Opinião

Revigoramento jurídico com ênfase em ESG, participação popular e inovação

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4 de agosto de 2022, 15h07

A necessidade de revigoramento da ideologia jurídica é inadiável numa perspectiva global, multidisciplinar e multicultural para acompanhar a governança socioambiental, pública e privada, gestão de empreendedorismo tecnológico, inovação e gestão pública de políticas abertas.

A sigla ESG pode ser compreendida pelo equilíbrio entre os aspectos ambiental, social e de governança de uma gestão. A governança pode ocorrer em instituições públicas, privadas, federais, estaduais ou municipais. Todas podem ser infinitamente melhores em termos administrativos, executivos e de regramentos internos e externos. Há formas absurdamente mais eficientes, éticas, humanas e empolgantes de gerir uma organização, uma empresa, um município, um estado e uma nação.

A governança socioambiental com gestão atenta e focada no empreendedorismo tecnológico, inovador, com abertura política para participação efetivamente democrática e popular, com escuta ativa, humanidade, respeito, transparência, ética e feedback para todas as questões, está na ordem do dia e são ideias bastante inovadoras e diferentes para juristas, gestores de empresas públicas e privadas. Afinal, o que estamos fazendo na gestão pública, em algumas gestões privadas e, principalmente, na área jurídica? Como obter eficientemente inovação, tecnologia e gestão participativa, inclusiva, humana, ética e aberta?

É abissal, retrógrado e limitante o sistema jurídico na forma como o enxergamos, fazemos e aplicamos as leis, o Direito! Dados analíticos do CNJ sobre a quantidade de processos estocados, tempo até o julgamento e resolução da causa, são alarmantes e caracterizam a falência do atual sistema. Os juristas tornaram-se robôs com conhecimento técnico. Sobressai quem tem mais conhecimento, técnica e experiência, mas isso é muito pouco perto do que podemos ser e oferecer enquanto cidadãos. Algumas habilidades precisam ser desenvolvidas como: ousadia, inovação, criatividade, reflexão, curiosidade e análise crítica com abordagens de problemas complexos, tomadas de decisões racionais, éticas, espírito de equipe com criação, comunicação e compartilhamento de ideias com pessoas de pensamentos diferentes.

A ciência desenvolvida em outras áreas do conhecimento são oxigenadoras do sistema. É empolgante, entusiasmante e iluminador. A percepção predominante é que a forma de gestão de pessoas muda tudo. Um mundo novo, inovador, revolucionário, vanguardista está se iluminando e isto precisa ser observado com novos olhos pelas empresas públicas, privadas, setores administrativos, executivos e, principalmente, pelo mundo jurídico!

O objetivo central será sempre o bem-estar e a igualdade de todos os cidadãos. Para tanto, será preciso enfrentar alguns desafios: Como regulamentar uma inovação sem limitá-la ou impedi-la de crescer? Como regulamentar incentivando novas ideologias e novas startups revolucionárias? Como evoluir de forma regulada? Como obter leveza na regulamentação de forma a estimular o processo de crescimento, desenvolvimento e inovação?

Na implementação de um projeto ou transformação de uma cidade para uma Smart City há necessidade de investimentos maciços (importância das PPPs — parcerias público-privadas), fortalecimento da transversalidade (sinergia, interligação entre as funções urbanas, compartilhamento de dados e articulação entre todos os atores públicos e privados) e abordagem centrada no cidadão, suas necessidades, proteção de liberdades individuais e privacidades, combate de desigualdade, de exclusão social e territorial. Baseada em tecnologias e dados digitais, a cidade inteligente deve cuidar de áreas como a segurança, poluição, gestão energética, mudanças climáticas, sustentabilidade, mobilidade, urbanização desenfreada. Enfim, uma Smart City persegue um objetivo essencial: melhorar a qualidade de vida dos cidadãos.

Sob o ponto de vista jurídico, a regulamentação e ponderação entre todos os atores e serviços oferecidos deverá promover complementariedade, tomando cuidado para não limitar ou excluir novos projetos e ideologias que podem ser revolucionários e criar facilidades e benefícios gerais. Será preciso realizar análises com amplitude de ideologias, ressaltar aspectos benéficos e encontrar soluções positivas para os aspectos problemáticos. As regras devem orientar o comportamento por meio de regulação que incentive iniciativas complementares. Que incentive a economia circular, abandonando o modelo de economia linear e de consumo desenfreado e irresponsável.

Como exemplo o caso dos patinetes como meio de locomoção implementado por setores privados em cerca de 150 cidades ao redor do mundo e, posteriormente, vetado em algumas. A operação do serviço de transporte é um problema mundial. Por que o patinete foi vetado em alguns lugares se o serviço de transporte público é inefetivo e/ou ineficiente? Perdeu-se a oportunidade de melhorar a oferta de mobilidade. O transporte público quando existente, é ineficiente ou está saturado, o uso de carro individual de combustível fóssil está caindo em desuso e entrando em uma fase de declínio que parece irreversível. Os veículos elétricos estão em crescimento, mas são inacessíveis para a grande parte dos cidadãos. Então, é preciso pensar em um modo de regulação e governança para um novo tipo de transporte com maior consistência e aumento de eficiência do serviço no interesse de todos.

Neste panorama, a chegada da scooter elétrica flutuante (TEFF) ou patinete elétrico faz parte de uma nova abordagem da mobilidade urbana. Foi iniciativa de empresa privada para solucionar problema de responsabilidade do poder público. Foi inovadora, prática e faz parte da generalização de equipamentos conectados, eletrônicos e compartilhados. Integra o paradigma virtuoso da economia colaborativa na qual o aproveitamento de um bem é compartilhado sem as desvantagens de possuir um veículo pessoal como impostos, manutenção, roubo, estacionamento, segurança, etc. Além disso, o serviço de autoatendimento (free-floating) foi oferecido sem investimentos pesados em desenvolvimento urbano, há liberdade de viagens, é elétrico e isento de emissão de carbono reforçando a mobilidade sustentável.

Como explicar a procrastinação de líderes políticos que além de não apoiarem ainda obstruíram o desenvolvimento deste tipo de serviço necessário e benéfico aos cidadãos? Qual a coerência da política pública urbana adotada? A procrastinação e resistência do poder público diante da politização das questões e da dinâmica de regulação levanta questões sobre a rejeição e o engessamento de potenciais melhorias revolucionárias e inovadoras que poderiam transformar as cidades e colaborar com os desafios ambientais, sociais e econômicos. É preciso reflexão para evitar a repetição dos mesmos erros, que levam a atrasos, custos adicionais e serviços degradados em detrimento da comunidade.

O desafio é maximizar os benefícios em favor dos cidadãos e limitar ao máximo as externalidades negativas. O ponto consiste em definir o modo adequado de regulação multinível (contratos público-privados e auto-regulamentação) combinando incentivo, coerção, cooperação e agregação de acordo com os atores públicos, os privados e os cidadãos que são chamados a desempenhar um papel central e participativo em todo o contexto.

Outros desafios nas governanças e administrações para obter efetiva qualidade de vida usando tecnologia e dados são: inclusão, resiliência, garantia de sustentabilidade ambiental, abordagem realizada de baixo para cima sobre as necessidades da população, proteção de dados, segurança cibernética, efetiva participação, transparência, confiança, igualdade social e proatividade. Assim, como obter um governo aberto, moderno, tecnológico, pluralista, transparente e participativo?

O uso de técnicas de conciliação, mediação, escuta ativa, práticas restaurativas, círculos de paz, arbitragem são suficientes para se obter um governo aberto, pluralista e participativo? Como obter a colaboração e participação de todos os atores: governo e governados, sociedade eleita e eleitores? No governo aberto ocorre o compartilhamento de responsabilidades com os governados! Como fazer com que o cidadão se sinta legitimado para participar de todo processo de tomada de decisões? Como fazer para que o cidadão tenha consciência da sua auto responsabilização?

Neste sentido de inclusão pluralista e participativa temos a adoção da agenda ESG que vem direcionando cada vez mais as ações no mundo. A visão nesta seara é holística, sistêmica, plural, inclusiva, igualitária, ética, humana, transparente e objetiva justiça social, econômica e climática. Ultrapassa a visão míope de que o que importa é apenas a obtenção de lucro no menor tempo. A gestão consciente e a diversidade colocam entidades em posição de vantagem competitiva nos aspectos sociais, éticos, econômicos e ambientais. Cidadãos, consumidores, clientes, investidores, bancos, agências de fomentos, fundos de pensão, de investimento, bolsas de valores, seguradoras a nível local e global demandarão cada vez mais informações sobre os processos de tomadas de decisões, precificação de produtos, serviços e a gestão dos riscos ESG.

Esta gestão permite evitar litígios e gerir riscos que comprometem a imagem e credibilidade institucional além da responsabilidade de administradores, governantes, sócios, controladores e gestores. Isso porque a ampliação do acesso à informação, transparência, digitalização processual em todas as esferas jurídicas e administrativas e o exponencial uso da inteligência artificial, permitem aos receptores e usuários terem acesso em tempo real às informações prestadas e às propagandas enganosas. Os compromissos decorrentes da governança oportunizam eficiência econômico-sócio-ambiental, financiamentos públicos, privados, a entrada em mercados seletivos, mercado de créditos de carbono, além de dar segurança jurídica às negociações.

Exemplo de gestão inovadora em entidade com finalidade lucrativa é a relatado no livro finalista para o Financial Times & McKinsey Business Book of the Year 2020: "No Rules Rules"; Netflix e a Cultura da Reinvenção, de Reed Hastings e Erin Meyer. Na velocidade da luz, esta empresa passou de prestação de um serviço de venda de DVDs para uma superpotência de streaming com 190 milhões de assinantes fervorosos. Segundo Reed Hastings, quando você lidera ou gerencia uma empresa, você tem uma escolha clara: Ou trabalha controlando os movimentos de seus funcionários através de regras e processos; ou implementa uma cultura de liberdade e responsabilidade, escolhendo velocidade e flexibilidade.

A filosofia de liderança compartilhada é algo inusitado e revolucionário. O relato e a experiência deixam notório que é hora de fazer as coisas de forma diferente. Algumas políticas vanguardistas e corajosas relatadas no citado livro dizem respeito à flexibilidade; Liberdade para criar, produzir, inovar e gastar; Confiança total na equipe; Férias ilimitadas. Honestidade clara e direta nos feedbacks: "Diga o que você realmente pensa com intenção positiva!". Liberdade absoluta para divergir do chefe: "Não procure agradar seu chefe, procure fazer o que é melhor para a empresa". Abolição de aprovações: na maioria das empresas, o chefe tem que aprovar ou bloquear a decisão dos funcionários. Na Netflix isso é uma maneira de limitar a inovação e desacelerar o crescimento. Abolição de prevenção de erros e de adesão a regras e, por fim, pagamento constante do topo do salário de mercado para as atividades criativas.

A cultura desta organização foi de valorizar pessoas sobre o processo, enfatizando a inovação sobre eficiência e poucos controles. Uma cultura onde não há regras. O desempenho adequado recebe um pacote de retribuição generosa. Há a contratação dos melhores funcionários e pagamento do salário mais alto do mercado. Algumas observações das premissas adotadas pela governança da Netflix merecem destaque como a flexibilidade, liberdade, confiança, diretrizes para despesas e ausência de política de férias.

A política de lealdade e franqueza, é levada a sério: "Diga o que você realmente pensa com intenção positiva". Quando as pessoas expressam abertamente opiniões e comentários em vez de sussurrar pelas costas uns dos outros, há redução de fofocas, deslealdades, traições e competições, permitindo agilidade e coerência administrativa. A ideia é que quando há discordância, deve-se dar ou receber este "feedback" de forma precisa, direta, clara e construtiva, resultando em melhor aprendizado e eficiência no trabalho. O feedback deve se concentrar no que o destinatário pode fazer de diferente para melhorar. O alto desempenho com franqueza altruísta resultou em eficiência extremamente alta.

O lema adotado pela empresa foi: "Com os funcionários certos, modelagem clara de gestão e configuração suficiente do contexto, não há necessidade de mais regras. É importante diferenciar as formas de gestão de cada ambiente e ter foco na eliminação de regras retrógradas e ineficientes, coragem para inovar e operar sob uma nova ótica criativa, com inovação, velocidade e flexibilidade. Estas são as chaves para o sucesso!"

Uma ressalva que precisa ser feita nesta gestão é sobre a perspectiva da agenda ESG, apesar da coragem, ousadia, inovação, tecnologia, abolição e revigoramento de todas as regras, houve ausência de enfrentamento objetivo dos aspectos sociais e ambientais. Afinal, nesta governança genial e entusiasmante, quais são as políticas sociais e ambientais? No Brasil, segundo dados amplamente divulgados, de 328 empresas de capital aberto apenas 48% delas divulga o relatório integrado de sustentabilidade com informações financeiras e evolução de suas estratégias e atividades ESG.

Eventualmente, esta não divulgação ou ausência de transparência dá-se em razão de que estes dados podem ser colocados em xeque, podendo-se configurar greenwashing, socialwashing e até rainbowashing, mas o fato é que apenas a integração dos três elementos da sigla ESG trará resultado. Enquanto houver aplicação isolada e desconectada, teremos mais do mesmo! A tendência é que as empresas melhorem a incorporação de sustentabilidade nas suas estratégias para abordar megatendências globais.

"Inovação é um processo, não um estado de espírito." Para tanto, a criatividade é mais importante do que o conhecimento, a conexão com as pessoas e suas necessidades são muito importantes, independentemente de suas profissões. A compreensão da sociedade e do que seja bem-estar é diferente em cada população, em cada cidade. E permanecer na zona de conforto, aqui incluídos os legisladores e operadores do direito, recusando novas estratégias de inovação, solução, tecnologia e ciência é suicídio. Questões estúpidas levam a inovação, é preciso sair do padrão para inovar e obter soluções passíveis de gerar amplo bem-estar social.

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