Opinião

Ex-deputado pode manter direitos políticos, mas renúncia o deixa inelegível

Autores

  • Bruno César de Caires

    é sócio do escritório Caires Marques e Mazzaro Advogados mestre em Direito Constitucional na Universidade de Lisboa e pós-graduando em Direito Eleitoral pela Escola Judiciária Eleitoral Paulista (EJEP-TRE/SP).

  • Vitor Marques

    é secretário municipal de assuntos jurídicos e da Justiça de Cotia/SP e mestre e doutorando em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

28 de abril de 2022, 21h20

No dia último dia 26, a colunista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, trouxe a informação de que o agora ex-parlamentar Arthur do Val "tentaria nova cartada para manter direitos políticos e atrasa andamento do processo". A estratégia do membro do MBL para manter seus direitos políticos visaria sua candidatura ao cargo de deputado federal ainda em 2022, segundo a matéria.

Reprodução/Youtube
Arthur do Val no plenário da Alesp
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A questão remonta um auspicioso debate jurídico, em virtude da suposta perda de objeto do processo de cassação do mandato. O ex-parlamentar manteria seus direitos políticos, mas incidiria na inelegibilidade prevista na alínea "k", do inciso I, do artigo 1º, da Lei da Ficha Limpa.

O referido dispositivo estabelece ser inelegível quem deseje se candidatar e tenha renunciado ao cargo eletivo que ocupava em momento posterior ao oferecimento de qualquer petição apta a gerar abertura de processo de perda de mandato. Essa inelegibilidade impera por oito anos, contados após o fim do mandado ao qual renunciou.

Foram justamente os contornos desta norma que inaugurou no STF o debate sobre a Lei da Ficha Limpa, diante do indeferimento das candidaturas de Joaquim Roriz e Jader Barbalho  então candidatos, respectivamente, a governador do Distrito Federal e a senador do Estado do Pará  nas Eleições 2010. Naquela oportunidade, venceu a tese de que, diante de um processo de cassação, a renúncia não se tratava exclusivamente de conveniência política, mas, sim, de uma espécie de manobra fraudulenta para preservar a capacidade eleitoral passiva [1].

Ademais, quando suscitado, o STF declarou, na íntegra, a constitucionalidade do dispositivo [2]. Importante rememorar o caso, pois a estratégia de do Val para pelejar por sua elegibilidade parece repousar justamente no debate entre o relator ministro Luiz Fux e o voto divergente do então ministro Joaquim Barbosa.

Naquela ocasião, o ministro Luiz Fux votou pela inconstitucionalidade da expressão "o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar", anuindo ser desproporcional a declaração de inelegibilidade baseada em mera petição. Sustentou, neste sentido, a necessidade de abertura do procedimento de cassação. Barbosa, que conduziu a tese vencedora, argumentou que a conduta de renunciar, nos moldes previstos pela alínea "k", consistia em ato cuja finalidade seria burlar o enfrentamento do processo de cassação e, "como ato reprovável que é, a renúncia tática para fugir ao esclarecimento público do comportamento parlamentar merece ser incluída entre os atos que maculam a vida pregressa do candidato".

Importante mencionar que a ementa do julgado traz a expressão "abuso de direito à renúncia" e "exercício de direito em manifesta transposição dos limites da boa-fé" para se referir ao ato de renunciar em meio ao processo de cassação do mandato parlamentar capaz de caracterizar a conduta descrita no tipo da inelegibilidade.  

Assim, caso do Val não tenha a pena de cassação do mandato eletivo declarada pela Assembleia Legislativa de São Paulo, o que deixaria intacto seus direitos políticos, podendo votar e ocupar cargos públicos, seu direito de ser votado estaria limitado pela ausência de condição de elegibilidade imposta pela Lei da Ficha Limpa. De modo que, ao apresentar seu registro de candidatura, fatalmente teria o pedido impugnado e julgado indeferido de acordo com a posição consolidada do TSE.

A dificuldade de Arthur para sustentar alguma manobra que o mantenha inatingível aos efeitos da Ficha Limpa  e o permita ser candidato nas eleições de 2022 — não se encontra apenas no precedente já firmado pelo STF quando da interpretação da já citada alínea "k", mas também no fato de que a norma foi criada justamente com o intuito de expurgar situações simulares.

Há diversos casos de parlamentares que renunciaram aos mandatos para escapar da cassação e reassumiram seus postos no mandato subsequente. No caso de Do Val, na hipótese de inexistência do dispositivo, poderia reassumir um mandado eletivo apenas oito meses após a renúncia. Nas incisivas palavras da Ministra Rosa Weber: "o homem público, representante eleito pelo povo, que prefere renunciar a se defender, a lutar pela manutenção do mandato que lhe foi conferido, furtando-se a prestar os mínimos e necessários esclarecimentos à sociedade, aos seus eleitores, para não se ver processar por infração 'a dispositivo da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município', revela intransponível discordância entre a razão de ser do mandato eletivo, que se volta ao coletivo, à representação dos anseios da sociedade, à consolidação do regime democrático, e os reais propósitos do mandatário" [3].

Como se vê, Arthur terá que travar uma batalha para permanecer na vida política eleitoral brasileira nos próximos oito anos, tão hercúlea quanto a que diz ter travado na Ucrânia.


[1] Recursos Extraordinários 6.301-47 e 6.311-02

[2] Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADC) 4.578 e das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 29 e 30.

[3] Recursos Extraordinários 6.301-47 e 6.311-02

Autores

  • é sócio do escritório Caires, Marques e Mazzaro Advogados, mestrando em Direito Constitucional na Universidade de Lisboa e professor assistente de Direito Constitucional na PUC de São Paulo.

  • é secretário municipal de Justiça de Cotia, mestre em Direito pela PUC-SP e coordenador da Coordenadoria de Combate à Corrupção da OAB-SP.

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