Opinião

A prescrição na improbidade, o Tema 1.199 e a suspensão do prazo prescricional

Autores

  • Rogerio Favreto

    é desembargador federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região mestre em Direito de Estado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul ex-procurador-geral do município de Porto Alegre e secretário de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça.

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  • Rafael Clementino Veríssimo Ferreira

    é advogado e mestre em Proteção dos Direitos Fundamentais na linha de Processo Coletivo pela Universidade de Itaúna (UIT).

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  • Luana Pedrosa de Figueiredo Cruz

    é advogada doutora e mestre em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) professora nos programas de doutorado e mestrado em Direito da Universidade de Itaúna (UIT-MG) e nos cursos de pós-graduação em Direito Processual Civil da PUC-SP ex-pesquisadora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) membro do IBDP Instituto Potiguar de Processo Civil (IPPC) Ceapro ILA Brasil e Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP.

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  • Luiz Manoel Gomes Junior

    é advogado doutor e mestre em Direito pela PUC-SP professor nos programas de doutorado e mestrado em Direito da Universidade de Itaúna (UIT-MG) de mestrado da Universidade Paranaense (Unipar-PR) dos cursos de pós-graduação da PUC-SP e da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Mato Grosso (FESMP-MT).

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26 de abril de 2022, 20h20

O advento da Lei 14.230/21 deu nova roupagem ao trato das improbidades administrativas. O regramento promoveu importantes alterações na Lei 8.429/92, modificando substancialmente o sistema de responsabilização dos agentes públicos por atos ímprobos.

Como é sabido, o assunto improbidade administrativa tem raiz assentada na Constituição, mais especificamente no artigo 37, §4º, que estatui as sanções oriundas da condenação, deixando a tipificação e a gradação para a lei responsável por versar a matéria. A partir da exegese do dispositivo, consegue-se extrair dois importantes postulados, ou seja, que o trato da probidade administrativa é tema intrinsecamente constitucional e que é matéria de Direito Sancionador [1].

Tanto que o artigo 1º, §4º, da nova LIA dispõe que "aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador". Sendo a norma de direito sancionatório, nasce a discussão sobre a incidência ou não do artigo 5º, XL, da Constituição, responsável por assentar que "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu".

O assunto passou a ser analisado pelo Supremo Tribunal Federal, no bojo do ARE 843.989/PR, sendo reconhecida sua repercussão geral — Tema 1199 — em decisão publicada no dia 24/2/2022 [2].

O tema ganhou o seguinte título:

"Definição de eventual (IR) RETROATIVIDADE das disposições da Lei 14.230/2021, em especial, em relação: 1) A necessidade da presença do elemento subjetivo — dolo — para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no artigo 10 da LIA; e 2) A aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente".

Mais à frente em 4/3/2022, foi publicada decisão em que o relator, ministro Alexandre de Moraes, decretou a "suspensão do processamento dos Recursos Especiais nos quais suscitada, ainda que por simples petição, a aplicação retroativa da Lei 14.230/2021" [3].

Esse pronunciamento monocrático ensejou a oposição de embargos declaratórios pela Procuradoria-Geral da República, buscando sanar omissão quanto à "questão de ordem pública, referente aos efeitos da suspensão processual sobre os recursos especiais, tendo em conta os prazos prescricionais da pretensão sancionatória". A preocupação da PGR era quanto à possibilidade de a suspensão do processamento dos recursos ensejar prescrição intercorrente, nos moldes do artigo 23, §§4º, 5º e 8º da LIA, o que levaria à perda da pretensão executória [4].

O ministro relator, em decisão publicada no dia 22/4/2020, acolheu os embargos de declaração, sob o fundamento de que "não faz sentido haver a fluência do prazo prescricional se o titular da pretensão não pode exercê-la". Logo, "sem inércia, portanto, não pode haver decurso do prazo prescricional" [5].

Partindo da premissa de que a suspensão da tramitação impede o acusador de agir e que a prescrição só pode ocorrer nos casos de manifesta inércia do Estado, os embargos foram acolhidos, "com efeitos infringentes, para determinar a suspensão do prazo prescricional nos processos com repercussão geral reconhecida no presente tema" [6].

No ponto, cabe anotar que a suspensão do prazo prescricional abrange somente os processos em sede de recurso especial (e eventuais ações em grau recursal no STF), que tiveram tramitação sustada pelo ministro relator do Tema 1199 do STF. Portanto, nas demais demandas que tiveram tramitação preservada, nada impede aplicar o instituto da prescrição (geral ou interfase), face a incidente aplicação retroativa da Lei 14.230/202, em contribuição ao debate jurisprudencial no tema, a ser futuramente consolidado pela Corte Suprema.

A decisão de suspender não só os procedimentos, mas também os prazos prescricionais, se mostrou equilibrada, possibilitando que a nova LIA seja debatida no âmbito das cortes superiores, de modo a lavrar orientações para os tribunais estaduais e regionais.

A alteração no regramento, sem uma diretriz jurisprudencial, poderia trazer instabilidades ao mundo jurídico, criando-se o risco da prolação de decisões díspares para casos símiles, levando à violação do artigo 926, do CPC, responsável por grifar que "os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente".

Agora, com a suspensão dos prazos prescricionais, torna-se possível debater a (ir)retroatividade mais benéfica da Lei 14.230/21 sem ter o risco de que o prolongamento da discussão possa levar à prescrição intercorrente em alguns casos.

Inclusive, sobre a retroatividade mais benéfica, entende-se que ela é completamente aplicável ao trato das improbidades administrativas, principalmente por se aproximar mais dos "arquétipos penais do que do civil" [7]. Além do mais, vê-se que jurisprudência dos tribunais superiores — STJ e STF — vem caminhando ao encontro desse postulado:

a) STJ — RMS 37.031, relatora ministra Regina Helena Costa, DJe de 20/2/2018:

"DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA AO ACUSADO. APLICABILIDADE. EFEITOS PATRIMONIAIS. PERÍODO ANTERIOR À IMPETRAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 269 E 271 DO STF. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. (…) III – Tratando-se de diploma legal mais favorável ao acusado, de rigor a aplicação da Lei Municipal nº 13.530/03, porquanto o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, insculpido no artigo 5º, XL, da Constituição da República, alcança as leis que disciplinam o direito administrativo sancionador. Precedente (…)".

b) STF – ACO 3.485, relator ministro Gilmar Mendes, DJe de 24/11/2021:

"(…) Tem-se que a retroatividade da norma administrativo-sancionatória mais benéfica (LC 178/2021) incidirá sobre os fatos jurígenos ocorridos em período anterior à sua vigência, alcançando atos ocorridos em 2018/2019, circunstância hábil a atrair a impossibilidade de se aplicarem as sanções previstas nos §§1º e 2º do art. 4º da LC 156/2016 (…)".

Ratifica-se que a nova LIA em muito tem a oferecer para o aprimoramento do trato à improbidade administrativa. Percebe-se que "a intenção do legislador foi a de trazer uma melhor idéia de sistema e uma maior organização". Diante disso, o diploma tem uma "preocupação com o combate à improbidade, de forma adequada, atingindo todos, mas tão somente àqueles que estão ligados à prática do ato" [8].

Um dos exemplos que denotam a maior objetividade do legislador está nas alterações promovidas no artigo 11 da LIA. Não existe mais a condenação exclusivamente por violação de princípios da Administração Pública, que estão presentes na cabeça do artigo. Agora, "somente as condutas previstas nos incisos podem ser punidas" [9]. Entre outras mudanças, percebe-se que a Lei 14.230/21 veio com o propósito de "evitar a banalização da improbidade administrativa" [10].

Os excertos colacionados demonstram que a Lei 14.230/21 veio para priorizar a legalidade em contraponto à discricionariedade, possibilitando enquadramento mais cordato das tipificações.

Por isso, a retroatividade mais benéfica do texto legal, mostra-se o caminho mais célere para separar as improbidades das ilegalidades, de modo a promover atuação mais assertiva do Judiciário no controle do trato da coisa pública.

 


[1] GAJARDONI et al, Fernando da Fonseca. Comentários à Nova Lei de Improbidade Administrativa : Lei 8.429/92, com as alterações da Lei 14.230/21. — 5. ed. rev. atual. e ampl. — São Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2021.

[2] Supremo Tribunal Federal. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário com Agravo 843.989/PR. Relator ministro Alexandre de Moraes. Publicado no DJe em 24/02/2022.

[3] Supremo Tribunal Federal. Decisão monocrática no Recurso Extraordinário com Agravo 843.989/PR. Relator ministro Alexandre de Moraes. Publicado no DJe em 04/03/2022.

[4] Supremo Tribunal Federal. Segundos Emb. Decl. no Recurso Extraordinário com Agravo 843.989/Pr. Relator ministro Alexandre de Moraes. Publicado no DJe em 22/04/2022.

[5] Idem.

[6] Idem.

[7] SANTOS, Rodrigo Valgas dos. Direito Administrativo do Medo : risco e fuga da responsabilização dos agentes públicos. — 1. ed. — São Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2020. p. 183.

[8] GAJARDONI et al, Fernando da Fonseca. Comentários à Nova Lei de Improbidade Administrativa : Lei 8.429/92, com as alterações da Lei 14.230/21. — 5. ed. rev. atual. e ampl. — São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.

[9]GAJARDONI et al, Fernando da Fonseca. Comentários à Nova Lei de Improbidade Administrativa: Lei 8.429/92, com as alterações da Lei 14.230/21. — 5. ed. rev. atual. e ampl. — São Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2021. p. 157.

[10] JUSTEN FILHO, Marçal. Reforma da lei de improbidade administrativa comentada e comparada: Lei 14.230, de 25 de outubro de 2021. — 1. ed. — Rio de Janeiro: Forense 2022. p. 119.

Autores

  • é desembargador do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, mestre em Direito pela PUC-RS, especialista em Direito Político pela Unisinos-RS, ex-procurador do município de Porto Alegre e ex-secretário nacional de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça.

  • é advogado e mestre em Proteção dos Direitos Fundamentais, na linha de Processo Coletivo, pela Universidade de Itaúna (UIT).

  • é advogada, doutora e mestre em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), professora nos programas de doutorado e mestrado em Direito da Universidade de Itaúna (UIT-MG) e nos cursos de pós-graduação em Direito Processual Civil da PUC-SP, ex-pesquisadora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), membro do IBDP, Instituto Potiguar de Processo Civil (IPPC), Ceapro, ILA Brasil e Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP.

  • é doutor e mestre em Direito pela PUC-SP, professor nos programas de doutorado e mestrado em Direito da Universidade de Itaúna (UIT-MG), de mestrado da Universidade Paranaense (Unipar-PR), dos cursos de pós-graduação da PUC-SP e da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Mato Grosso (FESMP-MT) e advogado.

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