Opinião

Brics em 2022: Irã e Argentina solicitam oficialmente a entrada no grupo

Autor

  • Thiago Ferreira Almeida

    é advogado e pesquisador convidado de doutorado na Faculdade de Direito da Universidade de Geneva (Unige) doutorando em Direito Internacional do Investimento na Faculdade de Direito da UFMG pesquisador associado no Centro de Excelência Jean Monnet (Erasmus+ & UFMG) professor e coordenador no Centro de Direito Internacional (Cedin).

23 de agosto de 2022, 9h08

O acrônimo Bric  Brasil, Rússia, Índia e China — é um conceito criado em 2001 por Jim O'Neill, economista-chefe do Goldman Sachs, banco privado americano de investimentos internacionais, que afirmou que esses cinco países juntos poderiam superar as seis maiores economias ocidentais no mundo, em um período de 30 anos. Em 2010, o grupo aprovou a entrada da África do Sul (South Africa), formando o novo acrônimo Brics desde então [1].

O grupo não é uma organização internacional, mas sim um fórum de coordenação de políticas e de temas de interesse mútuo, como desenvolvimento econômico sustentável e cooperação internacional.

Os países que compõem o Brics decidiram na Cúpula de Fortaleza de 2014 criar alternativas relacionadas ao tema da ajuda externa na participação de bancos multilaterais de desenvolvimento, por meio da fundação de duas novas instituições multilaterais: o Novo Banco de Desenvolvimento (New Development Bank  NDB), conhecido também como o Banco dos Brics, e o Acordo Contingente de Reservas (Contingent Reserve Agreement  CRA).

O banco dos Brics possui como objetivo ser uma instituição financeira multilateral dedicada à concessão de empréstimos (operações de crédito externo) para seus membros nas áreas de infraestrutura e desenvolvimento sustentável em projetos de interesse público. Tal atuação é semelhante à realizada pelo Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), por exemplo.

O CRA, por sua vez, consiste em um fundo a oferecer recursos financeiros em momentos de crises fiscais decorrentes da variações da balança de pagamentos dos seus membros. Tais crises, comumente chamadas de "fuga de dólares", consiste na saída considerável de capital especulativo estrangeiro (investimentos de portfólio) em determinado país, consumindo as suas reservas estrangeiras e perdendo a sua credibilidade financeira internacional.

Dessa forma, o CRA atua de forma semelhante ao Fundo Monetário Internacional (FMI). A única diferença é que os recursos destinados ao CRA ficam alocados diretamente nos bancos centrais dos cinco membros do Brics, tendo uma resposta mais célere em caso de solicitação emergencial de recursos.

Dessa forma, observa-se que as recentes estruturas financeiras multilaterais criadas pelo Brics em 2014 possuem o objetivo de contribuir em uma maior oferta de recursos internacionais para a promoção da infraestrutura e desenvolvimento. Não há que se falar em substituição de outras instituições multilaterais, pois os membros do Brics são importantes parceiros no Grupo Banco Mundial e no FMI, com destaque para esse último cujos membros-partes aprovaram a alteração da divisão das quotas de voto em 2010, com a efetivação em dezembro de 2015 após a ratificação no congresso norte-americano, em favor dos membros do Brics, principalmente da China.

A criação de novos MDBs demonstra forte compromisso dos países emergentes com a igualdade de representatividade e maior abertura para a criação de estruturas financeiras mais próximas à realidade dos países tomadores de recursos externos.

O Brics constitui-se como um interessante agrupamento por envolver países em desenvolvimento, incluindo a Rússia pós-soviética. O Brics representa cerca de de 21% do PIB mundial e 42% da população mundial.

Todos os membros do Brics são integrantes do G20, que foi criado no ano de 1999, em decorrência da crise financeira do México (1994), dos Tigres Asiáticos (1997) e da Rússia (1998). Contudo, a sua proeminência como principal fórum a regular a estabilidade econômica global adveio somente com a crise financeira de 2008, suplantando o G7. A alteração do G7 para o G20 é decorrente da atuação concertada dos emergentes e da grande participação no crescimento econômico, principalmente a partir do século 21.

No seu conjunto, os 19 países e a União Europeia que compõem o G20 correspondem a 90% do PIB global, 80% do comércio internacional e a 2/3 da população mundial. Além disso, o G20 Financeiro é integrado pela União Europeia e por 19 Estados, sendo 11 emergentes (África do Sul, Arábia Saudita, Argentina, Brasil, China, Coreia do Sul, Índia, Indonésia, México, Rússia e Turquia) [2].

Na OCDE ou Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento (Organization for Economic Co-operation and Development  OECD), que se trata de uma organização internacional dedicada a proporcionar cooperação nas áreas econômicas, nenhum dos países do Brics é membro, sendo o Brasil o único dos cinco a solicitar a sua entrada.

Em 25 de janeiro de 2022, a OCDE iniciou o processo para discussão da adesão de seis novas candidaturas: Brasil, Argentina, Bulgária, Croácia, Peru e Romênia. Com essa decisão, o Brasil pode ser o primeiro país do Brics a integrar a OCDE [3].

Na última Cúpula do Brics, tendo por anfitrião a China, ocorrida em junho de 2022 de forma virtual, o Irã e a Argentina solicitaram oficialmente a sua inclusão [4].

Por não se tratar de uma organização internacional, mas sim de um fórum, a participação de outros países emergentes seria mais aproveitada no NDB e CRA, uma vez que possuem objetivos específicos e de maior impacto na contribuição para o desenvolvimento sustentável e infraestrutura. De forma semelhante, o G20 deve se posicionar como fórum de maior importância a conjugar atores-chave dos países desenvolvidos e em desenvolvimento. A exemplo, a Argentina é parte do G20 e no Oriente Médio encontra-se a Arábia Saudita.

A ampliação do Brics, a partir de um ponto de vista de maior participação de países emergentes e em desenvolvimento nos principais fóruns do sistema internacional, não seria uma decisão a gerar consequências relevantes para o a economia global ou mesmo para as ações de cooperação internacional. Outrossim, o Brics, sob as palavras do Xi Jinping, deve atuar na construção de consenso global na agenda de proteção ao desenvolvimento.

A relevância do Brics consiste em se apresentar como um instrumento a permitir uma maior participação dos países emergentes e em desenvolvimento em outros fóruns e organizações internacionais, como no caso do G20, FMI e Banco Mundial. Os temas de cooperação e desenvolvimento são os principais na agenda e não deve o grupo inserir-se em questões de ordem de política e segurança internacionais, cujo locus adequado é o Conselho de Segurança das Nações Unidas.

A entrada de outros membros no seio do Brics pode figurar ganhos políticos de curto-prazo para determinados países e, em decorrência, ocasionar a perda da imagem do grupo como importante ator global na função de exercer uma espécie de caixa de ressonância para os interesses dos demais países emergentes em pautas de cooperação e desenvolvimento. A exemplo, o Brics se coordenou em 2008, durante a crise financeira, a permitir que o G20 fosse o principal fórum de negociações internacionais de estabilização financeira.

O Brics, portanto, não figura como um grupo a competir com outros agrupamentos, como o G20 ou Otan. A sua atuação consiste em fomento de parcerias internacionais e, principalmente, pautados em uma maior participação de países emergentes e em desenvolvimento nos centros de decisão de organizações internacionais.


[1] O'NEIL, Jim. Building Better Global Economic BRICs. nº 66. Goldman Sachs, 2001; JONES, Stephanie. Brics and Beyond. Executive Lessons on Emerging Markers. Chichester, John Wiley & Sons, 2012; STUENKEL, Oliver. The Brics and the future of global order. Lanham: Lexington Books, 2015; COOPER, Andrew F. The Brics: A Very Short Introduction. Oxford: Oxford University Press, 2016; ALMEIDA, Thiago Ferreira; SILVA, Roberto Luiz. The Development Bank of Brics. BRICS Law Jornal. v. 5, nº 4. University of Tyumen, Russian Federation, 2018.

[2] MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. O Brasil no G20. Disponível em: http://antigo.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/diplomacia-economica-comercial-e-financeira/15586-brasil-g20. Acesso em: 18 mar. 2021

[3] ORGANIZATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT — OECD. OECD takes first step in accession discussions with Argentina, Brazil, Bulgaria, Croatia, Peru and Romania. Disponível em: <https://www.oecd.org/latin-america/paises/brasil-portugues/>. Acesso em: 23 jun. 2022.

[4] INDIA EXPRESS. Iran, Argentina seek Brics membership. Disponível em: <https://indianexpress.com/article/world/iran-argentina-seeks-brics-membership-7996664/>. Acesso em: 18 jul. 2022.

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  • é advogado e pesquisador convidado de doutorado na Faculdade de Direito da Universidade de Geneva (Unige), doutorando em Direito Internacional do Investimento na Faculdade de Direito da UFMG, professor e coordenador no Centro de Direito Internacional (Cedin)

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