Opinião

Resolução nº 462 do CNJ e a política judiciária de pesquisa e ciência de dados

Autores

  • Alexandre dos Santos Cunha

    é professor dos programas de pós-graduação em Administração e Direito da Universidade Positivo doutor em Fundamentos da Experiência Jurídica técnico de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e secretário de Pesquisa Judiciária e Ciência de Dados do Tribunal Superior do Trabalho.

  • Luciano Athayde Chaves

    é magistrado supervisor da Secretaria de Pesquisa Jurídica e Ciência de Dados do Tribunal Superior do Trabalho professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte doutor em Direito Constitucional pesquisador-líder do Grupo de Pesquisa GPJUS — Administração Governo e Políticas Públicas do Poder Judiciário (UFRN/UNP/CNPq).

8 de agosto de 2022, 6h32

Em 6 de junho de 2022, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução nº 462 [1], que dispõe sobre a gestão de dados e estatística, cria a Rede de Pesquisas Judiciárias (RPJ) e os Grupos de Pesquisas Judiciárias (GPJs), no âmbito do Poder Judiciário. Trata-se de um passo importante na estruturação de uma política judiciária permanente de pesquisa e ciência de dados para a Justiça brasileira, que merece ser compreendida em todo seu potencial.

No que se refere à gestão de dados, trata-se de tema relativamente recente para a administração da Justiça brasileira, tendo ganhado grande impulso após a promulgação da Emenda Constitucional nº 45/2004, que outorga ao CNJ a atribuição de elaborar relatórios estatísticos (artigo 103-B, § 4º, inciso VI, Constituição) [2]. Historicamente, os tribunais sempre mantiveram unidades de estatística, responsáveis pelo registro e contabilização da carga de trabalho e da movimentação processual. Essencialmente voltadas à produção de informações destinadas a apoiar o trabalho das corregedorias, prestavam um serviço relevante, sem qualquer dúvida. Porém, o que tradicionalmente se denomina de "estatística judiciária" resulta de uma abordagem reducionista, já que a simples contabilização da movimentação processual não é suficiente para compreendermos adequadamente a dinâmica de funcionamento do Poder Judiciário, ou a qualidade da prestação jurisdicional entregue aos cidadãos.

Considerando a quantidade de informações que se encontram registradas em cada processo judicial, seria de se esperar que a "estatística judiciária" brasileira pudesse registrar, contabilizar e divulgar periodicamente uma série de dados que normalmente não produz. Quem são as partes envolvidas nos litígios apresentados perante o Poder Judiciário, em que tipo de conflitos encontram-se envolvidas? Por quem são representadas? Quais pedidos apresentam? Que tipo de prova produzem? Qual o resultado das decisões que recebem e qual a eficácia destas são informações que constam dos autos processuais e seriam extraordinariamente relevantes para compreendermos melhor quem são os "usuários" do sistema de Justiça, para qual finalidade a demandam e que tipo de resposta obtêm. Em outras palavras, cuida-se de uma série de estratégias de geração, extração e análise quantitativa e qualitativa de dados para sabermos quais são os direitos demandados pelos cidadãos e efetivamente garantidos pelo Poder Judiciário, de que modo e para quem.

Para que se possa passar de uma coisa a outra, faz-se necessário superar uma compreensão tradicional de "estatística judiciária" como simples registro e contabilização da carga de trabalho e da movimentação processual, abraçando uma perspectiva de gestão do conjunto dos dados produzidos pelo Poder Judiciário no exercício de sua atividade finalística. Essa mudança de objetivo viabiliza dois tipos de movimento.

Em primeiro lugar, torna possível a construção e sustentação de políticas judiciárias baseadas em evidências, que possam ser monitoradas ao longo de sua implementação e avaliadas quanto ao seu êxito, ao final de seu ciclo. Em segundo lugar, permite que pesquisadores de diferentes áreas tomem a atividade jurisdicional como objeto, produzindo conhecimento sobre as relações entre direito, sociedade e mercado, apontando novas possibilidades de regulação das relações econômicas e sociais.

Em linhas gerais, pode-se dizer que a Resolução nº 462/2022 do CNJ, ao instituir a RPJ para "regulamentar a gestão de dados, estatística e produção de pesquisas judiciárias no âmbito do Poder Judiciário" (artigo 1º) e determinar a organização em todos os tribunais dos GPJs, que terão "competência para gestão, organização e validação de bases de dados, produção de estatísticas e elaboração de diagnósticos sobre a atuação do Poder Judiciário" (artigo 2º), avança igualmente em ambas direções.

Por um lado, ao estabelecer, em seus considerandos, a vinculação entre a RPJ e a Resolução nº 325/2020, que dispõe sobre a "Estratégia Nacional do Poder Judiciário 2021-2026", em especial com o macrodesafio "aperfeiçoamento da gestão administrativa e da governança judiciária", com a finalidade de produzir "dados confiáveis e institucionais sobre Poder Judiciário brasileiro, bem como o constante monitoramento e tratamento desses dados e a fiscalização de sua produção", a Resolução nº 462/2022 pretende promover políticas judiciárias baseadas em evidências, desenhadas, monitoradas e avaliadas a partir de um esforço coordenado de produção e gestão de dados, por meio dos GPJs, articulados na RPJ, sob a direção nacional do Departamento de Pesquisas Judiciárias do Conselho Nacional de Justiça.

Por outro lado, ao estimular os GPJs a fomentar a "produção de pesquisas empíricas em direito em articulação com as instituições de ensino superior locais" (artigo 4º, VIII), estabelecendo redes "de articulação com as escolas judiciais e de magistratura, centros de inteligência, laboratórios de inovação, universidades" (artigo 4º, VII) e mantendo "equipe multidisciplinar, em que é indispensável a participação de servidores(as) com formação em estatística e/ou ciência de dados e em direito e recomendável a participação de servidores(as) com conhecimento nas áreas de tecnologia da informação, ciências sociais, ciências políticas, ciências econômicas, ciências humanas com experiência em pesquisa empírica, administração e áreas correlatas das ciências exatas" (artigo 6º), a Resolução nº 462/2022 concebe a RPJ como uma rede aberta de colaboração, entre diferentes organizações judiciárias e não-judiciárias, para produção de conhecimento científico em diferentes áreas, tomando o Poder Judiciário por objeto e absorvendo uma tendência contemporânea da sociedade em rede [3], qual seja, a de estabelecer espaços de fluxos de informações que permitam e estimulem a construção de saberes de forma cooperativa.

Consciente do alcance potencial da Resolução nº 462/2022, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), nos termos do artigo 2º, § 1º, editou o Ato TST.GP nº 229/2022 [4], criando uma unidade permanente para o exercício das atribuições previstas aos GPJs do TST e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT): a Secretaria de Pesquisa Judiciária e Ciência de Dados do TST (SEPJD), vinculada diretamente à Presidência do Tribunal, e responsável igualmente pela articulação da RPJ, no âmbito da Justiça do Trabalho de primeiro e segundo graus, expressando, assim, os compromissos da corte com os altos padrões de governança que são exigidos na gestão pública gerencial.

Nos termos desse ato, a secretaria atua "na gestão, organização e validação de bases de dados, produção de estatísticas e elaboração de pesquisas empíricas e diagnósticos sobre a Justiça do Trabalho" (artigo 2º). Considerando seus dois eixos de atuação, conta com uma Divisão de Ciência de Dados e outra de Pesquisa Judiciária, compostas por corpo técnico multidisciplinar de magistrados e servidores, com formação nas áreas de direito, sociologia, ciência de dados e tecnologia da informação. Poderá, ainda, mobilizar outros magistrados, servidores, pesquisadores ou professores universitários, para atuarem assessorando, prestando consultoria ou colaborando com o desenvolvimento de suas atividades. Além disso, prevê-se que a SEPJD poderá propor ao tribunal a celebração de acordos de cooperação ou convênios com organizações internacionais, centros de pesquisa ou universidades.

Resultado de uma iniciativa do presidente do TST, ministro Emmanoel Pereira, anterior mesmo à edição da Resolução nº 462/2022 do CNJ, a criação da SEPJD representa não apenas um compromisso da Justiça do Trabalho com a excelência de sua gestão de dados, mas uma aposta da atual administração na construção de um conhecimento cada vez mais qualificado, que aponte na direção da adoção de políticas judiciárias baseadas em evidências, bem como que ofereça à Justiça do Trabalho um panorama de análises empíricas que lhe permita aprofundar o conhecimento sobre as demandas que lhes são apresentadas e, também, sobre o nível de efetividade de suas decisões.


[1] Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/4577. Acesso em: 1 ago. 2022.

[2] Art. 103-B, § 4º: "Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: […] VI – Elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário; […]".

[3] CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. Tradução: Roneide Venâncio Majer. A era da informação: economia, sociedade e cultura. v. 1. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

[4] Disponível em: https://juslaboris.tst.jus.br/handle/20.500.12178/201013. Acesso em: 1 ago. 2022.

Autores

  • é professor dos programas de pós-graduação em Administração e Direito da Universidade Positivo, doutor em Fundamentos da Experiência Jurídica, técnico de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e secretário de Pesquisa Judiciária e Ciência de Dados do Tribunal Superior do Trabalho.

  • é doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR), mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), professor associado do Departamento de Direito Processual e Propedêutica da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e juiz titular da 2ª. Vara do Trabalho de Natal.

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