Opinião

Nova redação do artigo 105 da Constituição deve ser de aplicabilidade imediata

Autores

  • Marco Antonio Rodrigues

    é professor adjunto de Direito Processual Civil da Uerj procurador do Estado do Rio de Janeiro sócio de LDCM Advogados pós-doutor pela Universidade de Coimbra/Portugal doutor em Direito Processual e mestre em Direito Público pela Uerj master of Laws pela King’s College London professor de cursos de pós-graduação pelo Brasil e membro da International Association of Procedural Law do Instituto Ibero-Americano de Direito Processual e do Instituto Brasileiro de Direito Processual.

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  • Rafael Papini Ribeiro

    é advogado e mestrando em Direito Processual pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

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1 de agosto de 2022, 6h10

A relevância como filtro de admissibilidade dos recursos especiais: contribuições para a adequada interpretação da Emenda Constitucional nº 125

No último dia 15 de julho, o Congresso promulgou a Emenda Constitucional (EC) nº 125/2022, que tem por principal objetivo a criação de filtro de admissibilidade dos recursos especiais a serem analisadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Mais especificamente, instituiu como requisito para apreciação do recurso especial a relevância das questões de direito federal infraconstitucional debatidas no recurso, reforçando o movimento já há algum tempo prevalecente no Brasil de reduzir o número de casos levados à apreciação dos Tribunais Superiores, como forma de ampliação da eficiência da atuação de tais Cortes.

Muito embora esses filtros fossem mais comuns nos países de common law, notadamente em razão da força vinculativa atribuídas aos precedentes [1], há uma verdadeira evolução de tais mecanismos no Brasil, fruto de esforços jurisprudenciais, com a criação de entendimentos limitativos da admissibilidade de recursos especiais e extraordinários — por exemplo, com a edição de súmulas, como as de nº 7 e 126 pelo STJ, além de esforços do Congresso, exemplificativamente com a criação do regime de recursos repetitivos em 2008. Ademais, como outros exemplos o empenho em reduzir o número de processos alçados aos tribunais superiores, tomemos a edição da EC nº 45/2004, que introduziu o instituto da repercussão geral no recurso extraordinário, além da instituição pelos Tribunais Superiores dos julgamentos realizados em lista e no Plenário Virtual (PV).

Esses esforços decorrem da indiscutível sobrecarga de processos que chegam às instâncias superiores, sobretudo pelas facilidades existentes no manejo de recursos, afetando diretamente a qualidade da prestação jurisdicional [2], mas também pelo grande número de competências constitucionalmente atribuídas ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao STJ  competências essas tanto originárias, como recursais ordinárias e extraordinárias.

Especificamente no que diz respeito à crise no STJ, vale relembrar a última sessão da Corte Especial do ano de 2018, ocorrida em 19/12/2018 [3], em que o então presidente do Tribunal, ministro João Otávio de Noronha, anunciou que o STJ havia julgado mais de 500 mil processos em um ano, correspondendo a um processo por minuto e reiterando a grande quantidade de processos julgados pela corte, contrariando sua real função. Analisando-se a EC n.º 125/2022, vê-se que a finalidade é a mesma: o desenvolvimento de filtros  termo utilizado pelo próprio Congresso Nacional  de acesso ao STJ.

Vemos que há uma semelhança entre o novo instituto da relevância e a repercussão geral nos recursos extraordinários, na forma como é posta no Código de Processo Civil de 2015 (CPC). Relativamente à repercussão geral, o CPC determinou, em seu artigo 1035, a necessidade de demonstração das questões constitucionais relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, sem prejuízo daquelas beneficiadas de relevância presumida.

Nos recursos extraordinários, o CPC identifica a repercussão geral presumida quando o acórdão contraria súmula ou jurisprudência do (STF) e quando reconhece a inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal. Ainda que a repercussão geral seja presumida, o STF possui entendimento no sentido de que continua sendo indispensável a demonstração fundamentada da existência de repercussão geral, o que atribui um caráter complementar à tais hipóteses.

O mesmo ocorre, agora, com a relevância atribuída ao recurso especial. Se, de um lado, há a necessidade de demonstração da relevância das questões de direito federal infraconstitucional objeto do processo, há, na outra mão, questões dotadas de relevância presumida [4], assim como na repercussão geral, de caráter complementar. Isto é: mesmo que a questão discutida não se adeque em uma das hipóteses de relevância presumida previstas no artigo 105, §3º, da Constituição, com a redação da EC nº 125/2022, poderá o recorrente demonstrar, fundamentadamente, a existência de questão relevante, fortalecendo o caráter complementar da norma. Assim, não se trata apenas das hipóteses de relevância presumida, mas também da possibilidade de, à luz do caso concreto, demonstrar que outras situações se enquadram na relevância, o que se adequa à função do STJ de guarda da interpretação da lei federal.

Sob todos os ângulos em que se vislumbre a alteração constitucional, destaca-se o propósito de robustecimento da função pública dos Tribunais Superiores, com seu dever de uniformizar o entendimento acerca da omissão do legislador, de erros do texto legal e de conflito entre normas [5].

Outra questão que merece destaque é o fato de a EC nº 125/2022, em seu artigo 2º, exigir a imediata demonstração de relevância da questão debatida nos recursos especiais interpostos a partir da sua promulgação. Embora tal regra vise atribuir aplicabilidade imediata a tal requisito, veja-se que o artigo 105, §2º, da Constituição faz menção à lei que regulamentará a demonstração da relevância, a indicar tratar-se de norma de eficácia limitada.

Analisada a nova redação do artigo 105 da Constituição, entendemos ser de aplicabilidade e eficácia imediata a exigência de relevância, bem como as hipóteses já previstas de relevância presumida. No entanto, é indispensável a regulamentação para estipular futuros requisitos formais específicos referentes à relevância, não sendo possível aos tribunais realizar exigências que não estejam textualmente previstas na EC nº 125, sob pena de ofensa ao artigo 105, §2º, da Constituição.


[1] TARUFFO, Michele. Institutional factors influencing precedents. In: MACCORMICK, Neil; SUMMERS, Robert. (Ed.). Interpreting Precedents: A Comparative Study (Applied Legal Philosophy). Aldershot: Ashgate/Dartmouth 1997. p. 446.

[2] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso Extraordinário e recurso especial. 13. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 85.

[4] "§3º Haverá a relevância de que trata o §2º deste artigo nos seguintes casos:

I – ações penais;

II – ações de improbidade administrativa;

III – ações cujo valor da causa ultrapasse 500 salários mínimos;

IV – ações que possam gerar inelegibilidade;

V – hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante o Superior Tribunal de Justiça;

VI – outras hipóteses previstas em lei". (NR)

[5] SALOMÃO, Rodrigo Cunha de Mello. A relevância da questão de direito no recurso especial. Curitiba: Juruá, 2021, p. 169.

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