Opinião

Rússia x Ucrânia: revisão dos contratos de compra e venda de produtos agrícolas

Autor

  • Rafael Guimarães

    é pós-doutorando na Universidade de Bologna (Itália) doutor e mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP especialista em administração de escritórios de advocacia pela Harvard Law School (EUA) e Fordham Law School (EUA) professor nos cursos de pós-graduação da Universidade Paranaense (Unipar) e sócio do escritório Medina Guimarães Advogados.

20 de abril de 2022, 18h11

É sabido que os agricultores brasileiros têm se questionado sobre o ônus com relação aos prejuízos de uma venda de grãos com preço pré-determinado, e isso tem tomado proporções econômicas e jurídicas quando incidem alguns fatores como a alta do dólar ou mesmo a pandemia mundial que ainda perdura. Um exemplo bem ilustrativo acontece justamente nos contratos de venda de soja a cooperativas e tradings.

O agricultor, tendo em vista o preço da saca de soja na data da assinatura do contrato, se compromete a entregar determinada quantidade de sacas dentro de alguns meses, com um pequeno acréscimo ao preço da época da assinatura do contrato. A situação ganha contornos preocupantes quando algum fenômeno inesperado ocorre durante a vigência do tratado, ou seja, no período compreendido entre o acordo e a data marcada para a entrega, fenômeno este que implica em um aumento do custo do agricultor, que tem o dever de entregar o produto com preço pré-fixado e, por consequência, pode ficar sujeito a grandes prejuízos em um negócio que parecia vantajoso.

Pois bem, nossa jurisprudência já havia se posicionado no sentido de que a alta do dólar, ou mesmo a pandemia mundial, não seriam fatores que pudessem minimizar os prejuízos do agricultor, ou mesmo fazê-lo dividir esses prejuízos com as empresas contratantes. Preceitua nosso Judiciário que os exemplos aqui mencionados são fatores classificados como esperados e que estariam abarcados pelo risco do agronegócio. Portanto, ainda nos exemplos mencionados, não haveria espaço para a aplicação da teoria da imprevisão, qual seja, o contido nos artigos 317, 478, 479 e 480 do Código Civil, pois, dentre outros fatores, os referidos eventos não se enquadram como caso fortuito ou força maior para efeitos do artigo 393 do Código Civil. Tais dispositivos legais, em resumo, preceituam que, quando um evento inesperado implica em uma onerosidade excessiva para uma das partes contratantes, o magistrado pode resolver equitativamente a questão, sem determinar a aplicação específica como anteriormente avançado pelas partes. Com relação à pandemia de Covid, nosso ordenamento já previa no artigo 7º da Lei 14.010/2020, a inaplicabilidade da teoria da imprevisão e, como dito, nossa jurisprudência avaliza tal entendimento e, também, veda a aplicação de tal teoria a situações como alteração cambial.

Ocorre que, quando ainda estudantes, os acadêmicos de direito, segundo parte da doutrina, estudam a força maior como expressão reservada aos fenômenos naturais inevitáveis, tais como raios, tempestades e outras catástrofes naturais, e o caso fortuito como o ato ou o fato estranho à vontade das partes, imprevisível, tais como greves, revoluções internas e, curiosamente, as guerras! Não bastasse, a guerra envolve Rússia e Ucrânia, dois dos maiores produtores de grãos do mundo, sendo a primeira a principal produtora de fertilizante, insumo vital para a produção de grãos que, embora o governo brasileiro tenha despendido esforços para manter a importação de tal produto russo, o insumo vem sofrendo uma disparada no preço no mercado mundial com a guerra. Ou seja, a grosso modo, estamos diante de um evento inesperado que pode causar onerosidade excessiva a uma das partes contratantes? A resposta parece ser positiva. Trata-se um evento inesperado e com grandes consequências para as negociações agrícolas, não bastasse ser o exemplo típico de caso fortuito das faculdades de Direito.

A grande questão ficará para o destinatário do prejuízo. Ou seja, quem arca com os prejuízos em um contrato agrícola de venda futura que foi substancialmente afetado em virtude da guerra? A resposta parece estar na interpretação dos artigo 478 a 480 do Código Civil, que preceituam por uma resolução equitativa. No exemplo mencionado, no caso de um aumento abrupto do produto no momento da entrega, poderá o magistrado, analisando casuisticamente, aumentar também o preço no momento da entrega para o contrato, calibrando o prejuízo entre as partes contratantes, não permitindo que somente uma delas arque com os prejuízos decorrentes do conflito.

Sendo assim, segundo nosso sentir, a guerra que ora acontece entre Rússia e Ucrânia, que ocasione uma alteração excessiva no preço do grão a ser entregue, pode ser classificado como caso fortuito e ser utilizado como fundamento pelo magistrado para que ambas as partes contratantes de contrato agrícola arquem com os prejuízos decorrentes deste conflito de âmbito mundial.

Autores

  • é sócio-fundador do Medina Guimarães Advogados, pós-doutorando pela Universidade de Bolonha (Itália), doutor em Direito pela PUC-SP, especialista em Direito Ambiental e Mudanças Climáticas pela PUC-SP e professor na pós-graduação na Universidade Paranaense (Unipar).

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