Opinião

Lei nº 14.375/2022 e inovações na negociação de dívidas tributárias

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18 de agosto de 2022, 7h14

Ampliando o instituto da transação tributária, a Lei nº 14.375/2022, em vigor desde junho deste ano, trouxe algumas mudanças relevantes para a negociação de débitos entre contribuintes e o Fisco nacional.

Mas, em primeiro lugar, é importante situar o estágio atual da transação tributária federal enquanto modalidade de extinção do crédito tributário, conforme estipula o artigo 156, III, do Código Tributário Nacional (CTN). Em suma, não se pode perder de vista que, no fundo, está se falando de um modo de pagamento de tributos.

Apesar da previsão antiga no Código Tributário Nacional, que data de 1966, a transação como é conhecida atualmente apenas teve marco legal próprio em 2020, por meio da Lei nº 13.988/2020.

Antes, as negociações entre contribuinte e Fisco dependiam apenas de parcelamentos especiais, institutos de certa forma semelhantes à transação, como os Programas de Financiamento Especiais e Extraordinários de débitos fiscais habitualmente disponibilizados pelo governo federal, popularmente conhecidos como Refis.

A transação tributária surgiu como uma ferramenta específica e variável conforme as peculiaridades de cada contribuinte, o que a distingue e possivelmente a torna mais benéfica em comparação aos programas de alcance geral, como os de parcelamento ou de anistia, por exemplo.

Em síntese, tal modalidade de acordo é viabilizada através da apresentação de propostas individuais, na hipótese de os termos serem oferecidos pelo próprio contribuinte; ou de propostas por adesão, onde a proposta já vem moldada pelo poder público, cabendo ao contribuinte a negociação, caso queira.

Tal quadro não pode ser tratado como solução heterodoxa, pois o próprio CTN, em seu artigo 171, já prevê há muito tempo, expressamente, a possibilidade de criação de lei estabelecendo regras e condições para autorização desse instrumento negocial no âmbito da relação entre os sujeitos da tributação (ativo/fisco e passivo/contribuinte).

O regramento, dessa forma, pode ser considerado como um relevante instrumento a ser utilizado pela União. Isso porque a transação tributária sempre teve o condão de trazer não somente uma maior celeridade à solução de conflitos e, consequente, redução da litigiosidade, como também a maior efetividade, especialmente sob o aspecto da participação ativa dos contribuintes no procedimento de aplicação das normas, o que permite um estreitamento da relação entre as partes envolvidas.

Com o advento da Lei nº 14.375/2022 e as mudanças dela decorrentes, houve uma facilitação ainda maior para a realização dessas transações. Em relação à participação dos envolvidos, a principal delas diz respeito à atuação direta da Receita Federal nas negociações de dívidas existentes com os administrados.

Antes da Lei nº 14.375/2022, só era permitido transacionar os débitos sob a administração da Secretaria Especial da Receita desde que não houvesse judicialização, inclusive da parte do contribuinte.

Após a Lei nº 14.375/2022, há uma alteração expressa para tornar a judicialização irrelevante, bastando o débito estar sob administração da Receita para que a transação seja feita sem a necessidade de atuação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Ou seja, basta ainda não ter sido inscrito em dívida ativa. 

Isso porque é a inscrição em dívida ativa que marca a passagem da administração de determinada dívida tributária, saindo das mãos da auditoria-fiscal (RFB) e indo aos cuidados da Procuradoria (PGFN), nos termos do art. 2º, 3º, da Lei nº 6.830/1980 (Lei de Execuções Fiscais — LEF), bem como do artigo 12 da Lei Complementar nº 73/1993 (Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União, da qual a PGFN faz parte).

Sob as mesmas condições (descontos, parcelas, prazos etc.), a transação com a Receita normalmente tenderá a ser mais vantajosa do que aquela feita com a PGFN. Isso decorre de uma definição legal, pois a inscrição em dívida ativa de determinado débito tributário é acompanhada do encargo de 20% calculado sobre tal valor atualizado, nos termos do Decreto-Lei nº 1.025/1969.

Se, por um lado, a Lei nº 14.375/2022 consolida (pelo menos em tese) a facilitação da negociação de débitos tributários diretamente com a Receita, tem-se uma diretriz a ser seguida pela União como um todo. Por outro lado, há um incentivo econômico-financeiro decorrente da ausência do encargo de 20% atrelado a inscrição em dívida ativa.

Diz-se "incentivo", pois, além da economia em si, o chamado "encargo legal" de 20% tem natureza jurídica de taxa, dado a clareza do texto do artigo 1º do Decreto-Lei nº 1.025/1969. Taxa, como se sabe, é espécie do gênero "tributos", e tem uma característica única, a de necessariamente estar atrelada à prestação de um serviço público.

Com a modernização e automatização dos controles eletrônicos sobre a dívida ativa, pode-se dizer que não há mais um serviço público propriamente dito atrelado e referente à taxação.  

Portanto, atualmente, é necessária uma análise séria a respeito da inconstitucionalidade e ilegitimidade [1] de uma taxa extremamente gravosa, pois o cálculo no patamar de 20% é maior do que a alíquota da grande maioria dos tributos existentes.

Em paralelo, as causas nas quais a Fazenda Pública esteja envolvida já possuem metodologia própria para cálculo de honorários desde 2016, com a entrada em vigor do atual Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015, artigo 85, §3º). 

Do ponto de vista da dívida tributária em si, para além da ampliação dos órgãos negociantes, a Lei nº 14.375/2022 ampliou o limite máximo dos descontos concedidos para as pessoas jurídicas, bem como das parcelas necessárias para a quitação da dívida (modificações no artigo 11 da Lei nº 13.988/2020).

Agora, as negociações das dívidas — que antes limitavam-se a 50% do crédito constituído, a ser pago em até 84 prestações — podem sofrer uma redução de até 65% do montante, a serem pagas em até 120 parcelas. Também, que os descontos obtidos pela transação não irão compor a base de cálculo do IRPJ, da contribuição ao PIS, da Cofins e da CSLL.

Ainda, o pagamento de débitos fiscais transacionados também pode ser feito com utilização de prejuízo fiscal (IRPJ) e de base de cálculo negativa (CSLL), até o limite de 70% da dívida após descontos, bem como pelo uso de precatórios ou de direito creditório que o contribuinte possua contra a Fazenda.

Apesar de a transação não ser livre de controvérsias, inclusive aquelas relativas ao quasi-monopólio da PGFN em seu protagonismo e as causas de tal fenômeno [2], pode-se afirmar objetivamente que as alterações trazidas pela Lei nº 14.375/2022, para além do alinhamento ao artigo 171 do CTN, podem ser entendidas como importantes mecanismos de redução do contencioso e do passivo fiscal.

Por sua vez, sob a ótica dos contribuintes, a inovação reafirma a concessão de meios mais econômicos para a negociação de dívidas, uma vez que a participação direta da Receita Federal, em comparação com os acordos firmados com a PGFN, permite que o objeto da transação não dependa de sua inscrição em dívida ativa, potencialmente mitigando prejuízos por conta da imposição de encargos.

[1] Aqui não podemos deixar de fazer referência à análise de João Pedro Quintalinha Rezende: https://www.conjur.com.br/2022-mai-12/quintanilha-rezende-inconstitucionalidade-encargos-devidos-pgfn, sendo que o tema não é novidade, como se vê em: OLIVEIRA, João Rezende A. et. al. A inconstitucionalidade e ilegalidade do encargo de 20% adicionado às cobranças judiciais por parte da Fazenda Nacional. RDIET, Brasília, V. 9, nº1, p. 162 – 182 , jan-jun, 2014. 

[2] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/07/secretario-da-receita-adota-como-diretriz-transacao-que-da-descontos-a-devedores.shtml

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