Opinião

Lei nº 14.421/22 e instrumentos de financiamento privado do agronegócio

Autores

  • Helena Mendonça de Toledo Arruda

    é sócia do escritório Duarte Garcia Serra Netto e Terra graduada pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e masters of law (LL.M) em International Financial Law na King's College London.

  • Caio Watanabe Rocha de Mello

    é associado do escritório Duarte Garcia Serra Netto e Terra com atuação em Mercado de Capitais. Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-Graduando em Direito e Economia dos Sistemas Agroindustriais pela Faculdade da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Pós-Graduado em Direito dos Contratos pela Fundação Getúlio Vargas (FGLaw).

10 de agosto de 2022, 6h02

No último dia 20 de julho foi publicada a Lei Federal nº 14.421, que alterou diversos dispositivos de relevância ao agronegócios e ao financiamento privado do setor.

As alterações visam deixar mais claro o alcance dos instrumentos de financiamento privado a toda a cadeia, ou seja, os segmentos antes, dentro e depois da porteira da fazenda, que estejam relacionados à produção, transformação, na comercialização e na logística de um produto agrícola básico, assim como os itens produzidos a partir dele até o seu consumo final. Isso se reflete na denominação dos Fiagros que, com a alteração trazida pela Lei nº 14.421, no caput do artigo 20-A da Lei Federal nº 8.668, de 25 de junho de 1993 (Lei nº 8.668), passam a denominar-se Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas do Agronegócio.

No mesmo sentido do ajuste realizado à denominação, os incisos II e III do referido artigo 20-A foram adequados para esclarecer que o Fiagro pode adquirir (1) participação societária em empresas que explorem atividades integrantes da cadeia produtiva do agronegócio (e não somente da cadeia produtiva agroindustrial); e (2) ativos financeiros, títulos de crédito e valores mobiliários emitidos por pessoas físicas e jurídicas que integrem a cadeia produtiva do agronegócio (e não somente da cadeia produtiva agroindustrial).

Por fim, o inciso V do artigo 20-A foi adequado para ampliar a gama de ativos que o Fiagro pode investir, tendo em vista a inclusão de ativos financeiros emitidos por pessoas naturais ou jurídicas integrantes da cadeia produtiva do agronegócio, o que inclui a Cédula de Produto Rural (CPR), com liquidação física ou financeira.

A Lei também trouxe alterações importantes à Lei Federal nº 8.929, de 22 de agosto de 1994 (Lei nº 8.929), que instituiu a Cédula de Produto Rural. A CPR é definida no artigo 1º da Lei nº 8.929 como "cédula representativa de promessa de entrega de produto rural" e o §2º do referido artigo prevê o rol de atividades que podem resultar na obtenção de produtos rurais. A Lei nº 14.421 alterou o §2º do artigo 1º da Lei nº 8.929, conforme abaixo transcrito:

"Art. 1º (…)
§ 2º. Para os efeitos desta Lei, produtos rurais são aqueles obtidos nas atividades:
I – agrícola, pecuária, florestal, de extrativismo vegetal e de pesca e aquicultura, seus derivados, subprodutos e resíduos de valor econômico, inclusive quando submetidos a beneficiamento ou a primeira industrialização;
II – relacionadas à conservação, à recuperação e ao manejo sustentável de florestas nativas e dos respectivos biomas, à recuperação de áreas degradadas, à prestação de serviços ambientais na propriedade rural ou que vierem a ser definidas pelo Poder Executivo como ambientalmente sustentáveis;
III – de industrialização dos produtos resultantes das atividades relacionadas no inciso I deste parágrafo;
IV – de produção ou de comercialização de insumos agrícolas, de máquinas e implementos agrícolas e de equipamentos de armazenagem."

Como destacado acima, foram incluídas diversas atividades que podem resultar em novos produtos rurais, aumentando de forma substancial o alcance da CPR, em linha com as alterações feitas para o Fiagro, para incluir e deixar mais claro o alcance desse instrumento de financiamento a toda a cadeia do agronegócio. Importante ressaltar que, nos termos do § 4º, do artigo 4º-A, cabe exclusivamente a emissão de CPR com liquidação financeira aos produtos relacionados nos incisos III e IV acima.

Como podemos notar, a Lei nº 14.421 incluiu a recuperação de florestas nativas como produto passível de emissão de CPR, em linha com o que já havia previsto o Decreto nº 10.828, de 1º de outubro de 2021, que regulamenta a emissão de CPR Verde. Neste sentido, o decreto poderia ser atualizado para prever também a recuperação de áreas degradadas, o que poderia aumentar ainda mais a atratividade desses títulos.

Outra alteração relevante trazida pela Lei nº 14.421, diz respeito à legitimidade para emissão de CPR, que passa a admitir "pessoas naturais ou jurídicas que beneficiam ou promovem a primeira industrialização dos produtos rurais referidos no art. 1º da Lei nº 8.929 ou que empreendem as atividades constantes dos incisos II, III e IV do § 2º do art. 1º da Lei nº 8.929".

Neste sentido, a inovação está em admitir as atividades novas incluídas no § 2º do artigo 1º, quais sejam: atividade florestal, de extrativismo vegetal, relacionada à recuperação de florestas nativas, à recuperação de áreas degradadas, à prestação de serviços ambientais na propriedade rural, de industrialização dos produtos resultantes das atividades relacionadas no inciso I, do § 2º do artigo 1º, de produção ou de comercialização de insumos agrícolas, de máquinas e implementos agrícolas e de equipamentos de armazenagem.

Ainda, foi alterado o disposto no §2º do artigo 2º da Lei nº 8.929, para prever a incidência do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre as CPR emitidas por pessoas naturais ou jurídicas que empreendem as atividades constantes dos incisos II, III e IV, do § 2º, do artigo 1º da Lei nº 8.929, conforme destacamos no parágrafo anterior. Da mesma forma, não será aplicada a tais CPR a isenção de Imposto de Renda prevista no inciso V do caput do artigo 3º da Lei nº 11.033, de 21 de dezembro de 2004, nem quaisquer outras isenções.

Outras alterações importantes relacionadas à CPR são: (1) as partes contratantes poderão estabelecer a forma e o nível de segurança da assinatura eletrônica que serão admitidos, observadas as regras dos incisos I e II, do §2º, do artigo 3º da Lei nº 8.929; (2) a CPR com liquidação financeira poderá ser utilizada como instrumento para fixar limite de crédito e garantir dívida futura concedida por meio de outras CPR a ela vinculadas (§3º, do artigo 5º da Lei nº 8.929); (3) a mudança do prazo de registro ou depósito em entidade autorizada pelo Banco Central de dez dias para 30  dias para as CPR emitidas a partir de 11 de agosto de 2022 (inciso II, do art. 12º da Lei nº 8.929); e (4) a alteração do local de registro da alienação fiduciária de produtos agropecuários e de seus subprodutos para o cartório de registro de imóveis em que estiverem localizados os bens dados em garantia (§4º, do artigo 12º da Lei nº 8.929).

Em relação à Lei Federal n° 11.076, de 31 de dezembro de 2004 (Lei nº 11.076), as principais alterações trazidas pela Lei nº 14.421 estão relacionadas ao CDA e ao WA, conforme segue: (1) identificação, qualificação e assinatura dos representantes legais do depositário poderão ser efetuadas de forma eletrônica (inciso XVII, do artigo 5º); e (2) o depósito de CDA e de WA emitidos sob a forma cartular em depositário central será precedido da entrega dos títulos à custódia de instituição legalmente autorizada para esse fim, por meio de endosso-mandato, que poderá ser feito de forma eletrônica, conforme legislação aplicável (§ 1º, do artigo 15º).

No âmbito da Lei Federal n° 13.986, de 7 de abril de 2020 (Lei nº 13.986) as alterações principais se relacionam ao Fundo Garantidor Solidário (FGS) e ao Patrimônio Rural em Afetação (PRA).

O FGS deixa de exigir a participação do credor como cotista e passa a garantir toda e qualquer operação financeira vinculada à atividade empresarial rural, tendo sido suprimida a necessidade de integralização de percentuais mínimos por cada participante.

O PRA entregue em garantia passou a constituir um direito real, submetendo-se às regras relativas ao instituto da alienação fiduciária de imóvel de que trata a Lei Federal nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, e o Código Civil. Entretanto, o PRA não foi expressamente incluído no rol do Artigo 1.225 do Código Civil, que trata dos direitos reais, mas já consta da lista do artigo 167 da Lei Federal nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973.

Por fim, a Lei nº 14.421 alterou alguns pontos da Lei nº 13.986 objetivando trazer maior segurança jurídica, ao estabelecer que: (1) o imóvel a ser afetado pelo PRA, seja por inteiro ou mesmo que parcialmente, deverá estar devidamente georreferenciado; (2) no caso de excussão de uma fração específica afetada pelo PRA, será necessário apresentar o respectivo georreferenciamento para fins de registro do parcelamento definitivo; e (3) em caso de instituição de um PRA em parte de um imóvel, a parte não afetada também deverá respeitar e atender as obrigações ambientais.

Autores

  • é sócia do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra, graduada pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e masters of law (LL.M) em International Financial Law na King's College London.

  • é associado do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra, graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, pós-graduado em Direito Médico e Hospitalar pela Escola Paulista de Direito e pós-graduado em Direito dos Contratos pela Fundação Getulio Vargas (FGLaw).

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