Opinião

Créditos de PIS/Cofins e gastos com mão de obra por força de negociações coletivas

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18 de agosto de 2022, 9h09

Os contribuintes travam, há décadas, forte embate jurídico para fazer valer seu direito ao creditamento de PIS e de Cofins sobre dispêndios incorridos na aquisição de insumos. Em 2018, houve certa expectativa de que litígios a esse respeito fossem cessar, ou ao menos diminuir consideravelmente, com a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Recurso Especial (REsp) nº 1.221.170/PR (Tema 779), que definiu esse conceito para fins de creditamento daquelas contribuições sociais, no regime não cumulativo.

Em sede de recurso repetitivo, a 1ª Seção daquele Tribunal julgou que, para fins de aproveitamento dos créditos de PIS e Cofins, o conteúdo de insumo deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou da relevância, "considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item bem ou serviço  para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte".

A Corte Cidadã definiu os insumos como sendo aqueles bens ou serviços cuja ausência comprometeria a consecução da atividade-fim da empresa, estejam eles empregados direta ou indiretamente nos processos por ela realizados. Esse conceito seria decorrente do denominado "teste da subtração".

Naquela ocasião, para a conceituação de insumos, foi vencedora a divergência aberta pela ministra Regina Helena Costa, posteriormente aderida pelo ministro relator Napoleão Nunes Maia Filho. Especificamente a respeito do chamado "critério da relevância", a ministra consignou expressamente no seu voto haver relevância mesmo quando não há indispensabilidade da despesa na elaboração do próprio produto ou na prestação do serviço, mas a despesa "integra o processo de produção", seja pelas singularidades da cadeira de produção, seja por imposição legal.

Como não poderia deixar de ser, tais conceitos foram incorporados pela administração tributária federal, primeiramente por meio do Parecer Normativo (PN) Cosit nº 5/2018, e, na sequência, por meio da Instrução Normativa (IN) nº 1.911/2019.

Ocorre que, na interpretação das autoridades fiscais, como regra geral, não podem ser considerados insumos para fins de apuração de créditos da não cumulatividade do PIS e da Cofins os dispêndios da pessoa jurídica com itens destinados a viabilizar a atividade da mão de obra empregada em seu processo de produção de bens (item 9.2 do PN Cosit nº 5/2018).

Por sua vez, a IN RFB nº 1.911/2019 é expressa ao consignar que não são considerados insumos, entre outros, "despesas destinadas a viabilizar a atividade da mão de obra empregada no processo de produção ou fabricação de bens ou de prestação de serviços, tais como alimentação, vestimenta, transporte, cursos, plano de seguro e seguro de vida", ressalvado o creditamento com vale-transporte, vale-refeição ou vale-alimentação, fardamento ou uniforme fornecidos aos empregados por pessoa jurídica que explore as atividades de prestação de serviços de limpeza, conservação e manutenção (artigo 172, §2º, VI).

Mais recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, ao julgar o Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) nº 1.121.63/GO, que os acordos e convenções coletivos de trabalho se sobrepõem à legislação existente, contanto que o negociado pelas partes não afaste direitos trabalhistas previstos na CF/88.

Fixou, na ocasião, a seguinte tese de repercussão geral: "São constitucionais os acordos e as convenções coletivas que, ao considerarem a adequação setorial negociada pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis" (Tema 1.046).

Como sabido, o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho integra os direitos sociais do trabalhador e constituem fontes normativas do Direito do Trabalho (artigo 7º, inciso XXVI e artigo 8º, inciso III, da CF/88; artigo 611, §1º, CLT).

Antes da Constituição de 1988, parte da doutrina afirmava que esses institutos tinham por objetivo apenas a melhoria das condições sociais dos trabalhadores, com a capacidade de endereçar as especificidades das relações concretas das partes, coisa que a lei  geral e abstrata  muitas vezes não consegue alcançar [1].

No entanto, após a promulgação da Constituição, foi fixada nova diretriz ao admitir, por exemplo, a possibilidade de negociação coletiva para a redução de salário. Naturalmente, a mudança causou grande divergência na doutrina visando estabelecer parâmetros e limites de redução de direitos via negociação coletiva.

A este respeito, o professor Nelson Mannrich é preciso ao revisitar o princípio da proteção ao trabalhador, visando dar prioridade às relações coletivas, sem, por certo, abandonar a preferência pelo trabalhador [2].

Nesse contexto, o que o STF recentemente chancelou, como visto acima, foi o que conveniou-se chamar "negociado sobre o legislado", por meio do qual as cláusulas previstas em Convenções ou Acordos Coletivos prevalecem quando se apresentarem em antinomia com as disposições previstas em lei, contanto que sejam respeitados os direitos absolutamente indisponíveis dos trabalhadores. A decisão do STF foi proferida com base na legislação anterior à Reforma Trabalhista de 2017, que trouxe ainda mais força a esse posicionamento de que os acordos e negociações coletivas tenham força de lei. Nesse sentido, cite-se o artigo 611-A da CLT.

Pois bem. A pergunta que pretendemos responder neste breve artigo é: após a Reforma Trabalhista de 2017 e o entendimento do STF de que os acordos e convenções coletivos de trabalho se sobrepõem à lei, é possível afirmar que as despesas exemplificativamente supramencionadas, destinadas a viabilizar a atividade da mão de obra, desde que previstas em acordo ou convenção coletiva, podem ser conceituadas como insumos para fins de creditamento de PIS e Cofins, com base no voto da ministra Regina Helena Costa, que entendeu ser possível aferir o "critério da relevância" pela imposição legal de determina despesa?

Para possibilitar a resposta, precisaremos estabelecer algumas premissas.  A primeira delas é o fato de que as normas provenientes do ordenamento jurídico  independentemente de sua categorização para fins didáticos  constituem um único corpo e têm um fundamento comum de validade. Os chamados ramos do direito constituem apenas forma de criar especialidades para a Ciência, no entanto não têm o condão de criar novas ciências, pois todas as normas jurídicas estão relacionadas entre si. Assim, tentar isolar as regras jurídicas seria ignorar o Direito como sistema [3].

Ou seja, devemos partir, aqui, da sistematicidade e unicidade do sistema jurídico  assim, as relações jurídico-tributárias são organicamente enquadradas dentro de um único ordenamento, do qual faz parte, naturalmente, o Direito do Trabalho e as relações nele travadas.

Desse modo, determinada norma jurídica, se preenche os requisitos de validade, pertence a um todo (ordenamento jurídico) e deve conviver  em congruência  com as demais normas jurídicas, também elas partes do mesmo todo. É assim, portanto, que o Direito do Trabalho e o Direito Tributário devem viver harmoniosamente, e as decisões vinculantes dos Tribunais Superiores devem ser coerentes entre si.

Outra premissa é a de que o Direito não é vazio de conteúdo axiológico e por isso não deve, nesse aspecto, assumir uma posição de neutralidade. Deve buscar a justiça, mediante a integração, elaboração e aplicação das normas, dentro do contexto social em que se insere [4].

Como, então, conjugar todos os elementos expostos nesse texto, ao tratarmos dos direitos dos contribuintes em se creditarem de PIS e Cofins?

Ora, partamos das premissas indicadas: 1) os instrumentos de negociação coletiva correspondem a imposições normativas que têm força para as partes nela representadas, como uma lei teria; 2) tais instrumentos podem servir, como de fato muitas vezes servem, como medidas de verdadeira justiça nas relações de trabalho, que não são atendidas minuciosamente pelas leis em sentido estrito; 3) o entendimento jurisprudencial pacificado é pela viabilidade de creditamento de PIS e Cofins com despesas ditas relevantes  que derivam de imposição legal  que contribuem na consecução dos objetivos sociais dos contribuintes; 4) apesar de a legislação vedar o creditamento das contribuições sociais sobre a remuneração paga a pessoas físicas, não há vedação a respeito de itens/benefícios que sejam concedidos para a realização do trabalho.

Nesse último aspecto talvez esteja, justamente, a principal distinção entre aquilo que possa ser considerado insumo e aquilo não esteja vedado. Ou seja, não desconhecemos que os instrumentos coletivos possam prever a concessão de determinados benefícios aos empregados como forma de contraprestação dos serviços prestados (pelo trabalho)  esses não são indispensáveis para a consecução da atividade produtiva das empresas.

Há, todavia, outros que derivam desses mesmos instrumentos, são pagos aos empregados, mas são absolutamente indispensáveis para as atividades laborais respectivas ou para elas contribuem sobremaneira, garantindo maior bem-estar aos trabalhadores. Com relação a estes, após a equiparação dos acordos e convenções coletivas às leis, não há fundamento relevante para que não sejam considerados insumos.  Inclusive, parcelas in natura concedidas para o trabalho não possuem natureza salarial, justamente por se caracterizarem como ferramentas de trabalho (vide, a este respeito, o artigo 458, §2º, I, da CLT).

Há anos o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) possui jurisprudência [5] admitindo o creditamento de PIS e Cofins sobre despesa incorrida pela empresa com base em obrigação legal. O 2Conselho, inclusive, menciona expressamente o citado PN Cosit nº 05/2018.

Ademais, o Carf possui, em seu regimento interno, disposição determinando a observância dos precedentes proferidos pelos Tribunais Superiores em demandas repetitivas.

Considerando a existência de dois precedentes vinculantes  1) o primeiro, do STJ, explicitando o "critério da relevância" pela imposição legal, para descobrir se determinada despesa é ou não insumo, e 2) o segundo, do STF, pela constitucionalidade de que os acordos e convenções coletivas tenham força de lei – é de se esperar que o Carf e os Tribunais Judiciais interpretem com coerência o ordenamento jurídico, para entender que despesas incorridas com mão de obra para o desempenho do trabalho, desde que previstas em acordos ou convenções coletivos, sejam consideradas insumos para fins de crédito de PIS e Cofins.

Diante do exposto, somos da opinião de que, após o julgamento do Tema 1.046 pelo STF, há ainda mais argumentos para que os contribuintes possam se creditar de despesas destinadas a viabilizar a mão de obra  aquelas pagas para o trabalho, tais como alimentação, vestimenta, transporte, cursos, plano de seguro e seguro de vida  especialmente quando previstas em acordo ou convenção coletiva, por derivarem de imposição equivalente à legal e contribuírem, ainda que indiretamente, ao processo produtivo.

 


[1] VIANNA, Segadas. Direito Coletivo do Trabalho. São Paulo: LTr., 1972, p. 161.

[2] MANNRICH, Nelson. A Modernização do Contrato de Trabalho. São Paulo: LTr, 1998.

[3]DE CARVALHO, AURORA TOMAZINI. Teoria Geral do Direito (o Construtivismo Lógico-Semântico). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2009. p. 279.

[4] JUNIOR, Orlando Luiz Zanon. Teoria Complexa do Direito. Universidade do Vale do Itajaí (Univali). Tese de doutora. p. 97.

[5] Dentre as centenas de julgados, cite-se o Acórdão nº 3302.­006.528 — 3ª Câmara / 2ª Turma Ordinária.

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