Opinião

Limitação de recurso ordinário a conselho de contribuintes e recursos fiscais no PR

Autor

  • Peter Emanuel Pinto

    é advogado tributarista da sociedade Pinto & Bowens Advogados Associados pós-graduado em MBA com ênfase em Finanças Controladoria e Auditoria pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) (2018) pós-graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio pós-graduado em Direito Tributário pelo Ibet professor de Direito Tributário pelo Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais (Cescage) professor de Direito Aplicado ao Agronegócio na pós-graduação pelo Cescage presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB de Ponta Grossa-PR ex-conselheiro da OAB Subseção de Ponta Grossa – PR e ex-membro do Conselho Municipal de Contribuintes de Ponta Grossa – PR.

25 de abril de 2022, 6h01

O artigo 52 da Lei 18.877/2016, do Paraná, trouxe que o direito de interposição do recurso ordinário estaria limitado ao valor de 1.000 UPF/PR, na data da lavratura do auto de infração ou do vencimento da notificação de lançamento. Em seus termos:

"Artigo 52. Da decisão favorável à Fazenda Estadual, no julgamento da reclamação, em que o crédito tributário exigido na data da lavratura do auto de infração ou do vencimento da notificação de lançamento seja superior a 1.000 UPF/PR (mil Unidades Padrão Fiscal do Estado do Paraná) poderá o autuado ou notificado interpor recurso ordinário ao CCRF.
Parágrafo único. O valor de alçada de que trata o caput deste artigo será reduzido em 50% para os contribuintes optantes pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições  Simples Nacional".

Nessa mesma linha, o artigo 31, da Resolução SEFA nº 610/2017, trouxe a seguinte previsão:

"Artigo 31. Cabe recurso ordinário, interposto pelo sujeito passivo ao CCRF, da decisão de primeira instância favorável à Fazenda Estadual, em que o crédito tributário exigido na data da lavratura do auto de infração seja superior a 1.000 UPF/PR (mil Unidades Padrão Fiscal do Estado do Paraná).
(…)"

Assim, o Processo Administrativo Fiscal no estado do Paraná exige que o valor do crédito tributário seja igual ou superior a 1000 UPF/PR para que o recurso ordinário possa ser aceito em sede de segunda instância administrativa.

Desde o mês de janeiro de 2020, a Instrução 1.485/2019 da Sefa estabelece que o valor unitário da UPF/PR é de R$ 104,90. Assim, a limitação estipulada pelos artigos acima identificados seria de R$ 104.900,00 e, caso o contribuinte seja optante pelo Simples Nacional, o valor de exclusão seria de R$ 52.450,00.

Não obstante essa previsão legal, a limitação ao direito de interpor recurso administrativo esbarra em direito fundamental do contribuinte de ter acesso ao segundo grau administrativo.

O artigo 5º, inciso LV, CRFB/1988 ensina que:

"Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade nos termos seguintes:
(…)
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

Nesse mesmo caminho, o inciso XXXIV, do mesmo artigo da Carta Maior resguarda o direito de petição:

"XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;
b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal;".

O contribuinte possui direito fundamental ao contraditório e à ampla defesa também perante o processo administrativo fiscal e, não menos, possui garantia constitucional de interpor recurso em segunda instância administrativa, perante órgãos públicos, sem qualquer previsão na Carta Magna de limitação desse direito.

Além disso, a Lei Complementar Estadual 107/2005, conhecida como o Estatuto do Contribuinte, garante em seu artigo 21, que são assegurados às partes, no processo administrativo-fiscais, o contraditório, a ampla defesa e duplo grau de deliberação.

Em caso análogo ao do Paraná, o Supremo Tribunal Federal afastou recurso extraordinário interposto pela Fazenda Estadual de Mato Grosso, mantendo o entendimento de que a limitação do direito de recorrer, com a fixação de valores mínimos, ofende direito básico previsto na Constituição Federal:

"Trata-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão assim ementado:
'MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL  RECURSO ADMINISTRATIVO  PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE  REJEITADAS  INCONSTITUCIONALIDADE INCIDENTAL DO ARTIGO 570-E, §1º, I, DO REGULAMENTO DO ICMS, INSERIDO PELO ARTIGO 1º, VII, DO DECRETO ESTADUAL Nº 1.747/2008  SIMPLES LIMITAÇÃO DO DIREITO DE RECORRER AO VALOR DA DÍVIDA  5000 UPFMT OU R$ 155.037,39 — VIOLAÇÃO À LEGALIDADE, DIREITO DE PETIÇÃO, CONTRADITÓRIO, DEVIDO PROCESSO LEGAL, DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO AMINISTRATIVA, ISONOMIA, DIREITO DE REVERSIBILIDADE ADMINISTRATIVO E PROPORCIONALIDADE  RECONHECIDA E DECLARADA  DIREITO LÍQUIDO E CERTO AO RECURSO VOLUNTÁRIO  SEGURANÇA CONCEDIDA. 1. A consecução da democracia, vista de último modo, depende da ação do Estado na promoção de um procedimento administrativo que seja (I) sujeito ao controle dos órgãos democráticos, (II) transparente e (III) amplamente acessível aos administrados. 2. Ocorre que a faceta utilizada no artigo 570-E, §1º, I, do Regimento Interno do ICMS impede que a própria Administração revise um ato administrativo porventura ilícito que encerre valor inferior a 5000 UPFMT, ou seja, menor que R$ 155.037,40 3. Não se está a dizer aqui, em verdade, que todo o débito fiscal deve, obrigatoriamente, ser sujeitado ao duplo grau administrativo, mas sim que, havendo previsão de reexame da matéria por órgão colegiado superior, o simples valor do crédito não pode servir de parâmetro para objetar o manejo pontual do recurso pelo contribuinte. 4. Como o caput do artigo 570-E do Regulamento do ICMS permite a interposição de recurso voluntário das decisões que denegarem, parcial ou integralmente, o provimento do seu pedido de revisão, vislumbra-se que a garantia do duplo grau encontra berço nesta legislação infraconstitucional. 5. O direito de recurso, em procedimentos dessa espécie, reúne a qualidade de um princípio geral do direito e de direito fundamental, gozando de proteção constitucional tanto inciso XXXVI (direito de petição) como no inciso LV (contraditório) no artigo 5º da CF/88. 6. Dentre as prerrogativas materiais da Administração remanescente o chamado poder de revisão ou revisional, que nada mais é do que a prerrogativa de que dispõe para avocar processos de escalões hierarquicamente inferiores para posicionar-se sobre a questão. Princípio da Revisibilidade Administrativa. 7. O objetivo prático da norma limitadora parece ter sido o de forçar o recebimento dos créditos tributários menores com assento no pressuposto de que a atuação administrativa do contribuinte é meramente protelatória, o que viola o postulado da isonomia. 8. Falta razoabilidade à norma que elege um limite, simplesmente por estabelecer e sem qualquer justificativa plausível, para arrancar daqueles que possuem débito inferior a 5000 UPFMT do direito de discuti-lo na via recursal e, por conseguinte, a suspensividade de sua cobrança com fulcro no art. 151, III, do CTN. 9. Declarada a inconstitucionalidade incidental do inciso I do §1º do artigo 570-E do Regulamento do ICMS, inserida pelo artigo 1º, VII, do Decreto Estadual nº 1747, de 23/12/2008, para possibilitar, no caso concreto, que a impetrante, se assim desejar, interponha recurso administrativo de decisões administrativas de dívidas fiscais inferiores a 5000 UPFMT' (fls. 183-185).
No RE, fundado no artigo 102, III, a, da Constituição, alegou-se violação aos arts. 5º, XXXIV e LV, da mesma Carta.
O agravo não merece acolhida.
(…)
Registre-se que não há divergência entre a fundamentação consignada pelo tribunal a quo e o entendimento deste Supremo Tribunal Federal. Ao julgar o RMS 26.029/DF, a eminente relatora, Ministra Cármen Lúcia, apresentou em seu voto, um estudo próprio sobre os princípios constitucionais do processo administrativo:
'Também vinculado ao direito à ampla defesa é o direito à revisão e/ou recurso administrativo. Este é uma extensão do direito à ampla defesa, uma forma de exercê-lo. É a Constituição da República que, no mesmo artigo 5º, inciso LV, acopla ao direito à ampla defesa ‘os meios e os recursos a ela inerentes'. O interessado reapresenta a sua argumentação e o seu arrazoado na instância recursal e vê a sua fundamentação ser objeto de novo exame. Na verdade, o recurso é um segundo momento de defesa, agora na instância e perante o juízo recursal competente. As decisões administrativas, inclusive e principalmente aquelas proferidas no processo, podem conter equívocos. São obras humanas e, como tal, sujeitas a desvios e a falhas, como os próprios homens. Daí a necessidade que se foi demonstrando de que as condutas estatais  especialmente aquelas havidas numa relação de contraditório e de questionamento e talvez comprometimento de direitos  submetem-se a duplo exame, porque a oportunidade de haver uma segunda análise propicia uma melhor conclusão e uma maior segurança, diretamente, para o interessado e, reflexivamente, para a coletividade (ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais do processo administrativo no Direito brasileiro. Revista de Informação Legislativa, v.34, nº 136, p. 5-28, out./dez., 1997. p. 22, grifos nossos)'. (RE 767336, relator (a): ministro RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 16/06/2014, publicado em DJe-118 DIVULG 18/06/2014 PUBLIC 20/06/2014)".

 Em sua decisão monocrática, o relator Ricardo Lewandowski julgou improcedente o Recurso Extraordinário apresentado pela Fazenda do Estado do Mato Grosso, pois o entendimento apresentado pelo Tribunal de Justiça daquele Estado estava em consonância com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, ou seja, entendimento pela inconstitucionalidade de dispositivo de norma infralegal que impõe limitação ao exercício do direito de petição, do contraditório e da ampla defesa perante a segunda instância administrativa.

Nesse mesmo sentido, foi a decisão monocrática proferida pela ministra Carmen Lúcia [1], quando da análise de matéria semelhante, quando decidiu pela inconstitucionalidade da limitação de valores para o recebimento do recurso ordinário em segundo grau administrativo.

Nota-se que em ambas decisões monocráticas o Supremo Tribunal Federal afastou os recursos extraordinários do Fisco do Estado do Mato Grosso, mantendo o entendimento do Tribunal de Justiça daquele Estado pela inconstitucionalidade da norma que estabelecia a limitação do direito de recorrer ao conselho de contribuintes, pelo motivo de que o valor do tributo era inferior ao que previa a legislação estadual.

Nota-se que no estado de Mato Grosso, o posicionamento da jurisprudência já é no sentido da inconstitucionalidade da norma que impõe limite ao exercício do direito de recorrer para a segunda instância administrativa, com base em valor mínimo do crédito tributário:

"TRIBUTÁRIO  REEXAME NECESSÁRIO  MANDADO DE SEGURANÇA  DECISÃO QUE INDEFERE PEDIDO DE REVISÃO DE LANÇAMENTO  INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ADMINISTRATIVO  NEGATIVA DE SEGUIMENTO COM FUNDAMENTO NO ARTIGO 570-E, §1º, I, DO RICMS  LIMITAÇÃO DO DIREITO DE RECORRER AO VALOR DA DÍVIDA (5000 UPFMT)  AFRONTA À LEGALIDADE, DIREITO DE PETIÇÃO, CONTRADITÓRIO, DEVIDO PROCESSO LEGAL, DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA , ISONOMIA, DIREITO DE REVISIBILIDADE ADMINISTRATIVO E PROPORCIONALIDADE  SENTENÇA RATIFICADA. 1- Consoante entendimento externado pelo Pleno deste Sodalício, é manifestamente ilegal e inconstitucional a norma insculpida no artigo 570-E, §1º, I, do RICMS, que objeta a interposição de revisão de decisão administrativa ( recurso administrativo ) pelo contribuinte com espeque apenas no valor do débito tributário em discussão, porque esbarra em princípios constitucionais basilares do direito , tais como direito de petição, contraditório, ampla defesa, duplo grau de jurisdição administrativa , isonomia, direito de revisibilidade administrativa e proporcionalidade. 2 – Em ocorrendo a hipótese de manejo do recurso voluntário administrativo, a exemplo de decisão que nega provimento à revisão de crédito tributário que acarreta a constituição de crédito (artigo 570-E, caput), não pode a Administração objetar sua interposição pelo contribuinte, apenas com base no valor da dívida (artigo 570-E, §1º, I, do RICMS).
(N.U 0042973-10.2013.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, HELENA MARIA BEZERRA RAMOS, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 04/11/2019, Publicado no DJE 18/11/2019)"

 Portanto, estabelecer limites com base em valores para que o sujeito passivo tenha a cesso à segunda instância administrativa é ofensa direta aos princípios constitucionais do duplo grau de jurisdição administrativo, do direito de peticionar perante o Poder Público, do contraditório, da ampla defesa, do direito de revisibilidade administrativa e da proporcionalidade.

Desta forma, o Fisco do Paraná deve respeitar o direito do sujeito passivo de interpor recurso ao Conselho de Contribuintes para discussão de matéria tributária pautada em qualquer valor, sob penda de atentar contra a correta aplicação da justiça e respeito à Constituição Federal.

[1] RE 1183805, relator (a): ministra CÁRMEN LÚCIA, julgado em 21/02/2019, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-046 DIVULG 07/03/2019 PUBLIC 08/03/2019.

Autores

  • é advogado tributarista da sociedade Pinto & Bowens Advogados Associados, pós-graduado em MBA com ênfase em Finanças, Controladoria e Auditoria pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) (2018), pós-graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio, pós-graduado em Direito Tributário pelo Ibet, professor de Direito Tributário pelo Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais (Cescage), professor de Direito Aplicado ao Agronegócio na pós-graduação pelo Cescage, presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB de Ponta Grossa-PR, ex-conselheiro da OAB Subseção de Ponta Grossa – PR e ex-membro do Conselho Municipal de Contribuintes de Ponta Grossa – PR.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!