nas diretorias [7].

Em relação a composição étnico-racial, não há qualquer obrigatoriedade para companhias publicarem dados sobre o assunto, "mas considerando dados de 73 empresas que responderam um questionário do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) neste ano, a situação também é desafiadora. Dessas companhias, '79% informaram que tinham entre 0% e 11% de pessoas negras em cargos de diretoria' [8]. Também vale comentar que 78% das empresas que participaram do questionário do ISE responderam que possuem apenas 0-11% de pessoas negras nos cargos de C-Level (mais alto escalão dos executivos empresariais)" [9].

Dados de uma pesquisa realizada em 2021 pela Ernst Young confirmam a falta de representação nos CAs. Visto que, nos conselhos de empresas da América Latina, apenas 37,9% possuem representação feminina. Esse número é ainda mais assustador quando se tratando de etnias, já que apenas 4,7% dos conselhos possuem diversidade étnica [10].

Todavia, aparenta-se e espera-se que esse cenário irá sofrer mudanças, porque, conforme mencionado, a B3 abriu a Audiência Pública nº 01/2022 que visa atenuar essa situação. O mecanismo proposto pela B3 se chama "pratique ou explique", ou seja, se as companhias não aderirem às novas diretrizes da B3, elas precisarão explicar para os seus acionistas e ao mercado o motivo por esse descumprimento.

Quanto às medidas que as companhias terão que aderir, a primeira e mais importante para o presente artigo é a previsão de diversidade dentro dos conselhos de administração. A Seção 4.1 da Audiência Pública determina que companhias deverão "eleger como membro titular do conselho de administração ou da diretoria estatutária, pelo menos 1) uma mulher; e 2) um membro de comunidade minorizada. Alternativamente, a companhia poderá eleger um mesmo administrador que acumule as duas características" [11].

Um fato interessante é que essas normas não irão apenas se limitar ao "alto escalão" do mercado. Elas devem ser implementadas por companhias listadas em todos os segmentos, incluindo Básico, Nível 1, Nível 2 e Novo Mercado, tendo que ser efetivadas até 2025 para as companhias que já são listadas em bolsa.

A audiência pública irá permanecer aberta até 16 de setembro de 2022. Caso sua redação permaneça intacta, isso será, certamente, um importante passo. Contudo, considerando a atual situação e a composição dos CAs no Brasil, deve-se questionar se ainda precisamos dar um salto ainda maior.

 


[1] SOUZA LEÃO JR, Luciano. Conselho de Administração e Diretoria. In: BULHÕES PEDREIRA, José Luiz; LAMY FILHO, Alfredo (Org). Direitos das Companhias. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2017, 2ª edição. Pp. 749-767.

[2] EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. Quartier Latin: Rio de Janeiro. 2021. V3. p.28

[3] B3. Valor de mercado das empresas listadas. Disponível em: <Bolsa de Valores – Diário | B3>. Acesso: em 22 de agosto de 2022. 

[4] IBGE. Produto Interno Bruto. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/explica/pib.php. Acesso: em 22 de agosto de 2022.

[5] KPMG. Diversidade nos Conselhos de Administração: Pesquisa Global. Disponível em: https://assets.kpmg/content/dam/kpmg/br/pdf/2022/5/ACI-Diversidade-Conselhos-Administracao-Pesquisa-Global.pdf. Acesso em 22 de agosto de 2022.pp.4-5.

[6] Correio Braziliense. Pesquisa mostra necessidade de conselhos administrativos diversos e inclusivos. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/euestudante/educacao-profissional/2022/06/5015299-pesquisa-mostra-necessidade-de-conselhos-administrativos-diversos-e-inclusivos.html>. Acesso em: 22 de agosto de 2022.

[7] B3. Audiência Pública ASG. 17 de agosto de 2022. Disponvíel em: https://www.b3.com.br/pt_br/noticias/audiencia-publica-asg.htm. Acesso em: 22 de agosto de 2022.

[8] AZEVEDO, Rita. B3 discute regras para mais diversidade em conselho e diretoria de empresas listadas. Valor Econômico.  17 de agosto de 2022.Disponível em: <https://valor.globo.com/financas/noticia/2022/08/17/b3-discute-regras-para-mais-diversidade-em-conselho-e-diretoria-de-empresas-listadas.ghtml>. Acesso em: 22 de agosto de 2022.

[9] B3. Audiência Pública ASG. 17 de agosto de 2022. Disponvíel em: https://www.b3.com.br/pt_br/noticias/audiencia-publica-asg.htm. Acesso em: 22 de agosto de 2022.

[10] Ernst Young. Nova pesquisa da EY aponta prioridades dos conselhos de administração em 2022. 29 de março de 2022. Disponível em: https://www.ey.com/pt_br/news/2022-press-releases/03/nova-pesquisa-da-ey-aponta-prioridades-dos-conselhos-de-administ#:~:text=Sobre%20a%20pesquisa,e%2029%25%20de%20capital%20aberto. Acesso em: 22 de agosto de 2022.

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