Opinião

Governança e proposta de alteração estatutária da Petrobras

Autor

  • Fernanda Regina Negro de Oliveira

    é coordenadora jurídica no Escritório Ernesto Borges Advogados especialista em Direito Processual Civil e em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e membro da Comissão de Sociedade de Advogados da OAB/MS.

20 de abril de 2022, 20h23

Desde o início da invasão da Ucrânia, tem tomado os periódicos as notícias de possíveis altas em combustíveis fósseis, tanto em razão da importação pela Petrobras de petróleo e derivados vindos da Rússia, quanto em razão das diversas sanções econômicas que o país passou a sofrer por conta dos ataques provocados.

Essa expectativa foi então confirmada no dia 10 de março, quando a Petrobras anunciou o aumento já esperado nos preços dos combustíveis para as distribuidoras. A gasolina sofreu aumento de 18,8% enquanto o diesel subiu 24,9% e o gás de cozinha 16,1%.

Com o anúncio, as ações da Petrobras tiveram alta considerável, de cerca de 5,42% para ações ordinárias e de 6,27% para ações preferenciais, o que demonstra que o mercado de capitais vê com bons olhos o fato de a estatal seguir comprometida com a adoção da política de Preço de Paridade Internacional (PPI).

Por se tratar de sociedade de economia mista, a Petrobras possui a União como seu maior acionista que, nos termos do artigo 238 da Lei das S.A. (Lei nº 6.404/76) tem os deveres e responsabilidades de acionista controlador (artigos 116 e 117), podendo, no entanto, orientar as atividades da companhia de modo a atender ao interesse público que justificou a sua criação.

Não obstante, as ingerências da União, acionista controlador da estatal, têm preocupado os investidores e acionistas minoritários, tendo em conta que a Petróleo Brasileiro faz parte do seleto rol de empresas que são capazes de afetar não só a bolsa de valores brasileira, mas também de levantar e motivar questões políticas e de macroeconomia.

Tendo isso em mente e com a aproximação da Assembleia, marcada para o dia 13 de abril, os minoritários e investidores da Petrobras buscam o fortalecimento das práticas de governança corporativa na estatal para que, se por razões políticas a estatal pare de repassar a alta dos preços e, consequentemente pare de atender à política de preço de paridade internacional (PPI), os administradores sejam questionados judicialmente, o que pode reprimir ingerências políticas.

Os direitos e deveres desses administradores estão previstos na Lei das S.A. que prevê, em seu artigo 154 e §1º, que o administrador deverá exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa.

Além disso, à Petrobras ainda se aplica da Lei das Estatais (Lei nº 13.303/2016) e seu próprio estatuto social que dispõe, em especial em seu artigo 3º, que a empresa deverá praticar suas políticas segundo as condições de mercado (§1º), contudo, poderão ser orientadas pela União de modo a contribuir para o interesse público que justificou a sua criação (§3º).

No entanto, prossegue o estatuto afirmando que a "União somente poderá orientar a Companhia a assumir obrigações ou responsabilidades, incluindo a realização de projetos de investimento e assunção de custos/resultados operacionais específicos, como aqueles relativos à comercialização de combustíveis, bem como outras atividades correlatas, em condições diversas às de qualquer outra sociedade do setor privado que atue no mesmo mercado, quando […] tiver seu custo e receitas discriminados e divulgados de forma transparente, inclusive no plano contábil" (§4º).

Finaliza no sentido de que, quando orientada pela União a contribuir para o interesse público, esta "compensará, a cada exercício social, a Companhia pela diferença entre as condições de mercado definidas conforme o §5º acima e o resultado operacional ou retorno econômico da obrigação assumida" (§6º).

Ou seja, conforme previsões legal e estatutária, acaso a Petrobras não pratique suas políticas em condições de mercado, por orientação da União, deverá necessariamente haver ampla divulgação dos seus prejuízos e a consequente compensação pela União, na qualidade de acionista controlador .

Contudo, a companhia ainda vê necessidade de alterações em seu Estatuto de modo a reforçar a governança da Petrobras e evitar maiores interferências políticas, isso se depreende do edital de convocação da Agoe do qual consta como deliberação a proposta de reforma de estatuto social, em especial as condições para investidura em cargo de administração (artigo 21); regras para os cargos de conselheiros e membros da diretoria (artigo 22), e suas responsabilidades (artigo 23), além das competências do conselho de administração (artigos 29 e 30), atribuições da diretoria executiva (artigo 33), regras para convocação de reuniões da diretoria (artigo 35) e competências da assembleia geral extraordinária (artigo 40).

Os principais ajustes, conforme apontado por André Ramalho em artigo ao Valor Econômico, são "a necessidade de quórum qualificado para eleição e destituição do diretor de governança e conformidade pelo conselho de administração" além do reforço do "papel dos comitês de assessoramento ao conselho [comitês de investimentos e de minoritários] na avaliação de assuntos relacionados ao objeto social da companhia".

Sendo a Petrobrás uma das estatais mais importantes para o Brasil e considerando o atual momento de alta nos preços de combustíveis, combinado às exigências dos investidores e minoritários de respeito à política do PPI e de alteração nas regras de governança, não há dúvidas de que a assembleia geral que se realizará em 13 de abril será palco de um grande debate.

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