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Competência da União em matéria urbanística, Estatuto das Cidades e mineração

Autor

  • Victor Athayde Silva

    é sócio do escritório David & Athayde Advogados mestrando pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos e consultor em Direito Administrativo Regulatório Integridade Corporativa Licitações Contratos Administrativos Ambiental Minerário e Urbanístico.

23 de agosto de 2022, 8h24

O ordenamento constitucional que atribui à União (artigo 21, XX) a competência para "instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano". Por sinal, a Carta Magna estabelece que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre direito urbanístico (artigo 24, I) e, neste caso, "a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais" (artigo 24, §1º).

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Olvidando-se dos estados membros, que por ora não interessa a este relato, mas focando nos municípios, além da União, a CRFB/88 reza que:

"Artigo 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes."

A regulamentação deste artigo se deu pela Lei Federal nº 10.257/2001, conhecido como Estatuto das Cidades (EdC).

O EdC é uma lei geral, conforme expresso na CRFB e, segundo o escolio de José Afonso da Silva [1], trata-se de normas de direito público e, portanto, cogente.

Silva (2012, p. 63 e 65) esclarece que hodiernamente temos mais contato com leis urbanísticas municipais, entretanto estas estão balizadas por princípios e diretrizes definidos por norma geral (EdC) estabelecida pela União.

Por outro lado, será norma geral, logo, de competência constitucional da União, se estabelecer:

"ação integrada de organismos federais, estaduais e municipais e cooperação com a iniciativa privada, sobre o desenvolvimento urbano, as diretrizes sobre as áreas de interesse especial; as diretrizes sobre o planejamento urbanístico […]" (SILVA, 2012, p. 66).

Sendo assim, ao exercer sua competência constitucional em estabelecer normas gerais de caráter urbanístico e estabelecer as diretrizes para a a competência municipal estabelecida pelo artigo 182 da CRFB, a União determinou que,

"Artigo 2º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:
[…]
IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente".

Isso posto, observada a plena competência da União, no que se refere à norma geral com conteúdo de diretriz de planejamento urbano de ramo de atividade econômica, falemos sobre o contexto da mineração.

Pois bem, a mineração é uma atividade de interesse nacional, utilidade pública, caracterizada pela rigidez locacional, como definido no artigo 2º, I e II, e inciso I do parágrafo único do Decreto Federal nº 9.406/2018 (Regulamento do Código de Mineração  RCM).

Do ponto de vista econômico, segundo notícias recentes, a mineração corresponde a quase cinco por cento do produto interno bruto nacional [2] e foi responsável por um saldo de quarenta e nove bilhões de dólares na balança comercial brasileira em 2021, tendo arrecadado o recorde de cerca de R$ 10 bilhões em Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) [3], um incremento de 70% em relação a 2022 [4].

Sobre a CFEM, é importante lembrar que ela é arrecadada pela União, mas o maior percentual de suas receitas é destinado aos municípios onde ocorre a atividade de mineração ou são impactados por ela (65%, por força dos artigos 1º, II e 2º, VI e VII da Lei 8.001/1990).

Compete à União, de acordo com o Código de Mineração vigente, administrar os recursos minerais, a indústria de produção mineral e a distribuição, o comércio e o consumo de produtos minerais.

Entretanto, o fomento à mineração por muitas vezes se choca com a expansão urbana e o direito fundamental à propriedade, gerando conflitos de diversas naturezas entre os superficiários e detentores de requerimento de pesquisa titularidade de processos minerários e/ou títulos minerários.

Quando isso ocorre, prevalece o interesse nacional do desenvolvimento da atividade da mineração, pois são bens jurídicos distintos (solo e bem mineral), conforme delineado pelo artigo 176 [5] da CRFB. Aliás, o próprio Código de Mineração (Decreto-Lei 227/1967) em seu artigo artigo 27, prevê rito judicial para eventuais contenciosos entre o minerador e o superficiário, dada a presunção de que poderá haver interesses conflitantes em jogo.

Nesse sentido, entende-se que o Estado brasileiro deve garantir o crescimento econômico em consonância com o desenvolvimento socioambiental, ultimando a paz social, gerando assim benefícios para toda a sociedade, respeitando princípios como o desenvolvimento socioeconômico do País com efeitos na melhoria da qualidade de vida da sua população, no presente e no futuro; a sustentabilidade ambiental do desenvolvimento socioeconômico; a cooperação entre os estados, sem prejuízo das respectivas autonomias.

Isso posto, seria prudente que o Estatuto das Cidades previsse mecanismo de planejamento urbano que garantisse o desenvolvimento da atividade minerária, a partir dos dados de pesquisas e requerimentos de pesquisa (e mesmo de lavra) que detém os órgãos federais (Agência Nacional de Mineração e Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais), com o fim de se evitar conflitos com os proprietários do solo que pretendem desenvolver projeto ou simplesmente edificar sua moradia.

Essa ação tem como foco que esses municípios sejam capazes de delimitar essas áreas para aprimorar no seu ordenamento territorial, a produção minerária em geral, estabelecendo assim, um pacto social para o uso e o melhor aproveitamento do bem mineral, de maneira que se possa conciliar mais adequadamente a atividade econômica de utilidade pública (mineração), assim estabelecida pelo Decreto Federal 9.406/2018 com a ocupação dos espaços urbanos.


[1] SILVA, José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2012. 7ª edição, revista e atualizada, p. 61.

[3] A CFEM é um preço público devido pelo minerador pela exploração de recurso minerais.

[5] Artigo 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.

Autores

  • é sócio do escritório David & Athayde Advogados, mestre pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos e realiza consultoria em Direito Administrativo, Integridade Corporativa, Licitações, Contratos Administrativos, Ambiental, Minerário e Urbanístico.

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