Opinião

O que todo gestor deve saber sobre mudanças para programas de integridade?

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4 de agosto de 2022, 14h07

Parte do escasso arcabouço legislativo que remete a programas de integridade no Brasil sofreu alteração recentemente. No último dia 11 de julho houve uma importante publicação, no Diário Oficial da União: a partir do dia 18 de julho, o Decreto 8.420/15, que regulamentava a chamada Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/13), foi revogado, e entrou em vigor o Decreto 11.129/22.

Aparte as disposições procedimentais, relacionadas sobretudo ao processo administrativo de responsabilização, o Decreto 11.129/22 versa, em seu Capítulo V, sobre os programas de integridade propriamente ditos, tema anteriormente alocado no Capítulo IV do Decreto 8.420/15. A grosso modo, as disposições sobre os programas de integridade não sofreram mudanças significativas, mas incorporaram novos elementos, os quais terão o potencial de desencadear debates ainda mais profundos no decorrer da aplicação do novo decreto. Ainda sobre a estrutura, as disposições sobre os programas de integridade, anteriormente inseridas nos artigos 41 e 42 do Decreto 8.420/15, foram alocadas nos artigos 56 e 57 do Decreto 11.129/22.

Tanto o caput do Artigo 41 do Decreto 8.420/15, quanto o caput do Artigo 56 do Decreto 11.129/22, discorrem sobre o que consiste um programa de integridade. Nesse aspecto, o novo artigo em seu inciso I traz a prevenção de desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos como um dos objetivos. Anteriormente, o objetivo dos programas de integridade, segundo o Decreto 8.420/15, se restringia a detectar e sanar as mencionadas incorrências. A inclusão da prevenção, para além da detecção e sanção, é capaz de abarcar legislativamente as três frentes que o mercado, assim como a doutrina, já vinham adotando como necessárias a qualquer programa de integridade.

Além disso, a nova redação do artigo 56 em seu inciso II também incorpora o fomento e manutenção de uma cultura de integridade no ambiente organizacional, o que tampouco era previsto na redação anterior. Ainda que explicitar a importância de uma cultura de integridade seja necessário, esse quesito é inerente aos mecanismos necessários à prevenção de desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos, o que pode implicar em uma redundância teórica. De toda sorte, não há contrariedades práticas em incluir o fomento e manutenção da cultura de integridade como um dos objetivos dos programas.

Sem embargo, as alterações mais importantes no campo dos programas de integridade estão consubstanciadas no artigo 57 do Decreto 11.129/22, anteriormente alocado no artigo 42 do Decreto 8.420/15. O caput de ambos os artigos introduz os pontos a serem levados em conta para a avaliação dos programas de integridade, seguidos pelos parâmetros de avaliação propriamente ditos em seus incisos. Impende mencionar que, apesar de essa não ser uma norma que vincule as empresas quanto aos parâmetros e requisitos que devem aplicar em seus programas de integridade, ela serve ao mercado como régua para averiguar a maturidade dos programas, bem como para compreender os pontos passíveis de aprimoramento, motivo pelo qual as alterações nessa seara devem ser observadas mais atentamente pelos gestores.

Sobre os parâmetros de avaliação, o Decreto 8.420 os previa nos incisos do Artigo 47, e o Decreto 11.129/22 os prevê nos incisos do Artigo 57. De forma mais direta, as alterações que os gestores devem se atentar são:

  • Artigo 57, I, Decreto 11.129/22: a nova redação, além do comprometimento da alta gestão, chamado de tone at the top pelo mercado, prevê a destinação de recursos adequados, o que não era previsto no Decreto 8.420, no inciso I do seu Artigo 42. Isso significa que não basta a existência de um programa de integridade. É preciso que ele receba recursos congruentes com as suas pretensões;
  • Artigo 57 IV, Decreto 11.129/22: incorpora as ações de comunicação para além dos treinamentos preteritamente previstos no inciso IV do Artigo 42 do Decreto 8.420/15. Esse parâmetro vai ao encontro do preciosismo do legislador em incorporar o fomento e manutenção de uma cultura de integridade como um dos objetivos dos programas de integridade no inciso II do Artigo 56. De fato, como já consolidado pela prática corporativa, os programas são reféns das atitudes individuais de cada colaborador, tendo em vista que o funcionamento das práticas de integridade dependem da colaboração dos próprios colaboradores. Dessa forma, o incentivo às ações de comunicação, para além dos tradicionais treinamentos de compliance, podem ser a chave para acelerar a maturidade dos programas, por auxiliar na disseminação das ideias relacionadas a integridade e suas consequências;
  • Artigo 57, V, Decreto 11.129/22: o inciso inclui a gestão adequada de riscos para além da análise de riscos prevista no Decreto 8.420 em seu IV do Artigo 42. Na oportunidade, incorpora não apenas a referida análise, mas também a reavaliação periódica, seguida de alocação eficiente de recursos. Tendo em vista que os programas de integridade são essencialmente mitigadores de riscos de integridade, a reavaliação periódica, somada a uma gestão apropriada dos riscos, é fator fundamental ao funcionamento dos programas. Isso porque, não é possível mitigar adequadamente os riscos, se não se sabe de quais riscos a instituição padece;
  • Artigo 57, X, Decreto 11.129/22: incorpora o tratamento de denúncias para além da proteção aos denunciantes, conforme previsto no Decreto 8.420. Essa alteração reflete a expectativa de que os programas de integridade, mais do que receber denúncias sobre incorreções de compliance, devem tratar essas demandas de forma adequada. Ou seja, além de ter ciência, é importante que a empresa investigue, para, se for o caso, pôr em prática aquilo que o mercado chama de gestão de consequências;
  • Artigo 57, XIII, Decreto 11.129/22: o inciso que comporta a mudança mais significativa assegura que, além das diligências apropriadas para contratação e, a depender do caso, supervisionar fornecedores, prestados de serviços, agentes intermediários e associados, outras duas circunstâncias em que as diligências devem ser feitas, sendo elas (1) na realização e supervisão de patrocínios e doações, e (2) na contratação e, conforme o caso, supervisão de pessoas expostas politicamente, bem como de seus familiares, estreitos colaboradores e pessoas jurídicas de que participem. Essa alteração se relaciona diretamente com o tratamento de riscos de terceiros, por, na medida em que for cumprida, facilitar a compreensão dos atores e circunstâncias em que a companhia trata em uma esfera macro. Nesse ponto é necessário estabelecer ressalvas quanto à preocupação do tratamento dos dados pessoais extraídos das diligências, atentando-se principalmente ao princípio da necessidade, previsto no inciso III do Artigo 6º da Lei Geral de Proteção de Dados.

Ademais, com redação muito similar ao do parágrafo 1º do Artigo 42 do Decreto 8.420, o parágrafo 1º do artigo 57 do Decreto 11.129 apresenta em seus incisos as considerações feitas para avaliação dos parâmetros a serem levados em conta nos programa de integridade. O primeiro ponto de inovação está no inciso II do artigo 57, o qual incorpora o faturamento na avaliação à classificação das microempresas, ou empresas de pequeno porte, fato que era considerado no Decreto 8.420 no inciso VIII do artigo 42.

Ainda sobre os incisos do parágrafo 1º do mencionado artigo 57 do Decreto 8.420, a nova redação incorpora, em seu inciso III a estrutura de governança, assim como a estruturação do grupo econômico, em detrimento da hierarquia interna e a quantidade de unidade internas.

Por fim, o parágrafo 3º do Artigo 42 do Decreto 8.420 não foram incorporados ao Decreto 11.129. Já o conteúdo dos parágrafos 4º e 5º foi realocado para o Capítulo VII — Disposições Finais, em seu Artigo 67, inciso II do Decreto 11.129/22.

De forma mais abrangente, o Decreto 11.129/22 acirrou os parâmetros de avaliação dos programas de integridade. Isso significa que, na hipótese de serem aplicadas sanções às companhias responsáveis por atos lesivos previstos na Lei Anticorrupção, os quesitos de aplicação serão mais rigorosos. Por um lado, é natural que os gestores se preocupem em atender às expectativas da administração pública, mas é importante que esse novo decreto seja acolhido com a noção de que as alterações legislativas vêm para garantir mais segurança à administração pública, mas também às próprias companhias. A incorporação dos programas de integridade por meio de capilaridade institucional é necessária à sobrevivência e ao funcionamento do próprio programa. Caso contrário, estaríamos falando de um compliance, cujo objetivo não perpassa o melhoramento da instituição, mas a vigilância per se.

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