Opinião

Desjudicialização: pretensão resistida e o dano moral no PL 533/19

Autor

  • Clayton Camacho

    é advogado integrante da Comissão Especial de Desjudicialização do Conselho Federal da OAB e ex-diretor jurídico de instituição financeira.

22 de agosto de 2022, 18h23

De autoria do deputado Júlio Delgado, o PL 533/19 propõe inclusões nos artigos 17 e 491 do Código de Processo Civil estabelecendo (i) a necessidade de ocorrência da resistência em solucionar uma pretensão de reparação para que haja "interesse processual" e (ii) a observância de diretriz para definição da extensão da obrigação de pagar.

Antes de adentrarmos no mérito da proposta do PL 533/19, cabe lembrar que em 2020 ingressaram 17 milhões de novas ações judiciais, o que demonstra a urgente necessidade de aprimoramento da Constituição no sentido de dar segurança jurídica às composições extrajudiciais, visto que o Poder Judiciário, como detentor do monopólio da resolução definitiva de conflitos, é cobrado para ser célere na prestação jurisdicional, visto que é constitucionalmente assegurado a todos a razoável duração do processo, mas o volume de demandas se sobrepõe às suas possibilidades de resolvê-las.

Mas enquanto não se muda a Constituição, entendemos existir espaço para aprimoramento da legislação ordinária, como se pretende no PL sob comento.

A prática na advocacia nos autoriza a afirmar que, na quase totalidade das novas ações ajuizadas, os autores não procuraram a parte adversa objetivando a composição. E isto se dá em razão da busca da condenação a "danos morais" que invariavelmente são reconhecidos pelo Judiciário, especialmente nas discussões de "consumo", com a fixação de valores entre R$ 3 mil a R$ 8 mil, independentemente do "dano patrimonial" causado, o que afronta princípios de razoabilidade e proporcionalidade.

Não podemos crer que falhas do fornecedor de produtos ou do prestador de serviços sejam intencionais, visto que numa sociedade com inúmeros competidores, causar dano ao consumidor prejudicaria a sua imagem e o retiraria do mercado.

É certo que falhas podem causar prejuízo material — que efetivamente deve ser ressarcido — e incômodos ou aborrecimentos ao consumidor, mas não a ponto de implicar em "dano moral", uma vez que para o dano ocorrer deve a situação ter ferido o interior da pessoa ou os direitos de sua personalidade, tais como, o nome, a honra e a sua intimidade. Ora, o simples fato de ligar para o call center da empresa ou tratar diretamente com o fornecedor ou prestador de serviços visando resolver a falha, não implica em o consumidor ter a sua moral abalada.

A certeza na condenação judicial em "danos morais" leva o consumidor a acionar o Poder Judiciário sem buscar diretamente a composição, sendo que a fixação do "dano moral" em valores expressivos se torna óbice para a solução da questão, como demonstra o baixo índice de 18% de conciliação nos juizados especiais (CNJ, 2020).

A exigência da demonstração da "pretensão resistida" é uma medida oportuna para incentivar a busca por soluções extrajudiciais e com isso desafogar o Poder Judiciário, mas a proposta não está sendo incluída de forma adequada nos diplomas legais.

O artigo 17 do CPC trata da obviedade de não poder ser autor de uma ação judicial aquele que não teve uma ameaça ou violação de um direito normatizado, ou seja, ele não pode questionar junto ao Poder Judiciário a reparação de uma lesão ou ameaça de direito inexistente. Não estando presente o interesse processual, a ação deve ser extinta sem julgamento do mérito.

Deveria o PL 533/19 atribuir a exigência de demonstração da "pretensão resistida" como "possibilidade jurídica do pedido", posto que vincularia uma pretensão possível do ponto de vista jurídico e, portanto, como doutrinava Giuseppe Chiovenda, integra o mérito da causa. A exigência de demonstração da "pretensão resistida" não deve ser regulada como "interesse processual", pois, se assim for, impedirá que uma questão de mérito seja analisada pelo Poder Judiciário.

A obrigatoriedade de se buscar a conciliação para se estabelecer a "possibilidade jurídica do pedido", deve ser ingerida como parágrafo no artigo 186 do Código Civil, dispondo que "o dano moral se consubstanciará quando injustamente o violador do direito não se dispuser a providenciar o ressarcimento do dano material". Neste caso, caberia ao autor da ação demonstrar que houve "resistência" à sua pretensão e, caso não o faça, por não haver a "possibilidade jurídica do pedido", teria seu pedido julgado improcedente, nos termos do artigo 487 do CPC.

Quanto à proposta de inclusão de parágrafo no artigo 491 do CPC, nos parece adequado que a legislação estabeleça parâmetros para que o julgador fixe valor ao "dano moral". O ministro Gilmar Mendes ao analisar o artigo 223-G da CLT (ADIs 5.870, 6.050, 6.069 e 6.082), posicionou no sentido de que pode haver parâmetros de uniformização para fins de reparação do dano extrapatrimonial, posto não ser impeditivo do juiz fixar o valor, mas sim o orienta a observar princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Assim, aproveitando o que já temos na legislação trabalhista (artigo 223-G da CLT, inserido pela Lei 13.467/2017) deveriam ser  incluídos como parágrafo 3º no artigo 491 do CPC, os seguintes parâmetros de observância para o juízo definir a reparação extrapatrimonial: (I) a intensidade do sofrimento ou da humilhação; (II) os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão; (III) a extensão e a duração dos efeitos da ofensa; (IV) as condições em que ocorreu a ofensa; (V) o grau de dolo ou culpa; (VI) a ocorrência de retratação espontânea; (VII) o esforço efetivo para minimizar a ofensa; (VIII) a situação social e econômica das partes envolvidas; e (IX) o grau de publicidade da ofensa.

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  • é advogado, membro da Comissão Especial de Desjudicialização do Conselho Federal da OAB e ex-diretor jurídico de instituição financeira.

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