Opinião

A saúde, as liberdades e os protocolos: o caso do jovem mudo

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22 de abril de 2022, 9h09

Fui submetido a uma intervenção cirúrgica na coluna. Exigiram exames dos mais variados. Feito isso, jejum. E depois, vários protocolos me foram aplicados.

Spacca
Já de há muito escrevo sobre o processo como protocolo. O protocolo é uma blindagem contra o "voluntarismo médico". Por isso demoram tanto tempo para nos atender nas enfermarias e quejandos.

Você sabe que seu problema não é pressão sanguínea… mas eles fazem mesmo assim o exame. E muito mais.

Nos aeroportos, há um modelo de protocolo. Você não é terrorista, não tem cara de terrorista e nem jeito de criminoso e, mesmo assim, tem de passar pelo raio-x.

O raio-x é o devido processo. Se aplicado, diminui a margem de erro. Não há dilemas morais diante da exigência do protocolo, assim como diante da exigência do "devido processo". Tente explicar para a equipe médica que você dispensa os protocolos…

Vamos ao caso do jovem mudo, que permaneceu preso por 15 dias (ver aqui). Vítima de um voluntarismo judiciário. Ninguém aplicou "os protocolos". É como se o paciente chegasse com uma feridinha e o médico, sem seguir os protocolos, aplicasse um procedimento e, na sequência, o sujeito morresse por septicemia. Na alegoria, o jovem mudo está com septicemia.

Uma tentativa de furto-que-poderia-ser-tentativa-de-roubo cometido sem violência por um rapaz mudo que sofre de deficiência intelectual e sequer saber a língua dos sinais. Esse é o caso. Fizeram a audiência de custódia. E não seguiram os "protocolos". Operaram o paciente sem saber sequer o tipo sanguíneo e se sofria de alergia.

Atualizo o caso: o Habeas Corpus está há três semanas sem julgamento. A juíza concedeu liberdade provisória ao jovem (ver aqui). O MP, em segundo grau, emitiu parecer contra a o Habeas Corpus (quem quiser ler o parecer, leia aqui).

Mas o sistema judiciário, mesmo que não cometa mais nenhum erro neste processo, já sai arranhado. E muito. Interessante é que nada disso importou para o MP de segundo grau. A deficiência do jovem e as circunstâncias em que se deu a audiência de custódia — nada foi referido no parecer. Precisamos falar, mesmo, sobre o MP de segundo grau. E sobre o judiciário. De primeiro e segundo graus. Um habeas é remédio heroico. Como pode levar tanto tempo para ser apreciado?

Talvez aplicando a linguagem metafórica-alegórica acerca dos protocolos médicos à comunidade jurídica — perdida que está no entremeio de uma dogmática empobrecida por um criterialismo de baixa densidade epistemológica –consigamos comunicar o que está ocorrendo. A dogmática fabrica próteses para fantasmas, dizia Warat. Nunca esteve tão certo o gringo.

Uma prisão é o ponto mais grave do direito. É a antípoda da liberdade. Na medicina, é a emergência médica em grau alto. Logo, uma prisão, mormente nas circunstâncias da precariedade da saúde (aqui é estrito sensu) do individuo preso, exigiria a aplicação de todos os cuidados processuais-protocolares.

O que quero dizer é que uma prisão sempre deve exigir um cuidado protocolar semelhante ao que é tomado quando você vai fazer uma cirurgia. Passo a passo. Para não errar.

Mas parece que no Brasil, com tanta gente presa injustamente, os protocolos não estão sendo seguidos. E tem gente morrendo. Estrito e lato sensu. Real e metaforicamente.

Consegui me comunicar? Talvez. Não faltarão linóstolos e pastóforos para contestar. Ah, ele está comparando direito e medicina… Pois é… Estou, mesmo.

Você já foi operado?

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