Opinião

Divulgaram informações sigilosas da minha empresa. O que fazer?

Autores

  • Marilza Tânia Ponte Muniz Feitosa

    é advogada pós-graduada em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas sócia fundadora do escritório Marilza Muniz Advocacia com atuação em Direito Societário contratos assessoria jurídica para startups e compliance presidente da Comissão de Direito Empresarial da OAB Subsecção Sobral profissional de compliance anticorrupção CPC- A certificada pelo LEC Certification Board e FGV.

  • Ana Karen Vasconcelos Araújo

    é estagiária no escritório Marilza Muniz Advocacia Empresarial e graduanda em Direito pela Faculdade Luciano Feijão (FLF).

21 de agosto de 2022, 13h27

Imagine que você tem uma empresa que fabrica doce de leite, sendo popular no mercado pelo sabor diferenciado de seu produto, atraindo diversos consumidores.

Contudo, após alguns desentendimentos, você demite um de seus funcionários. O empregado, rancoroso, decide divulgar a receita de seu doce para uma empresa concorrente, que passa a utilizar a mesma fórmula, mas vendendo por um preço menor, o que acaba por diminuir consideravelmente os lucros do seu empreendimento.

Tal situação é mais comum do que se imagina. Conforme relatado pelo Metrópoles, a Polícia Civil do Distrito Federal está investigando um homem suspeito de desviar mais de R$ 800 mil de um caixa onde trabalhava. Seu empregador, ao tomar conhecimento de tal fato, decidiu demiti-lo. Contudo, após a demissão, o ex-funcionário passou a ameaçar seu patrão, exigindo que o mesmo lhe pagasse R$ 700 mil em troca de não divulgar segredos que comprometeriam a credibilidade do estabelecimento.

Nesses casos, o que pode ser feito? Posso obrigar alguém a não divulgar segredo da minha empresa? Essa pessoa pode ser responsabilizada? Essas questões serão analisadas abaixo.

Posso demitir um funcionário que violou segredo da empresa?
Suponha o seguinte: você monta uma confeitaria e passa a testar diversas fórmulas diferentes para produzir bolos. Após muito esforço e inúmeras tentativas falhas, a "receita perfeita" surge: você cria um sabor único de bolo, que faz muito sucesso em sua região. A fama finalmente aparece, sua empresa começa a lucrar e a se expandir, ocasião em que você ensina seus funcionários a replicarem esse doce.

Um desses empregados decide então vender a receita para uma pequena lanchonete no mesmo bairro, a qual passa a vender o bolo que você criou, mas por um preço mais acessível, "roubando" diversos dos seus clientes.

Esse funcionário poderá ser demitido? Se sim, quais direitos ele terá?

O artigo 482 da Consolidação das Leis Trabalhistas prevê como hipótese de demissão com justa causa a violação de segredo de empresa pelo funcionário.

Nesse caso, a empresa poderá demitir o empregado, não tendo obrigação de pagar verbas indenizatórias como a multa de 40% do FGTS, aviso-prévio, férias proporcionais e 13º salário proporcional.

Além disso, o empregado não terá direito a sacar seu FGTS e nem a ter acesso ao programa do seguro desemprego, recebendo apenas o saldo de seu salário e eventual 13º salário e férias que ainda não tenham sido pagos.

E se um ex-funcionário ou terceiro espalharem tais informações? O que pode ser feito?
Compreendemos que um funcionário poderá ser demitido em caso de violação do segredo de empresa, mas, além da dispensa sem justa causa, quais outras consequências sua conduta pode ter? E se o ilícito for praticado por ex-funcionário ou terceiro?

 A resposta para todas essas situações é a mesma.

 Se for constatada a existência de danos à empresa que teve suas informações indevidamente divulgadas, esta poderá ingressar com ação judicial, pedindo: a) que o post seja apagado, caso se trate de informação publicada em redes sociais; e b) indenização pelos prejuízos sofridos.

É possível também que o indivíduo que vazou as informações confidenciais seja responsabilizado pelo crime de concorrência desleal, previsto no artigo 195, inciso X, da Lei nº 9.279/96, cuja pena é de três meses a um ano de detenção, ou multa.

Tem uma empresa utilizando as mesmas técnicas da minha. Como ela pode ser responsabilizada?
Sabemos quais as consequências da divulgação indevida de segredo comercial, mas qual a responsabilidade daqueles que utilizarem a mesma fórmula ou método em seus produtos? A resposta é: depende.

Um exemplo de tal situação é o conhecido caso das empresas de bebida Campari e Stock. A fabricante Campari celebrou um contrato de distribuição de produtos com a Stock, o que a fez ter acesso a informações relativas às técnicas utilizadas pela segunda empresa para o fornecimento de seus produtos.

 Após o término da vigência do contrato, a empresa Campari decidiu não renovar o pacto, mas continuou utilizando a mesma estratégia da outra empresa para realizar o fornecimento das bebidas.

Por conta disso, a empresa Stock ingressou com ação judicial contra a Campari, alegando que ela teria usurpado seu know-how em relação à distribuição de bebidas.

No julgamento do caso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu pela inexistência de dever de indenizar a empresa Stock, uma vez que, nas palavras do relator, o ministro Cueva, a Campari estaria apenas utilizando "informações já conhecidas em função do exercício legítimo de seu poder de controle na qualidade de fornecedor sobre o seu distribuidor exclusivo", atentando ainda para o fato de que constava no contrato anteriormente celebrado entre as empresas que a Stock tinha a obrigação de fornecer as informações relativas à forma de distribuição de seus produtos.

Caso no contrato firmado existisse cláusula de confidencialidade das informações ali descritas, o final poderia ter sido diferente, com a empresa Campari sendo obrigada a indenizar a Stock pela usurpação de seus métodos de procedimento.

O que fazer para impedir que informações confidenciais do meu empreendimento vazem?
Algumas atitudes podem ser tomadas para impedir o vazamento das informações sigilosas da empresa ou para minorar suas consequências, como, por exemplo:

a) a existência de contratos ou cláusulas de confidencialidade;
b) o treinamento e a orientação dos funcionários;
c) o tratamento de dados, digitalização de documentos e criação de programas de segurança, com a devida adequação da empresa à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).

Para garantir maior segurança para sua empresa, é essencial contar com uma boa assessoria jurídica empresarial. Há quem diga "em boca fechada não entra mosquito", e empresa bem assessorada não leva prejuízo!

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Referências
BARACAT, Eduardo Milléo. A reparação civil decorrente da violação dos deveres de omissão e segredo após a rescisão do contrato de trabalho e a competência material correspondente. Eduardo Milléo Bacarat, [S. l.], p. 1-1, 9 nov. 2018. Disponível aqui. Acesso em: 23 jun. 2022.

CRUZ, Andre Santa. O caso Stock x Campari: e (mais uma vez!) a importância do contrato empresarial bem feito. Instagram: Prof.andresantacruz, 10 jun. 2022. Disponível em: https://www.instagram.com/p/CeoEcMoLRcL/?hl=pt-br. Acesso em: 23 jun. 2022.

METROPOLES (Brasília). Ex-funcionário cobra R$700 mil para não divulgar segredos de empresa. Instagram: Jornal Metrópole, 6 jun. 2022. Disponível em: https://www.instagram.com/p/Cedv0aRrMkk/?hl=pt-br. Acesso em: 23 jun. 2022.

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA CASA CIVIL SUBCHEFIA PARA ASSUNTOS JURÍDICOS. Decreto-Lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. [S. l.], 1 maio 1943. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 23 de Junho de 2022.

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA CASA CIVIL SUBCHEFIA PARA ASSUNTOS JURÍDICOS. Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. [S. l.], 14 maio 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9279.htm. Acesso em: 23 jun. 2022.

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