Opinião

Casos Chico Buarque, Alice Secco e Caio Castro: memes e uso indevido de imagem

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11 de agosto de 2022, 11h09

Nos últimos tempos, têm sido corriqueiros debates, notícias e decisões judiciais decorrentes da utilização indevida de imagem de pessoas públicas, em especial na criação de "memes" para fins publicitários ou econômicos.

A exemplo, temos o caso do meme do artista Chico Buarque, criado a partir da capa de um dos seus álbuns, na qual uma empresa de tecnologia foi condenada a indenizar o músico em R$ 25 mil.

Há também o caso da menina Alice Secco, de dois anos de idade, conhecida por falar palavras difíceis, que, apesar de não ter sido objeto de ação judicial (até onde se sabe), gerou enorme repercussão e debate quanto à utilização de imagem de uma criança para criação de "memes".

Por fim, temos o caso do ator Caio Castro, que também foi vítima de tal prática ao ter uma polêmica fala sua utilizada para fins propagandísticos por diversos restaurante do país.

Diante de tais casos, surge um importante questionamento: qual a proteção do ordenamento jurídico para o direito de imagem? E quais as consequências para utilização indevida de imagem, em especial através da criação e difusão de memes com fins publicitários ou comerciais?

Segundo o dicionário online priberam a palavra "meme" significa "imagem, informação ou ideia que se espalha rapidamente através da internet, correspondendo geralmente à reutilização ou alteração humorística ou satírica de uma imagem", tendo sua origem na palavra grega "mimema" [1].

Inicialmente os memes foram criados com objetivo humorístico ou satírico, sempre no intuito de divulgar um fato relevante ou do cotidiano, podendo explorar questões de cunho social, político, entre outros.

Entretanto, após se darem conta da rapidez da sua reprodução e da capacidade de transmissão de conteúdo ou mensagens em poucas palavras ou imagens, o meme passou a ser utilizado como ferramenta de marketing e de publicidade de produtos e serviços por diversas empresas.

Embora em muitos casos sejam dotados de enorme criatividade e humor, rapidamente surgiram as consequências do uso indevido e pejorativo da imagem de terceiros, principalmente de pessoas públicas ou que estejam envolvidas momentaneamente em uma situação polêmica.

Mas o que prevê o ordenamento jurídico pátrio?

O direito à proteção da imagem e da intimidade encontra respaldo no princípio da dignidade da pessoa humana, pois inviável pensar em dignidade sem preservação dos demais direitos inerentes à pessoa em sua singularidade.

Assim, o artigo 5º, inciso X [2] dispõe "ser inviolável a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização por dano material ou moral decorrente de sua violação".

Complementa o art. 21 do Código Civil [3] ao prever que "a vida da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma".

A proteção ao direito de imagem não se limita às hipóteses de veiculação da imagem a algo ruim, pejorativo ou que possa ser ofensivo à imagem da pessoa, vez que o ordenamento jurídico pátrio também confere o direito à "imagem retrato". A "imagem retrato" é o aspecto exterior da pessoa, a fisionomia, o corpo do indivíduo. A reprodução não autorizada de fotografia de pessoa viola essa dimensão do direito à imagem, tratando-se de ilícito cuja consumação não depende de afetação dos atributos morais do indivíduo.

Conforme entendimento de diversos civilistas brasileiros, "o dano à imagem restará configurado quando presente a utilização indevida desse bem jurídico, independentemente da concomitante lesão a outro direito da personalidade, sendo dispensável a prova do prejuízo do lesado ou do lucro do ofensor para a caracterização do referido dano, por se tratar de modalidade de dano in re ipsa" [4] (Enunciado 587 da VII Jornada de Direito Civil).

Esse é o entendimento adotado pelo STJ, que, em algumas hipóteses, entende também ser irrelevante aferir se o uso da imagem tinha conotação ou finalidade comercial ou econômica.

Agrava-se a situação na hipótese de utilização desautorizada de imagem para fins econômicos e/ou comerciais, ocasião em que também não será necessário a prova do prejuízo para haver o dever de indenizar (Súmula 403, do STJ).

No caso do ator Caio Castro, o fato de a imagem ter sido extraída de entrevista a um veículo de comunicação com acesso público ou mesmo pelo fato do ator ser pessoa pública, não torna a conduta lícita, pois ao participar do podcast o ator autorizou o uso da sua imagem especificamente para aquela finalidade.

O próprio Código Civil [5] (artigo 20) veda a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa, salvo se autorizada ou se necessária à administração da justiça. Assim, a publicidade da imagem na internet não é uma autorização genérica para que terceiros a utilizem a seu bel-prazer.

Importante mencionar que não é somente a imagem que goza de proteção pela lei, pois a utilização indevida do nome também poderá acarretar consequências. Nesse sentido, os artigos 17 [6] e 18 [7] do Código Civil preveem que "o nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que exponham ao desprezo público, ainda que não haja intenção difamatória" (artigo 17) e que "sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial" (artigo 18).

Há também o enfoque sob a ótica da Lei Geral de Proteção de Dados  (LGPD), que considera a imagem como um dado pessoal e, em algumas hipóteses, até mesmo como dado biométrico, o qual só pode ser utilizado com o consentimento da pessoa retratada e para fins específicos.

Portanto, as consequências decorrentes do uso indevido da imagem dependerão da análise do caso concreto, todavia, conforme dito, poderão gerar direito a indenização por danos materiais e morais e, ainda, a obrigação de remoção ou recolhimento do material publicitário contendo a imagem utilizada indevidamente, sob pena de multa.

Diante disso, fica o alerta: internet não é terra de ninguém e tanto memes como uso indevido de imagem ou nome podem sim gerar consequências negativas para aqueles que delas se valerem.


[1] https://dicionario.priberam.org/meme. Consulta realiza em: 1/8/2022.

[2] Art. 5º, X da CF: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

[3] Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.

[4] Dano in re ipsa: dano presumido; que independente da comprovação do prejuízo.

[5] Art. 20 (CC). Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

[6] Art. 17 (CC). O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória.

[7] Art. 18 (CC). Sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial.

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