Opinião

Utilização da arbitragem na holding familiar

Autor

  • Fernando Brandariz

    é mestrando pela Escola Paulista de Direito (EPD) especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade Metropolitanas Unidas (UNIFMU) e em Direito Empresarial Direito Internacional e Law of Masters (LLM) pela Escola Paulista de Direito (EPD) presidente da Comissão de Direito Empresarial da subseção Pinheiros OAB/SP e membro da comissão de juristas do Senado Federal para estudos sobre a reforma do Código Comercial.

24 de agosto de 2022, 21h34

Em artigo publicado anteriormente [1] conceituamos holding familiar, "sendo uma sociedade que tem por objetivo a concentração do patrimônio, os sócios sendo os pais e seus herdeiros, cujo objetivo é a realização do planejamento sucessório e tributário".

Como alternativa ao colapso Poder Judiciário em resolver de forma rápida e eficiente as demandas que lhe são enviadas e muitas vezes as demandas são jugadas por juízes não especialistas no objeto do litigio, a arbitragem surge como um mecanismo de solução de conflitos, pelo qual é transferida a um terceiro, especializado na matéria discutida, não investido do Poder Judiciário e na vontade externada pelas partes envolvidas, a atribuição de decidir, de forma definitiva a controvérsia.

No Brasil a arbitragem está regulada pela Lei nº 9307/96 encontrando previsões nos artigos 516, inciso III do Código de Processo Civil, Decreto nº 4.311 de 23 de julho de 2002 que promulgou a Convenção de Nova Iorque de 1958 no ordenamento jurídico brasileiro, Decreto 4.719 de 04 de junho de 2003, o qual promulgou o Acordo sobre arbitragem internacional no Mercosul, artigo 21 ao 27 da Lei nº 9.099/95 e inciso III, artigo 11 da Lei 11.079/04.

Carlos Alberto Carmona [2], define a arbitragem como:

Meio alternativo de solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seu poder de uma convenção privada, decidindo com base nela, sem intervenção estatal, sendo a decisão destinada a assumir a mesma eficácia da sentença judicial  é colocada à disposição de quem quer que seja, para solução de conflitos relativos a direitos patrimoniais acerca dos quais os litigantes possam dispor.

Detendo ao mesmo tempo natureza jurisdicional e contratual, a arbitragem traz a vantagem da negociabilidade e da segurança jurídica. Ao lado de outros mecanismos alternativos, mediação e conciliação, a arbitragem vem crescendo por serem reconhecidos os benefícios e vantagens que o instituto pode trazer as partes.

Em linhas gerais, as partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem por meio de clausula compromissória [3] ou de compromisso arbitra l[4], conforme determina o artigo 3º da Lei.

O artigo 853 [5] do Código Civil admite que seja ajustada contratualmente a clausula compromissória com o intuito de resolver litígios mediante o juízo arbitral na forma da lei da arbitragem, artigo 3º [6].

Portanto, é admissível e conveniente que no momento da elaboração do ato constitutivo da sociedade holding familiar os futuros sócios insiram a cláusula compromissória determinando que, em eventual conflito decorrente do contrato social assinado, a discussão será levada a arbitragem.

Determina o artigo 1º da Lei 9.307/96 que: "as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis".

O artigo 5º e incisos do Código Civil, Lei 10.406/02, diz quem são as pessoas capazes:

"A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.
Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:
I – pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos;
II – pelo casamento;
III – pelo exercício de emprego público efetivo;
IV – pela colação de grau em curso de ensino superior;
V – pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria".

Direitos patrimoniais disponíveis são aqueles que podem ser transacionados por seus titulares, pois fazem parte do âmbito individual, compreendem os direitos que podem ser avaliados pecuniariamente. Os direitos indisponíveis são aqueles que há uma intervenção do Estado sobre o direito do titular, podemos exemplificar: direito a vida, a personalidade entre outros.

Portanto, os direitos do proprietário das quotas sócias/ações são disponíveis e podem se utilizar da arbitragem para dirimir litígios relativos a holding familiar como a exclusão de sócios, ingresso ou não dos herdeiros dos sócios, dissolução parcial da sociedade entre outros.

Ressaltamos que o artigo 33 Lei 9.307/96, determina que o Poder Judiciário somente poderá rever o conteúdo da decisão caso ela seja eivada de nulidade.

Após alguns debates sobre o tema, se a arbitragem violaria o princípio da inafastabilidade da jurisdição previsto na Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal assentou pela constitucionalidade da Lei da Arbitragem [7].

Os principais argumentos dos votos vencedores foram: a) a clausula compromissória deve ser vista no plano da validade do negócio jurídico. Agentes capazes, objeto licito e forma prescrita ou não defesa em lei, será válida a cláusula; b) aplica-se o princípio da disponibilidade ao caso concreto, uma vez que à arbitragem somente são submetidos conflitos que versem sobre direitos disponíveis, c) caso surja, realmente, violação à lei, e ocorra lesão ou ameaça a direito, então pode o judiciário intervir e invalidar a sentença arbitral, nos termos dos artigos 32 e 33 da LA.

Para um melhor aproveitamento da arbitragem recomendamos a nomeação de uma câmara de arbitragem e árbitros especialistas na matéria.


[2] CARMONA, Carlos Aberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei nº 9.307/96. São Paulo: Atlas, 2009, p.31

[3] Artigo 4 da Lei 9.307/96: A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.

[4] Artigo 9 da Lei 9.307/96: O compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial, conforme o artigo 9 da Lei de Arbitragem. 

[5] Artigo 853 C.C. Admite-se nos contratos a cláusula compromissória, para resolver divergências mediante juízo arbitral, na forma estabelecida em lei especial.

[6] Artigo 3º As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.

[7] No julgamento do Agravo Regimental na Sentença Estrangeira nº 5.206/Agr/EP, publicado em 30 abr. 2004, acerca do pedido de homologação de sentença arbitral oriunda da Espanha, o Plenário do Supremo Tribunal Federal entendeu, por maioria pela constitucionalidade da Lei da Arbitragem, considerando que a manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória, quando da celebração do contrato, e a permissão legal dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar o compromisso não ofendem o artigo 5º, XXXV da Constituição Federal, já que "direito de ação" não quer dizer "dever de ação judicial" (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental na Sentença Estrangeira nº 5.206/AgR/EP. Relator ministro Sepúlvera Pertence, j.12 dez.2001, p.1199.

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